O ovo de Colombo da segurança pública?

Nunca se discutiu tanto a respeito da solução de um dos problemas que hoje mais afligem a população brasileira, que vem a ser o estado lastimável em que se encontra a segurança pública. É comum vermos nos programas televisivos ou escutarmos nas mais diversas rádios comentários sobre o pavor, bem como as soluções para diminuir a insegurança que a todos inquieta e atemoriza.

Recentemente foi apresentada junto ao Congresso Nacional a proposta de unificação das polícias, como sendo a grande solução para amainar as preocupações surgidas com a falta de segurança pública e conseqüente avanço da criminalidade, principalmente a violenta. Inúmeras autoridades vêm se pronunciando a respeito, algumas elogiando e enaltecendo a medida e outras poucas, um tanto céticas, em pronunciamentos cautelosos, criticando-a. Como acreditamos existir solução melhor e mais rápida que a proposta apresentada pela deputada Zulae Cobra junto ao Congresso Nacional, e que atenda de imediato os anseios nacionais, sentimo-nos atraídos a escrever a respeito.

Temos constatado que a criminalidade tanto a comum, como a violenta, seja ela organizada ou não, vem aumentando de tal forma, que parece estar saindo de controle, sem que as autoridades encarregadas de combatê-la, apresentem qualquer solução efetiva para diminuí-la, a não ser a realização de operações integradas, as quais sobrecarregam, desgastam e diminuem a eficiência dos órgãos incumbidos da segurança pública. Acreditamos que é pela falta de propostas concretas e eficientes que o poder político se louva na sugestão da unificação das polícias como sendo a tábua de salvação do governo e da sofrida população brasileira.

Convém relembrar que a dita proposta remete a solução do problema, em definitivo, – unificação das polícias -, para daqui a 8 (oito) anos, caso o Congresso Nacional aprove o referido projeto. Fora isso, nada existe de concreto para aliviar ou mesmo minimizar o problema que hoje já se reflete não só em perdas de recursos financeiros, principalmente na área do turismo bem como no desassossego na área social e ainda, com reflexos em outras áreas, que não foram devidamente mensurados. Até parece que podemos nos dar ao luxo de esperar todo esse tempo na situação em que estamos.

Poucas pessoas, imaginamos que até por acreditarem ser necessário inovar, têm procurado estudar o problema gerado pela insegurança existente, de forma objetiva e que possa ser solucionado, rapidamente, com os recursos hoje disponíveis, ao nosso alcance.

Sempre que temos ouvido as soluções propostas para melhorar a qualidade da segurança pública, são elas colocadas única e exclusivamente no pólo repressivo, ou seja, são propostas para serem aplicadas após o crime ter sido cometido e, preferencialmente, com operações repressivas conjuntas. Esquecem os especialistas que o grande segredo está na prevenção.

Esquecem as autoridades do setor, de folhear nossas Constituições (tanto a Federal quanto a Estadual) e verificar quais as atribuições constitucionais das polícias civis e militares, que estão muito bem descritas e delimitadas no artigo 144 da CF e artigos 47 e 48 da CE. Esquecem ainda que em razão dos cargos que ocupam deveriam propugnar pelo cumprimento de tais normas de forma constante e intransigente. Ao invés disso, obrigam tanto a uma quanto a outra extrapolar suas atribuições, executando (ora uma ora outra) trabalhos que ao final não lhes competem e, com resultados negativos à segurança pública, pois enquanto os realizam, deixam de cumprir tarefas que lhes são pertinentes e que deveriam, se bem feitas, diminuir a criminalidade, hoje galopante. A situação atual gera um estado de intranqüilidade e pavor não só à população nativa, mas também àqueles que vêm de fora, o que por via de conseqüência acaba também interferindo na economia tanto nacional quanto regional.

Vemos delegacias de polícia com suas celas abarrotadas de presos e os policiais travestidos de carcereiros (entre nós, na Polícia Civil, carreira já extinta há mais de 10 anos, pois se verificou já naquela época não ser atribuição da instituição), enquanto a Polícia Militar sem realizar tarefas que lhe são inerentes, passa a realizar atividades de polícia judiciária. Para tanto, conta com a não censura das autoridades constituídas, como se seu desempenho fosse juridicamente perfeito e correto e, a atitude, louvável. Cremos até que acreditam que a realização de atividades superpostas seja geradora de grande benefício à população, com conseqüente elevação do nível de segurança. Certamente não enxergam seu desvio de função, nem mesmo a usurpação da função de polícia judiciária.

Muito embora sejam reproduzidas em programas de televisão cenas como a que vimos outro dia num dos canais, em que policiais aparecem uniformizados com viaturas, parados em frente a colégios realizando revistas em estudantes, objetivando diminuir o índice de danos praticados por alunos que se faziam acompanhar de não alunos, aos quais se associavam na atividade perniciosa contra o bem público. Ao trabalho policial desenvolvido naquela situação, não é dado a devida importância, tanto assim é, que embora o crime seja bastante comum, tais operações são eventuais. Tal atitude, vem reforçar a tese que esposamos. O policiamento preventivo é de vital importância para a mantença da segurança pública em um nível desejável. Se assim não o fosse, não se adotariam medidas nos aeroportos do mundo inteiro onde se colocam detectores de metais, RX para verificar não só bagagens de mão mas também as que vão no porão dos aviões, etc. Se tais medidas tivessem sido adotadas nos EUA, talvez a tragédia do dia 11 de setembro não tivesse acontecido. Outros fatos que reforçam esta teoria, (dos quais) são exemplos, dentre outros, os que abaixo relacionamos:

1 – Para se manter as penitenciárias tranqüilas, é necessário uma firme e constante vigilância;

2 – A colocação de câmaras em rua central de Curitiba diminuiu o número de crimes lá praticados;

3 – A instalação de “pardais” em ruas e avenidas diminuiu o índice de acidentes de trânsito;

4 – O cometimento de furtos ocorre principalmente em locais não policiados e à noite;

5 – Nas praias, o maior índice de furtos por arrombamentos acontece nos meses em que há baixo índice de freqüentadores e menor nível de policiamento.

Um dos grandes fatores para que o programa de tolerância zero tenha dado certo em Nova York, foi o de que as autoridades daquela cidade bem treinaram, melhor pagaram e aumentaram os efetivos policiais nas ruas, os quais têm por missão combater o crime, desestimulando o seu cometimento.

Com a justificativa de que a Lei de Responsabilidade Fiscal não permite que as polícias tenham seus quadros aumentados, as autoridades do setor, comodamente e sem qualquer pudor vão aos órgãos de imprensa e demais pessoas e entidades que cobram ações pela falta de segurança existente e, afirmam que não é possível melhorar o nível de segurança em razão de que a referida Lei veta a contratação de novos servidores, sendo assim impossível aumentar os quadros existentes (quase todos datam da década de 1980). Todavia, não logramos até o dia de hoje ver qualquer das autoridades e aí, incluímos os governadores dos Estados, procurar junto ao Congresso Nacional, excepcionar frente ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal a segurança pública, em face da grave situação que a segurança vive, e, com isto possibilitar o aumento de recursos necessários para o setor.

Vamos mais longe, dá-se atribuição à polícia civil, de investigar um crime qualquer e não se lhe dá meios. Tal afirmação é fácil de se comprovar, pois recentemente veio a público que no vizinho município de Almirante Tamandaré que integra a Região Metropolitana de Curitiba, foram encontrados 18 corpos de mulheres que tiveram morte violenta. O delegado de polícia local que não tinha estrutura para realizar investigações, foi substituído por ter sido “omisso”. Foi, então, designado um novo delegado para dirigir os trabalhos da delegacia e, o seu primeiro ato foi o de solicitar aumento de efetivo da polícia civil, pedido este que, foi anteriormente, por inúmeras vezes feito (e não atendido) pelo seu antecessor. Ainda, naquele município, oito policiais militares foram presos por envolvimento com os crimes de homicídio. A população local solicitou à Polícia Militar, aumento do efetivo que irá atuar naquela localidade, solicitação esta que não poderá ser atendida por falta de contingente. A verdade é que tanto as polícias Civil e Militar não dispõem de servidores de carreira para atender as necessidades que a falta de segurança está a exigir do governo. Cabe portanto uma pergunta: Quem é o omisso?

No Estado do Paraná em inúmeros municípios a polícia civil não se faz presente com policiais de carreira e, se formos verificar em quais dos 399 municípios a Polícia Civil e Militar está presente em números suficiente, a resposta é: Em nenhum!

Aparentemente, o problema é só das polícias estaduais. Mas só aparentemente, pois a Polícia Federal passa por idêntica situação. A prova disto é que o tráfico de drogas, que atinge todas as camadas sociais e que está vinculado com todas as modalidades criminosas, e que é feito na sua grande maioria através das fronteiras do País, praticamente não tem combate ou, o combate é acanhado, haja vista o grande volume de droga que é consumido nos mais diversos rincões da Nação. Igualmente a falta de pessoal resulta também no tráfico de armas, as quais são muitas vezes bem superiores tanto em qualidade quanto em poder de fogo se comprados àquelas que a polícia usa para combater o crime, o que torna tal combate muito desigual.

Muito embora tais fatos sejam muito claros, em vez de solucionar o problema, as autoridades constituídas, mais uma vez comodamente, deixam de aplicar medidas para solucioná-lo para aplicar paliativas. Deixam a cargo das polícias estaduais o combate à distribuição de drogas, bem como a apreensão de armas de fogo que entraram ilegalmente no País, como se elas já não estivessem assoberbadas com suas atribuições normais e, chamam para a Polícia Federal a investigação em crimes de seqüestro como se tal determinação (Medida Provisória) fosse revestida de legalidade bem como se ela estivesse, do dia para a noite, preparada para exercer tal mister, sem contar que o acúmulo de mais esta função assoberbará ainda mais a polícia federal, notadamente pelo elevado número de casos de seqüestro registrados nos diversos Estados brasileiros. É uma nova demonstração de como as polícias são tratadas. Lançam-nas a missão sem dar-lhes condições de trabalho. Não nos parece haver coerência na adoção de tais medidas, pois enquanto a Polícia Federal é altamente especializada no combate ao tráfico de drogas, armas, contrabando, etc, as polícias civis o são no esclarecimento de crimes de seqüestro e outros.

Para se resolver o problema da falta de segurança pública, no menor lapso de tempo possível (e não em 8 anos), há que se tomar algumas medidas. Algumas delas podemos enumerar sem receio de qualquer equívoco.

1. – Vontade política governamental de fazer e manter as alterações necessárias no atual modelo da segurança pública;

2. – Não permitir, sob qualquer hipótese, que policiais civis, militares e mesmo federais executem serviços diversos daqueles que por força constitucional lhes são destinados;

3. – Conseguir junto ao Congresso Nacional, por proposta governamental, em regime de urgência urgentíssima, alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal, para poder elevar os efetivos das organizações policiais dos Estados, bem como elevar os salários a um nível digno com o objetivo não só de atrair para suas fileiras bons profissionais, mas melhor remunerar os existentes, visando estimulá-los ao exercício mais próximo do ideal possível, da atividade que exercem;

4 – Elaborar planejamento calcado em índices como de criminalidade, densidade demográfica, área geográfica, peculiaridades próprias (em que a comunidade deverá ser ouvida) e outros a serem estabelecidos para dimensionar os recursos de pessoal, material e financeiros a serem aplicados em cada um dos municípios do Estado, e não como ocorre hoje em nosso Estado, pois existem municípios em que a polícia judiciária não se faz presente, o que gera prejuízo real para a aplicação da Justiça.

5. – Estabelecer, rigidamente, os limites de atuação de cada uma das polícias do Estado, reforçando o policiamento preventivo/ostensivo como meio desestimulador do cometimento do crime ou de atividade a ele ligada;

6. – Criar banco de dados que interligue as informações existentes na Polícia Civil e na Polícia Militar, de tal sorte que as informações necessárias ao planejamento de policiamento preventivo/ostensivo sejam carreadas à polícia Militar, enquanto as informações que levem ao esclarecimento de autoria de crime já cometido, atribuição da polícia judiciária, sejam carreados à Polícia Civil;

7. – Obter do Governo Federal o compromisso de efetivamente fortalecer, através da Polícia Federal, o policiamento de fronteira por onde têm saído do País veículos furtados e por onde ingressam tanto drogas nocivas à saúde como armamento o qual tem sido utilizado em ações criminosas.

8. – Interligar os bancos de dados das polícias civis estaduais com os da Polícia Federal, facilitando assim as consultas e alimentação de informações visando otimização no combate ao crime;

9. – Criar centros de inteligência regionais que atendam as diversas regiões (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, etc.) do País, em face de proximidade e interesse comum dos Estados;

10. – Retirar das celas das delegacias de polícia todos os presos, sejam eles condenados ou provisórios e, não utilizar servidores policiais, sejam eles integrantes da Polícia Civil ou Militar na sua guarda, o que implica na criação de um quadro próprio para exercer a função;

11. – Reavaliar os currículos dos cursos que são disponibilizados aos servidores policiais civis e militares, encaminhando, efetivamente, cada unidade para a atividade fim que deverá desempenhar.

12. – Propiciar aos policiais civis e militares cursos de atualização para bem desempenharem suas atribuições, bem como providenciar-lhes sejam ministrados cursos de especialização nas suas respectivas áreas de atuação;

13. – Treinar policiais para interagir junto à comunidade com o objetivo de reconquistar o respeito há muito perdido e com a mesma dividir a busca dos objetivos a serem alcançados.

Temos consciência que a adoção de tais medidas, dentre outras, embora pareça ser tarefa fácil, não é, porém está mais próxima da realidade do que a unificação das polícias e, a um custo muito menor quer para o governo quer para a população que clama por um retorno urgente de uma melhor qualidade na segurança pública.

Luís Fernando Viana Artigas

, é delegado de polícia de 1.ª classe, chefe da Divisão de Investigações Criminais do Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, especialista em Ciências Penais pela UFPR e em Administração Pública pela Fidepar.

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