O direito dos sem-alguma-coisa

O cidadão, relutando, proclamando seus direitos, foi levado à presença do delegado com a acusação de ter furtado um automóvel.

– Delegado! – iniciou o policial fazendo a acusação – Este meliante foi acusado pelo comerciante Izak, ali da praça do redondo, de ter furtado o carro Monza 2000 de propriedade do Izak. Também ele ladrão não nega de que se apossou do veículo que estava estacionado em frente à loja do Izak.

– Ponha este meliante em detenção e vamos lavrar a acusação, mas ficará preso em flagrante – sentenciou o delegado.

O prisioneiro levantou o protesto, com toda a elegância e firmeza:

– Senhor delegado! O senhor não pode atender à acusação deste distinto policial. Realmente ele está procurando cumprir as obrigações de policial. Apenas há um grave engano. Eu não sou um ladrão. Eu não roubei o carro do sr. Izak. Eu procedi a uma invasão de propriedade. Como os sem-terra. O sr. Izak, tido como proprietário, que entre em juízo com um pedido de reintegração de posse deste automóvel. Se o sr. juiz conceder a sentença da reintegração de posse a favor do dito proprietário e se o exmo. sr. governador autorizar ao sr. delegado que me faça restituir o bem, assim o farei sem reação e sem violência. Mas até que se cumpra a sentença o bem ficará na minha posse com direito de uso e ainda exigindo que o sr. providencie um posto de gasolina que me abasteça o veículo até o final desta questão.

Muito lógica a argumentação do suposto ladrão que não se apossou do veículo para o desmanche e nem para levá-lo para o Paraguai ou para um receptador.

Assim também aconteceu em outra delegacia onde o cidadão foi preso com a acusação de ter assaltado uma senhora e ter se apossado do dinheiro da distinta.

– Sr. delegado! Eu não roubei. Eu sou um sem-dinheiro. A senhora deve entrar com uma ação judicial que a favoreça na reintegração de posse do numerário e se o sr. governador autorizar a polícia poderá me intimar a devolver o dinheiro, o que farei sem mais relutância, procurando outro possuidor do bem considerado improdutivo e simplesmente guardado por usura.

Aí é que a coisa prossegue tendo acontecido que outro cidadão seqüestrou uma bela senhora e diante da acusação de seqüestro se defendeu dizendo:

– Sr. delegado, eu não seqüestrei. Eu sou um sem-mulher e me apossei da distinta. O sr. não pode me prender e apenas direi onde a tenho mediante uma sentença judicial e a autorização do sr. governador para a intervenção policial para a reintegração de posse… Se ela não se apaixonar por mim.

E o direito da mulher sem homem? Ah! Daí o bicho pega.

Assim ficamos diante do direito dos sem-alguma-coisa.

Mas fica a interrogação de um problema da maior gravidade.

Como poderão agir e reclamar dos seus direitos certos tipos de pessoas que fazem parte do grupo dos sem-alguma-coisa e como conquistarão os seus direitos:

Os sem-vergonha. Estes parece que estão acomodados e não se preocupam em se apossar de alguma coisa pela comodidade de serem possuidores de caras-de-pau e, supomos, apenas procurariam se apossar de potes de cerda lustrosa para polir a própria cara e ostentarem na vida pública o palavrório mentiroso e enganador em benefício das agradáveis mordomias e regalias régias.

Como bons defensores da classe dos sem-alguma-coisa, exercem as atividades de defensores ocultos da classe dos sem-alguma-coisa, facilitando-lhes as atividades pela simples omissão de ação coercitiva e de combate à miséria que dizem ser os verdadeiros defensores. Ninguém discorda de que são defensores da miséria mas na verdade não são a favor dos miseráveis desenvolvendo trabalhos e atitudes que favoreçam a saída do estado deprimente em que vive grande parte da população.

Fahed Daher é médico em Apucarana

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