Multas de Trânsito: Ineficácia da autuação através de equipamentos

Apesar de não ser a nossa praia, ao prepararmos recurso em causa própria face lavratura de auto de infração lavrado com base em provas colhidas através de equipamento eletrônico instalado pela Diretran de Curitiba, concluímos – sob nossa ótica -, que todas as multas lançadas até a entrada em vigor da Resolução n.º 141, de 3/10/2002, do Contran, encontram-se contaminadas de vício insanável

Em resumo, temos a seguinte situação legal.

Os equipamentos instalados com o objetivo de aferir o cometimento de infrações de trânsito, encontravam-se regulados pela Deliberação n.º 29, de 19/12/2001, do Contran

Neste particular é oportuno ressaltar que esta modalidade de diploma legal é emitido em caráter excepcional pelo Ministro da Justiça, ficando a validação dos atos nela regulamentados dependentes de referendum do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), a qual ocorre através de Resolução do mesmo órgão.

Ainda quando pendia dita providência, a citada Deliberação teve declarada a sua ineficácia, através da Resolução n.º 131 do Contran.

Em seguida, o Contran reconheceu que esta Resolução (n.º 131) não possuía eficácia em razão da falta de assinatura de alguns de seus membros, assim como irregularidade quanto a sua publicação no Diário Oficial. Portanto, a retirada do mundo jurídico da Deliberação n.º 29 encontrava-se sem sustentação legal, e por isso, permanecia em vigor.

Veio a Resolução n.º 141, que além de não convalidar e/ou referendar todos os atos (procedimentos) praticados segundo os regramentos e durante a vigência da Deliberação n.º 29, acabou ainda revogando-a expressamente.

Considerando que houve a revogação da norma regulamentadora desta modalidade de constatação de infração de trânsito, sem convalidação do atos nela regrados, e não existindo qualquer outro diploma legal tratando desta matéria, todas as infrações de trânsito aplicadas segundo tal Deliberação encontram-se contaminadas de vício insanável, por falta de eficácia jurídica.

De outra feita, deve-se observar que não existe mais possibilidade de outra norma restabelecer a eficácia das autuações lançadas nos termos da indicada Deliberação.

Isto se dá porque tanto a Deliberação n.º 29 quanto a Resolução n.º 141, ambas do Contran, regulam matérias de direito procedimental e de direito material, cuidando-se, portanto, de norma híbrida.

Assim, às matérias afeitas ao direito processual, aplica-se o princípio do tempus regit actum, enquanto nas de direito material incide a regra da irretroatividade da lei mais maléfica.

Considerando que a forma de aplicação da multa é matéria de direito processual, e que a constituição da infração segundo este regramento está relacionada diretamente com o direito material, deve-se considerar que até a entrada em vigor da Resolução n.º 141, restou uma vocatio legis sobre esta matéria.

Feitas estas considerações conclui-se que todas as infrações de trânsito aferidas através de equipamento eletrônico, antes da entrada em vigor da Resolução n.º 141, são insubsistentes, por falta de previsão legal quanto a formalidade para lançamento do auto de infração. Isto é, há vício na lavratura do possível ato infracional.

Trata-se de questão de legalidade ligada diretamente ao momento da elaboração e efetivação dos diplomas, cuja exigência obriga respeitar não somente a forma da sua criação como também aos princípios de direito, que no presente caso destaca-se o da irretroatividade da lei mais maléfica.

Nem se argumente que a pretensão do legislador da Resolução n.º 141 era diversa de ver revogada a Deliberação n.º 29, sem referendar ou convalidar seus atos, porque não é possível admitir-se que o Departamento Nacional de Trânsito (Contran), sob a presidência do Ministro da Justiça, não saiba o que quer legislar. Pensar diferente é admitir o caos jurídico, ensejador de inegável instabilidade em todo ordenamento legal cujas normas tenham origem neste importantíssimo ministério, especialmente face o dever de velar pela legalidade dos atos em geral, nos quais certamente encontram-se aqueles por ele praticados.

Ademais, norma revogada desaparece do mundo jurídico, e uma vez não convalidados ou referendados os atos regulados, não é possível diploma legal posterior, seja qual for a pretensão, dar valia às relações jurídicas ocorridas segundo os termos do diploma legal retirado de vigência.

É bastante provável que os órgãos administrativos responsáveis pelo julgamento dos recursos dificilmente admitirão este vício, até porque acaba prevalecendo, ao que parece existir, o espírito arrecadatório ou o desconhecimento da lei, que infelizmente em muitos casos está impregnado até mesmo junto a estes departamentos, quando simplesmente indeferem recursos sem a necessária fundamentação exigida inclusive pela Constituição Federal.

Tais questões junto ao Poder Judiciário certamente receberão tratamento mais legalista e isentos, valendo, por isso, a pena bater-se às portas deste Areópago para ver reconhecido este direito, quando houver ignorância, abuso, arbitrariedade, etc., por parte dos órgãos responsáveis pelo julgamento dos recursos, independentemente do valor da multa aplicada.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUCPR e especialista em Direito Processual Penal, também pela PUCPR, e autor de diversos artigos e livros, inclusive já na 2.º edição o livro “Tóxicos” – Manual Prático – Respostas às dúvidas surgidas com a Lei n.º 10.409/02.

Voltar ao topo