Garcia: países perdem legitimidade com sanções ao Irã

O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República do Brasil, Marco Aurélio Garcia, disse hoje, em Buenos Aires, que os países que aprovaram no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) as sanções ao Irã pagarão um preço moral e de perda de legitimidade pela decisão. Em entrevista à imprensa brasileira na capital argentina, onde participou de um debate acadêmico, Garcia disse que a votação de ontem foi um erro e não representou uma derrota para o Brasil e Turquia, únicos países a votar contra as sanções.

“Não é que o Brasil saiu ganhador moral desta briga, eles saíram perdedores morais. Sem dúvida nenhuma, foi uma derrota moral”, classificou. Na política, continuou ele, existe a questão da legitimidade, que é absolutamente essencial. “Acho que eles (os países) perderam legitimidade. Perderam uma oportunidade de desencadear um processo de negociação e busca de solução”, afirmou. Marco Aurélio disse que para a imagem dos países que impuseram as sanções “é muito ruim”.

Ele recordou que o presidente Barack Obama mencionou inúmeras vezes que uma das coisas importantes para os EUA não é só ter o poderio militar e econômico, mas ter força moral. “Acho que eles perderam força moral neste episódio”, reforçou. O assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva opinou ainda que os membros do Conselho de Segurança da ONU deram “um mau exemplo” de como se enfrenta esse tipo de problema.

Para o assessor, as sanções serão ineficazes para frear o programa nuclear iraniano e vão solidificar mais as forcas políticas no Irã. “Quando há uma pressão de fora, a tendência é um apelo nacional muito forte”, ponderou.

Garcia rejeitou que o resultado da votação tenha sido um fracasso da diplomacia brasileira. “Acho que é um fracasso de quem impôs as sanções, de quem fez a opção de achar que se resolve o problema pela via da força, porque, além de ineficazes, as sanções eliminam a possibilidade de se encontrar uma solução”, argumentou. “Nós não estávamos dizendo que o acordo ia resolver o problema. Era possível que não desse certo, mas também era possível que desse certo. Nós criamos uma coisa que em política internacional é fundamental, que é constituir confiança com um país que estava desacreditado”, justificou, referindo-se ao acordo entre Brasil, Turquia e Irã sobre o urânio enriquecido.

Pressão

Ele também criticou a pressão dos Estados Unidos sobre os membros do Conselho de Segurança para aprovar as sanções. “O Conselho tomou uma decisão errada e o peso dos cinco membros permanentes, inclusive dos EUA, foi decisivo, porque foram os EUA que coordenaram isso e atuaram de forma muito agressiva”, disse ele, recordando que a secretária de Estado, Hillary Clinton, anunciou que iria apresentar as sanções imediatamente no dia seguinte ao anúncio do acordo trilateral.

“Está clara a posição dos Estados Unidos, que querem ter reserva de mercado nas grandes questões mundiais e acham que podem resolvê-las”, acusou. “Isso é próprio do uso do cachimbo que entorta a boca”, continuou ele, explicando que os EUA se acostumaram a exercer fortemente o unilateralismo, tentando resolver todos os assuntos. “Os EUA estão metidos em quantas guerras no momento atual? Duas declaradas: o Iraque, que não terminou ainda, e o Afeganistão, além de várias outras que estão ocorrendo em vários lugares”, criticou.

Garcia disse que o Brasil “não está bravo com os Estados Unidos”, mas reconheceu as divergências com o país e a decepção com Obama. “Nós tínhamos uma expectativa de que haveria uma inflexão no governo Obama e estamos vendo que essa inflexão não está ocorrendo, pelo menos não na velocidade e na consistência que esperávamos”, desabafou. Ele disse ainda que Obama não está observando os preceitos que ele mesmo indicou que adotaria na relação com o mundo árabe.

“O problema é que no passado, na política do ‘sim, senhor’, a gente achava que tudo tinha que ser resolvido em acordo com os Estados Unidos. Agora, os EUA fizeram o que estão acostumados a fazer e, ao meu juízo, vão pagar um preço por isso”, repetiu. “As sanções não vão significar o mesmo para todo mundo e vocês vão ver quando elas forem publicadas. Nós vamos ter uma coisa pior ainda, que é que, a partir dessas sanções multilaterais, às quais o Brasil, evidentemente, vai se submeter, haverá sanções individualizadas que os EUA e a UE vão querer implementar e que vão alterar o quadro”, alertou.

Voltar ao topo