Navalha na Justiça

A Operação Navalha, desencadeada pela Polícia Federal e que flagrou diversos casos de corrupção em obras públicas a construir, construídas, necessárias e desnecessárias e algumas fantasmas, desenvolve-se não só no organismo policial subordinado ao Ministério da Justiça. Envolve também o Ministério Público e o Judiciário, tanto de primeira instância como em instância superior da justiça federal (STJ) e no Supremo Tribunal Federal. Pode-se dizer que a Operação Navalha está cortando com dois gumes, tal qual uma gilete. Submete a interrogatórios, manda prender e soltar e indica para denúncias suspeitos e ainda revela-se que, entre estes, há também magistrados. A ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, está ouvindo um a um os suspeitos. Quarenta e quatro deles, que estavam presos, foram soltos pela própria ministra ou por habeas corpus concedidos pelo Supremo.

É inegável que a população, escandalizada ao serem reveladas, por atacado, as maracutaias com o dinheiro público, não vê com bons olhos a soltura de suspeitos antes presos e contra os quais existem até documentação fotográfica e fitas gravadas evidenciando as negociatas. Preferiria que todos ficassem na cadeia. Mas é irrepreensível a atitude da ministra Eliana Calmon, nos casos em que julga que os processos não serão prejudicados se os réus estiverem soltos, ao conceder-lhes o benefício. Não os está inocentando, mas agindo de acordo com suas convicções e dentro da lei.

A magistrada determinou o afastamento de três delegados da Polícia Federal que estariam, supostamente, envolvidos no esquema de fraudes. Ela teve o estafante trabalho de ouvir todos os depoimentos e está se reunindo com o Ministério Público para definir o rumo das investigações. Uns poucos, mas importantes suspeitos, ela manteve presos, dentre eles o dono e uma diretora da construtora Gautama, o topo da pirâmide do ?propinódromo?, posteriormente solto por habeas corpus concedido pelo STF.

Incansável, Eliana Calmon intimou e tomou o depoimento do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau, que deixou o cargo que vinha ocupando no atual governo Lula porque é suspeito de receber propinas. Fez o mesmo com os governadores de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), e do Maranhão, Jackson Lago (PDT).

Magistrados como esta ministra fazem com que a população recupere a confiança no Poder Judiciário, o que é absolutamente necessário para que tenhamos uma verdadeira democracia, que pode viver até sem o Poder Executivo na forma como o temos. É o caso dos regimes parlamentaristas em que há democracia, mas o Executivo é exercido pelo parlamento, através do primeiro-ministro. Ou outros sistemas de governo existentes no mundo, igualmente democráticos, mesmo que monarquias. O que não se conhece é uma democracia sem um Poder Judiciário independente e respeitado. O nosso, para ser respeitado, não só tem procurado afiar a navalha, como também investiga até alguns de seus próprios membros, apontados nas negociatas descobertas pela Polícia Federal.

Embora se compreenda a revolta do vice-presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, ao considerar ?intimidação?, ?tremenda canalhice? e manobra para criar um ?estado policial? o vazamento de informações que trouxeram à baila o seu próprio nome, quando na verdade o suspeito era um homônimo, é de se debitar a intempestiva reação do ministro à indignação momentânea. Ele, quando concedeu habeas corpus a alguns dos suspeitos presos pela Polícia Federal, agiu conforme sua consciência e entendimento jurídico. Certo ou errado, há de ser respeitado. O que vale é que, desta vez, até ministros e governadores estão na berlinda. E isso num Brasil em que até agora só prestavam contas à polícia e à Justiça os pobres, os pés-de-chinelo, aqueles que não têm nem dinheiro nem títulos para se defender.

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