Leite com uísque

Este País, de fato, é assim: o prefeito joga a culpa no governador, que joga a culpa no presidente, que joga a culpa no Fundo Monetário Internacional, que joga a culpa no mapa e que volta para o povo… Sabedoria de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente, que não quer saber de choradeira nesta etapa da reforma tributária. Quem estiver descontente, que se organize e reivindique e esperneie. O Senado Federal, com quem está a bola agora, pode fazer todas as correções necessárias. Depende dele e, logicamente, dos acertos já realizados com os senadores. “Cada um de nós – arremata o presidente – tem que assumir sua responsabilidade.” A responsabilidade dos contribuintes, normalmente, é aquela de pagar sem tossir nem mugir…

No mesmo dia, Lula garantiu outra vez que não haverá aumento da carga tributária. Seria, como disse, “uma insanidade”. Na opinião do ex-sindicalista, o que precisa é desonerar os produtos da cesta básica. E outra vez sentenciou com sabedoria: neste país das insanidades, “às vezes, o leite é tratado como uísque”. E aduziu nada ter, particularmente, contra o uísque, “desde que bebido moderadamente” – brincou. Não disse mas, seguramente, pensou: o esforço do povo para garantir o leite das crianças teria que ser sempre menor que aquele empregado para configurar o porre dos que trazem a carteira recheada.

Leite e uísque. Bela comparação. Assim como remédio e droga, feijão e sobremesa ou salário mínimo contra o teto dos condestáveis da República. Lula quer garantir o essencial para depois pensar no dispensável. Incentiva assim que cada um pense um pouco mais no social. Não é por outra que seu ministro da Reforma Agrária quer mais dinheiro para assentamentos e desapropriações; que seu ministro dos Transportes, sem muita chance de ficar no cargo, quer mais recursos para consertar estradas que são nossa vergonha. Seu ministro da Agricultura quer aumentar o financiamento agrícola, âncora ainda do real de exportação e financiador do Fome Zero que dá o peixe mas não ensina a pescar. Seu ministro da Educação, Cristovam Buarque, continua achando que é “terrorismo” da melhor espécie não investir todos os recursos possíveis na educação.

A União, assim como os estados e municípios brigam até onde podem por mais recursos. Mas, segundo Lula, a garantia de que não haverá aumento da carga tributária são os governadores – exatamente os que mais brigam para evitar perdas inevitáveis. “Os governadores não concordariam com aumento da carga tributária porque querem que mais empresas venham para seus estados”, vaticinava no Rio de Janeiro o presidente enquanto seu ministro da Casa Civil, José Dirceu, confessava em São Paulo que se alguém precisa ser ressarcido pelas concessões que fez, esta é a União. Prefeitos menores, de pires na mão com o corte de parcelas do Fundão, receberam a resposta que não queriam, semana passada em Brasília: se não dá ou estão descontentes, devolvam os municípios para a origem…

No leite com uísque de Lula, o efeito dominó pode chegar à Coroa Portuguesa. Há municípios cuja dívida é crônica, assim como estados e a própria União. Mas aguardemos para ver se o Planalto topa, de verdade, a recomendada pressão dos descontentes sobre o Senado, livre e soberano para fazer o que bem entender com a reforma dos tributos. Empresários de todo o País, por exemplo, estão decididos a colocar um xeque-mate na Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – a CPMF, que já escapou de ser transformada em permanente. Querem que ela seja reduzida gradativamente, até chegar no 0,01%. Afinal, se é para funcionar apenas como fiscal de outros tributos, não precisa ser mais que isso.

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