Mudanças na política para o gás podem desestimular investimentos

São Paulo – A mudança na política da Petrobras para o setor de gás natural – passando de descontos para aumentos de preços – pode desestimular investimentos das indústrias de São Paulo e do Sul do País, que dependem fortemente do gás importado. "O aumento no preço de um produto é um fato corriqueiro, o pior é a instabilidade causada pela falta de planejamento de longo prazo", afirma Pedro Krepel, diretor do Departamento de Infra-estrutura da Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).

Desde 2003 a estatal vinha absorvendo os aumentos do produto boliviano sem repassá-los às distribuidoras como forma de estímulo ao crescimento do mercado, mas a partir de setembro iniciou uma estratégia de aumentos trimestrais com medo da falta do produto nos próximos anos. Com isso, já aplicou dois aumentos neste ano, acumulando 24,3%, e agora comunicou as distribuidoras por meio de carta, que estuda um novo reajuste em janeiro, desta vez de 14,02%.

"O empresário não pode planejar investimentos com esse abrir e fechar a torneira. O governo precisa ter regras claras para o setor de energia com estratégias de longo prazo", diz Krepel. Ele lembra que o empresariado paulista investiu em ativos para migrar para o gás natural em razão dos preços competitivos e agora ficou com a sensação de ter acreditado mais uma vez em uma falácia.

Como desde a implantação do gasoduto Bolívia/Brasil a disponibilidade do gás boliviano excedia a demanda e o contrato com o país vizinho é do tipo take or pay, onde a Petrobras paga pelo produto mesmo sem consumi-lo, o governo teve de incentivar a criação de um mercado, que ficou concentrado no Estado de São Paulo e na região Sul do País.

Com a ameaça de faltar energia elétrica nos próximos anos, o governo passou, então, a contar com as termelétricas, mas não há gás natural suficiente para atender ao mercado e às térmicas ao mesmo tempo. Por isso, os aumentos de preços funcionariam como uma espécie de freio contra o aumento intenso da demanda.

Além das incertezas causadas pela mudança na política do governo, as empresas paulistas ainda terão de administrar a perda de competitividade com suas concorrentes em Estados onde o gás natural é de origem nacional, como o Rio de Janeiro e toda a região Nordeste. "Como os aumentos no gás importado têm sido maiores, muitas vezes atravessar a divisa de um Estado poderá significar reduzir custos", lembra Paulo Ludmer, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace).

Nos cálculos do diretor da Ciesp, a energia representa entre 20% a 35% do custo das indústrias eletrointensivas. "Nestes casos o aumento do gás terá um impacto forte e colocará as empresas paulistas em desvantagem com as de Estados que consomem o gás brasileiro", afirma. Mais de 70% dos 15 milhões de metros cúbicos diários de gás vendidos em São Paulo vêm da Bolívia.

No Sul, a dependência da importação é total. "A única forma de evitar essas disparidades seria o governo investir na malha de gasodutos para ligar o Sul ao resto do País, como fez com na construção de linhões para o transporte de energia elétrica", diz o consultor Cícero Ernesto Leite de Souza, da CELS Consultores Associados e ex-presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).

Enquanto uma solução de longo prazo não vem, a Abegás está negociando com a estatal uma forma de reduzir o efeito dos aumentos neste ano. "Fizemos uma proposta para a Petrobras para atenuar a fórmula utilizada no cálculo dos reajustes, conforme está previsto em contrato, e estamos aguardando uma resposta", conta Romero Oliveira, presidente da Abegás.

A idéia é evitar que os contratos feitos com a Petrobras sejam cumpridos rigorosamente, já que eles estipulam reajustes trimestrais de acordo com a variação de uma cesta de óleos. "Queremos que parte dos repasses só seja feita em 2007, desta forma o impacto em 2006 pode ser menor", explica.

Ele estranhou o fato de a Petrobras ter enviado carta para as distribuidoras sugerindo o reajuste de 14,02%. "Esse percentual reflete os contratos e é indesejável para o mercado", disse, lembrando que esse percentual ainda pode mudar, já que a própria Petrobras declarou estar em fase de estudos.

Antes dos dois aumentos anteriores, de 13% em setembro e 10% em novembro, a Petrobras também havia comunicado às distribuidoras a intenção de praticar reajuste de 27%, mas depois de negociar, dividiu os reajustes em dois e reduziu o percentual para 24,3% no acumulado. Procurada pela reportagem, a Petrobras não se manifestou sobre o assunto.

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