Aconteceu o pior

Homem morre atropelado durante protesto que pedia passarela

Os moradores dos bairros Vila Nova e Jardim Santa Virginia, em São José dos Pinhais, nem imaginavam que o protesto que organizaram na manhã de ontem faria tanto sentido. A manifestação, para pedir a construção de uma passarela no quilômetro 69 da BR-277, foi organizada depois que Jessica Cordeiro de Freitas, 21 anos, morreu atropelada há 11 dias. O detalhe, é que um atropelamento com morte aconteceu antes do protesto começar, no sentido contrário da pista onde os manifestantes se preparavam.

Por volta das 6h, enquanto os moradores organizavam o momento certo para fechar a rodovia no sentido litoral, José Dirceu dos Santos, 42 anos, morreu atropelado no sentido Curitiba. O motorista que causou o acidente fugiu sem prestar socorro. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o motorista apresentou-se no posto policial, onde prestou depoimento, alegando que só não parou por medo de ser agredido pela população. Lá também ele realizou o teste de bafômetro, que deu negativo. Ele foi liberado, mas continua a responder inquérito policial.

Por causa do acidente, os moradores se revoltaram e fecharam a rodovia por completo. “Uma fatalidade que surpreendeu todos nós, mas aconteceu justamente para mostrarmos que não estávamos errados com o nosso pedido. Até quando vão continuar com esse descaso?”, disse Alceu Luiz dos Santos, 40 anos, presidente da associação dos moradores da Vila Nova.

Dificuldade

Os moradores contaram que está cada vez mais difícil atravessar a rodovia. “Já cheguei a ficar mais de 20 minutos esperando para atravessar e levar minha filha do outro lado para pegar o ônibus que a levaria para a escola. Quando chegamos lá, perdemos o ônibus e tivemos que esperar mais 20 para voltar pra casa”, disse Josiane Favoretto, mãe de uma adolescente de 14 anos.

Depois de quase cinco horas de bloqueio, negociações com a Polícia Rodoviária Federal, a Ecovia, concessionária que administra o trecho e o Departamento de Estradas e Rodagem (DER) liberaram a rodovia. “Mas com a condição de que algo seja feito na reunião marcada com o DER para a semana que vem, porque podemos fechar a rodovia de novo a qualquer momento”, disse o presidente da associação de moradores.

Segundo Alceu, uma reunião foi marcada entre todos os envolvidos para quarta-feira. O DER se manifestou e disse que pretende concluir as negociações o mais breve possível, para que as obras, não previstas em contrato, sejam autorizadas e iniciadas o quanto antes. Já a Ecovia informou que o pedido de passarela para o quilômetro 69 está em fase de análise pela concessionária e DER.

Motoristas apoiam causa dos moradores

Aliocha Maurício
Engarrafamento segue intenso nos dois sentidos da rodovia.

Os motoristas, apesar de parados na BR-277 por causa do protesto, se mostraram favoráveis. “É visível que as pessoas precisam de atenção por aqui, a reivindicação é muito válida, afinal alguns motoristas exageram na rodovia e o risco de morte pros moradores é muito grande”, comentou Fabio Ferrari, 36 anos.

Apesar de concordar com o protesto, o motorista apontou problemas. “Os moradores poderiam pensar em quem precisa cumprir com os compromissos. Eu iria para Paranaguá e perdi a aula na faculdade. O direito deles acaba quando começa o do outro”. Fábio parou o carro às 6h, logo quando começou o protesto. “Se eu não parasse, passaria por cima das pessoas, porque literalmente se jogaram em frente ao carro. Outra falta de respeito com a vida deles mesmos, que organizaram o protesto para pedir respeito à vida”, disse.

Para sair do local do protesto, por conta do grande congestionamento que passou dos 15 quilômetros, a equipe da Tribuna pegou carona com um motorista que ,estava no sentido Curitiba. Joaz Camargo disse que, assim como os outros motoristas, parou por volta das 6h. O homem, que mora próximo ao local do protesto, também esperava por uma solução. “Também moro às margens da BR e sei o que os moradores passam para atravessar. O protesto atrasa quem precisava da rodovia, mas só assim, talvez, as autoridades tomarão uma atitude. O trânsito está cada vez mais caótico por aqui e não podemos deixar os nossos vizinhos correrem risco de morte diariamente”.

Pedido antigo e enrolado

A reivindicação para implantação da passarela no quilometro 69, bem como de outras três nos quilômetros 63 (Jardim Libanópolis), 68 (Nemari III) e 73 (próximo a Fábrica Zanini, no Guatupê) foi assunto de uma reunião da vereadora e também moradora da região de São José dos Pinhais, Lucia Stocco, com o secretário-chefe da Casa Civil, Reinhold Stephanes; representantes da Ecovia; com o diretor do DER, Nelson Leal Junior; o engenheiro Almir Bonatto e representantes da Secretaria de Estado de Infra-estrutura e Logística em agosto do ano passado. Na época, as autoridades disseram que os projetos seriam analisados.

Passados quase oito meses da solicitação, a situação dos pedidos ainda é a mesma. A assessoria de imprensa do DER informou que no momento existem seis projetos de implantação em estudo, mas três deles com maior probabilidade de acordo. O DER disse que para aprovação de um projeto que esteja fora do contrato de pedágio, como é o caso dos seis, a concessionária que administra a rodovia pode aumentar o valor da tarifa do pedágio para custear as obras. Para que isso não aconteça, o governo está buscando tratativas junto a Ecovia para construção dessas passarelas sem que isso reflita no bolso da população. O DER informou ainda que o custo estimativo para construção de uma passarela é de R$ 1,5 milhão.

Desrespeito com deficiente

Um dos moradores da Vila Nova, que é deficiente visual, contou que foi maltratado por funcionários da empresa responsável pela concessão daquele trecho da BR-277. “Quando fui saber se teria a possibilidade da construção da passarela, o rapaz que me atendeu falou que ‘eu sou cego, não teria motivo nenhum para atravessar e ir para o outro bairro’. Me senti impotente”, desabafou Luiz Vanderlei Rodrigues, 40 anos. O homem, que perdeu a visão com o tempo, falou que por causa da falta de acesso ao outro bairro, depende que as pessoas o ajudem. “Sou independente para tudo, mas quando preciso ir para o outro bairro, preciso de ajuda, porque mesmo pegando ônibus, tenho que ir até muito longe de casa. E ao contrário do que o funcionário disse, eu posso ser cego, mas continuo vivo”.

Em nota, a concessionária Ecovia informou que trata a todos os seus públicos interno e externo com igualdade e respeito, sem qualquer tipo de discriminação, de acordo com a conduta da empresa. Afirmou que os colaboradores são profissionais qualificados e realizam treinamentos frequentes, dispõem de um canal de relacionamento para receber sugestões, reclamações e elogios, além de receber com frequência os líderes das comunidades, com todas as reuniões são registradas em atas contendo assinatura de todos os presentes.

Voltar ao topo