Negros reafirmam discriminação

No Brasil, os negros ainda vivem uma história de racismo, mesmo que tenham um padrão de consumo de classe média. ?Estas pessoas refutam o mito da democracia racial, idéia que defende que o problema não reside na cor do indivíduo, e sim na classe social?, como explica o antropólogo Reinaldo da Silva Soares, que analisou em sua pesquisa de doutorado a relação entre identidade racial, identidade de classe e estilos de vida deste grupo de pessoas. ?Todos os entrevistados fazem questão de afirmar que, mesmo tendo um padrão de consumo de classe média, são discriminados?, afirma o antropólogo.

Soares iniciou seu trabalho entrevistando 24 pessoas ligadas a grupos organizados em torno da questão racial: o Aristocrata, clube criado na década de 60 com o propósito de unir os negros provenientes da classe média rejeitados em clubes como o Pinheiros e o Esperia; e parte da direção da Afrobras, ONG voltada à questão educacional que, em 2004, inaugurou a Faculdade Zumbi dos Palmares, primeira instituição voltada exclusivamente à inclusão dos negros no ensino superior.

Entre as várias constatações de sua pesquisa, o antropólogo destaca que o orgulho destas pessoas em se considerarem negras chega a ser extremo. ?Elas deploram o termo ?pardo? e encaram a opção de se declarar negro ou não como uma questão política. Se você é filho de branco com negro, você é negro e acabou.?

Racismo

O ambiente de trabalho é o terreno onde surge a maior parte das denúncias de racismo na pesquisa. E o fato de estes negros serem de classe média, segundo o antropólogo, os fazem sentir ainda mais a discriminação. ?Ao concorrer pelos mesmos cargos de nível superior e chefia com os brancos, a disputa se torna mais acirrada?, afirma. ?A questão do preconceito transparece ainda mais quando um negro com a mesma ou até maior capacidade perde a vaga para um branco.?

Como define Soares, ?apesar de não freqüentarem escolas de samba, terreiros de candomblé, o Aristocrata Clube ou a Afrobras, o negro em ascensão social assume uma identidade negra, já que ela também se constrói no isolamento de bairros de classe média onde a presença negra é insignificante, nas salas de aula em que todos os colegas são brancos, assim como nos locais de trabalho?.

Apesar deste grupo de pessoas não se considerarem parte da classe média em que os brancos se incluem, eles também se enxergam fora do universo negro da classe trabalhadora. Na explicação de Soares, só o fato de eles terem a possibilidade de bancar atividades como ir ao cinema, teatro ou a clubes – e das quais têm preferência – já os diferencia dos demais negros. ?Mesmo que admirem as manifestações culturais dos negros pobres, eles não se identificam?, afirma.

O pesquisador ressalta o caráter qualitativo, e não quantitativo, desenvolvido em sua pesquisa. ?Mesmo trabalhando com universo restrito de membros de associações específicas, podemos inferir que alguns resultados podem ser estendidos aos negros em ascensão que não estão mobilizados em torno de uma associação, principalmente no que diz respeito à identidade negra?, define Soares.

O estudo apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Negros de classe média em São Paulo: estilo de vida e identidade negra, partiu de uma observação feita por Soares quando pesquisava o cotidiano da escola de samba Vai-Vai para sua dissertação de mestrado. Com um quadro de pessoas de baixa qualificação e remuneração à época de sua fundação (1930), a escola passa atualmente por uma sensível mudança na sua composição socioeconômica: principalmente em sua direção, a Vai-Vai é formada por negros de classe média – pequenos empresários ou profissionais de nível universitário, dentre outros. Este fato estimulou Soares a realizar um estudo sobre os negros em ascensão social.

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