Redação

Lei que trata de reserva florestal é questionada no STF

A partir de representação feita pelo Ministério Público do Paraná, a Procuradoria-Geral da República protocolou no último dia 8, perante o Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade questionando dispositivos do Código Florestal (Lei 4.771/65), com a redação dada pela Lei 11.428/2006. Com pedido de liminar, a ADI 4367, assinada pela procuradora-geral da República em exercício, Sandra Cureau, trata do parágrafo 6.º do artigo 44 do Código, que desobriga os proprietários rurais a manter em suas propriedades reservas florestais legais, mediante aquisição e doação de área de terra localizada em unidade de conservação de proteção integral, ainda pendente de regularização fundiária.

Em cada estado, legislação específica prevê a percentagem da propriedade rural cuja área florestal deve ser preservada ou recomposta. No Paraná, o percentual é de 20%. Com a redação dada ao Código Florestal a partir da Lei 11.428/2006, no entanto, o dono de uma fazenda, por exemplo, que pagar por uma área de unidade de conservação de proteção integral já constituída, cuja desapropriação ainda esteja pendente de regularização, doando-a à autoridade gestora, estaria livre de recompor ou de manter em sua propriedade original a área de reserva legal.

A propositura da ação é resultado de uma representação feita pelo Ministério Público do Paraná, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, em julho do ano passado, a partir de um estudo feito pelos promotores de Justiça Alexandre Gaio e Ana Paula Pina Gaio. O trabalho foi publicado em 2008, na Revista Brasileira de Direito Ambiental (n.º 16, ano 4, out/dez. 2008. Editora Fiúza. p. 213-245 – veja a versão resumida do artigo no site: www.parana-online.com.br e encaminhado à PGJ pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente.

“Com a representação encaminhada, o MP-PR cumpre com sua função institucional de estar atento à preservação do nosso meio ambiente, especialmente no que tange aos ecossistemas”, afirma o procurador-geral de Justiça do Paraná Olympio de Sá Sotto Maior Neto.

Argumentação – Na ação, o MPF sustenta que a nova redação dada ao Código Florestal a partir da Lei 11.428/2006 contraria a Constituição Federal (artigo 225, parágrafo 1.º, incisos I, II, III e VII e artigo 186, caput e inciso II). Estes dispositivos constitucionais determinam ao Poder Público o dever de garantir a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, prescrevendo algumas obrigações para preservar a biodiversidade, e consideram como requisitos da função social da propriedade a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.

Com a lei de 2006, a desobrigação de manter as reservas legais tornou-se perpétua, mas medida provisória de 2001 (MP 2.166-67) já havia criado a possibilidade de o proprietário rural ser desonerado, pelo período de 30 anos, da obrigação de recompor, regenerar ou compensar a reserva legal, mediante a doação ao órgão ambiental de área localizada no interior de Parque Nacional ou Estadual, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva Biológica ou Estação Ecológica pendente de regularização fundiária, respeitados critérios para compensação. Na ADI proposta neste dia 8, a procuradora-geral da República em exercício também requer a inconstitucionalidade desta previsão normativa.

Para o promotor de Justiça Alexandre Gaio, o Código Florestal, neste novo dispositivo legal trazido com a Lei 11.428/2006, priorizou as unidades de conservação em detrimento das áreas de reserva florestal legal, sendo que ambas são consideradas espaços territoriais especialmente protegidos, pela Constituição Federal. “Prioriza-se um espaço de preservação, extirpando-se outro”, avalia. “As reservas florestais legais possuem a função de garantir o mínimo de biodiversidade e de sustentabilidade ambiental nas propriedades rurais, e não é compreensível que se queira aniquilá-las para compensar a ineficiência do Poder Público quanto à necessária regularização fundiária das unidades de conservação”, diz. “O referido dispositivo legal permite que os proprietários rurais literalmente paguem para obter a desoneração perpétua da obrigação de existência e manutenção da reserva florestal legal em seus imóveis”. O promotor lembra que essa possibilidade já vem trazendo significativo prejuízo ao meio ambiente no Brasil e no Estado: “É o que tem acontecido no Parque Nacional da Ilha Grande, na região de Oeste do Paraná, próximo a Guaíra e Altônia, por exemplo. A preocupante tendência é que o Brasil seja conduzido para a manutenção tão-somente de ilhas de proteção ambiental (unidades de conservação) em meio a uma imensidão de campos desmatados, o que significa verdadeiro retrocesso na proteção ao meio ambiente”.

A compensação da reserva legal por meio da doação de área de unidade de conservação de domínio público pendente de regularização fundiária ao órgão público ambiental competente: a inconstitucionalidade do § 6.º, do artigo 44, do Código Florestal

Alexandre Gaio[1]

Ana Paula Pina Gaio[2]

1. Introdução

O artigo 44, § 6.º, do Código Florestal, com redação dada pela Lei n.º 11.428, de 22.12.2006 estabeleceu uma nova modalidade de compensação de reserva legal ao proprietário rural, consistente na doação de área de unidade de conservação de domínio público pendente de regularização fundiária ao órgão público ambiental competente, para que se torne desonerado perpetuamente do cumprimento da obrigação de existência de reserva legal em seu imóvel.

O presente estudo aborda a criação, as finalidades e os contornos básicos da reserva legal e sua condição de espaço territorial especialmente protegido, bem como a sua íntima conexão com o princípio constitucional da função social da propriedade. Nesse passo, esclarece-se que a reserva florestal legal foi criada pelo Poder Público para garantir o mínimo de sustentabilidade ambiental de uma propriedade rural, sem a qual esta não cumpriria a sua imprescindível função social.

Em seguida, passa-se à análise das unidades de conservação, igualmente consideradas como espécie do gênero espaços territoriais especialmente protegidos, e da Lei n.º 9985/2000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), ingressando-se na seara da problemática da regularização fundiária nas unidades de conservação de proteção integral e do dever de indenização do poder público em respeito ao direito fundamental da propriedade, não obstante a primazia constitucional da proteção ambiental. Paralelamente, expõe-se a ineficiência do poder público que, mesmo possuindo diversos instrumentos legais, não concretiza a referida regularização fundiária e objetiva transferir essa responsabilidade a terceiros, à custa do aniquilamento de outro espaço territorial especialmente protegido.

Em continuação, busca-se explicitar as modalidades de compensação da reserva legal previstas no Código Florestal (Lei n.º 4771/65), com especial enfoque à doação de área de unidade de conservação de domínio público pendente de regularização fundiária ao órgão público ambiental competente e a sua flagrante inconstitucionalidade. Demonstra-se que, por essa modalidade de compensação da reserva legal, o proprietário rural literalmente paga para obter desoneração perpétua da obrigação de existência e manutenção da reserva legal em seu imóvel e que, diante dessa facilidade, o cenário que surge é de aniquilamento das áreas de reserva legal da maioria dos imóveis rurais brasileiros.

Por fim, o presente estudo se propôs a confrontar a citada alteração legislativa com o direito fundamental do meio ambiente, apontando-se a inconstitucionalidade do dispositivo legal que permite a exclusão de um espaço territorial especialmente protegido para suprir a ineficiência do poder público na regularização fundiária das unidades de conservação de proteção integral, sob as perspectivas dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição do retrocesso do direito ambiental, ressaltando-se que a Constituição Federal estabelece um conteúdo mínimo intocável de proteção ambiental.

2. Das áreas de reserva florestal legal e das unidades de conservação integral: espaços territoriais especialmente protegidos

A Constituição Federal de 1988 não somente consagrou como direito social fundamental de terceira geração o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como também, visando à sua efetividade, e de acordo com um modelo de Estado social, atribuiu diversas obrigações positivas ao Poder Público, tais como a criação e conservação de espaços territoriais especialmente protegidos (artigo 225, §1.º, inciso III, da Constituição Federal)[3], com alteração e supressão permitidas somente através de lei e sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Neste diapasão, a noção constitucional de espaços territoriais protegidos abrange não somente as unidades de conservação, mas também as áreas de reserva florestal legal[4], já que estabeleceu ao Poder Público, no artigo 225 da Constituição Federal, a incumbência de defender e preservar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e proteger a fauna e a flora.

A reserva florestal legal foi criada pelo Código Florestal (artigo 16 da Lei Federal n.º 4.771/65) e consiste na fixação de um porcentual mínimo da área total de toda a propriedade rural[5] com cobertura florestal, sujeito à exploração apenas por meio da técnica de manejo sustentável, variando de acordo com a sua localização no território brasileiro (de vinte por cento, no caso do sul, leste meridional e parte sul do centro-oeste a oitenta por cento, no caso da Amazônia legal)[6], com o intuito de assegurar a preservação de um mínimo existencial de equilíbrio ecológico e de biodiversidade no território nacional e de um mínimo de sustentabilidade ambiental em cada propriedade rural, de acordo com a sua função social (artigos 170, inciso VI, e 186, incisos I e II[7], da Constituição Federal). Consoante a doutrina abalizada de Antônio Herman V. Benjamin, a reserva legal “encontra, de um lado, como fundamento constitucional, a função sócio-ambiental da propriedade, e do outro, como motor subjetivo preponderante, as gerações futuras; no plano ecológico (sua razão material), justifica-se pela proteção da biodiversidade (…)”[8] e, pois, como novamente destaca Benjamin “se não preservado esse mínimo ambiental constitucional, não confere ao administrado os benefícios da segurança decorrentes do ajustamento perfeito ao ordenamento maior, já que, por vício insanável, refuta o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”[9]

As unidades de conservação de proteção integral, por sua vez, previstas na Lei n.º 9985/2000, consistem em espaços territoriais criados pelo Poder Público com o objetivo de conservação diversidade biológica[10] e de ecossistemas que possuem características naturais relevantes, tais como para a proteção de paisagens de notável beleza cênica e de proteção de espécies ameaçadas de extinção.

A criação de uma unidade de conservação de proteção integral, que prevê a manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, acarreta a perda da propriedade pelo particular, o qual, ante essa expropriação, deve ser indenizado pelo Poder Público já que, na hipótese, o que ocorre é uma verdadeira desapropriação indireta. No entanto, apesar de existência de diversos instrumentos legais em nosso ordenamento jurídico para a concretização da regularização fundiária das unidades de conservação de proteção integral, o Poder Público vem se omitindo no cumprimento de seu dever, dentro do modelo de Estado Social, e busca, por meio de um novo dispositivo legal (§ 6.º, do artigo 44, da Lei Federal n.º 4.771/65[11]), com redação dada pela Lei n.º 11.428, de 22/12/2006, transferir a sua obrigação aos particulares (proprietários rurais) e compensar a sua omissão à custa do aniquilamento de outro espaço territorial especialmente protegido (reservas florestais legais), em flagrante lesão aos artigos 1.º, III, 5º, caput, 6.º, caput, 186, I e II, e 225, caput e § 1.º, I, II, III e VII, todos da Carta Magna.

Infere-se que o § 6.º, do artigo 44, do Código Florestal, veio tentar suprir a incompetência da União Federal de efetivar a expropriação com as devidas indenizações aos proprietários de tais áreas, mas não trouxe isenções e/ou incentivos que acarretassem resultados meramente econômicos, seja para os proprietários, seja para o Poder Publico, e sim permitiu a barganha de um espaço territorial especialmente protegido por outro, olvidando-se que a garantia do direito fundamental que ora se cuida depende da existência de ambos.

A Lei n.º 9.985/2000 – que instituiu o sistema nacional de proteção de unidades de conservação da natureza – SNUC, no seu artigo 36, determinou que aquele que desenvolve empreendimentos de grande impacto ambiental deverá compensar o meio ambiente, destinando recursos à implantação e manutenção de unidades de conservação de proteção integral. O total destes recursos a serem destinados pelo empreendedor, na forma do § 1.º do mesmo dispositivo legal, não poderia ser inferior a meio por cento do valor total do empreendimento.[12] O artigo 36 da Lei n.º 9.985/2000 foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional da Indústria, a qual foi julgada parcialmente procedente, sendo que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do sistema de compensação instituído pela referida legislação, de acordo com o princípio do poluidor-pagador, e declarou a inconstitucionalidade apenas do percentual mínimo de meio por cento do valor total do empreendimento. Desta forma, a Suprema Corte entendeu que a compensação ambiental estipulada na Lei n.º 9985/2000 é o instrumento adequado à defesa e à preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. [13]

Veja-se que a compensação ambiental em questão deriva do princípio do poluidor-pagador, ou seja, aquele que instalará o empreendimento e, com isso, degradará de alguma forma o meio ambiente, deverá destinar recursos para a implementação e apoio das unidades de conservação de proteção integral. Portanto, esta possibilidade de compensação foi inserida na legislação em perfeita consonância com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, contanto que utilizou como norte o princípio do poluidor-pagador. Os recursos advindos desta modalidade de compensação servirão justamente, e primeiramente, à regularização fundiária das áreas das unidades de conservação. Merece atenção esta previsão legal e especialmente a declaração de constitucionalidade desta opção, especialmente para se infirmar eventual alegação de que a modalidade de compensação inconstitucional, objeto do presente estudo, seria a única possibilidade existente para a efetivação das unidades de conservação. [14]

Ademais, para a efetivação das unidades de conservação de proteção integral, especialmente no que concerne à regularização fundiária, ainda podem ser utilizados outros instrumentos legais que não contrariam o direito fundamental ao meio ambiente, tais como a destinação de verbas que integram os fundos federais, estaduais e municipais do meio ambiente e de interesses difusos, bem como de verbas oriundas de composições celebradas em termos de ajustamento de conduta, termos de acordo em ações civis públicas, transações penais e suspensões condicionais do processo.

3. Da compensação da reserva florestal por meio da doação de área de unidade de conservação de proteção integral para fins de regularização fundiária e suas conseqüências

Os incisos I, II e III do artigo 44 e os artigos 44-A e 44-B, da Lei n.º 4771/65, estabelecem alternativas de efetivo cumprimento da obrigação de manter e conservar a reserva florestal legal (recomposição florestal, regeneração natural) ou de sua compensação (arrendamento e cota de reserva florestal/servidão florestal), ressaltando-se que, na modalidade de compensação, a reserva florestal legal não deixa existir, mas tão-somente é transferida a outro imóvel que já possua uma área preservada maior do que o Código Florestal obriga, por meio dos instrumentos do arrendamento ou cotas de reserva florestal. Em outras palavras, nestas modalidades de compensação, a reserva legal, enquanto espécie de espaço territorialmente protegido, não é excluída ou substituída por outra espécie de espaço territorial, ou seja, não se dispensa o fiel cumprimento da função socioambiental da propriedade rural.

Por outro lado, o dispositivo legal questionado (§ 6.º, do artigo 44, do Código Florestal) prevê a compensação de reserva legal consubstanciada na doação de área de unidade de conservação de domínio público pendente de regularização fundiária ao órgão público ambiental competente, implicando na desoneração perpétua do proprietário rural de cumprimento da obrigação legal de existência de reserva legal em sua propriedade, ou seja, basta ao proprietário rural, para se eximir integralmente da obrigação legal de manter em sua propriedade a área de reserva legal, promover a doação, ao órgão público ambiental, de uma área situada no interior de uma unidade de conservação de domínio público, equivalente em extensão e importância ecológica à área de reserva legal de sua propriedade, e desde que esta se situe na mesma bacia hidrográfica e mesmo Estado da Federação que a aludida unidade de conservação. Convém frisar que a desoneração do proprietário rural de manter a reserva legal em sua propriedade se dá de modo perpétuo, ou seja, a sua propriedade nunca mais conterá área de reserva legal e, portanto, nunca mais cumprirá a sua função social e o objetivo de preservar o mínimo de biodiversidade no território nacional.

Nesse ínterim, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), por meio de sua superintendência no Estado do Paraná, já confeccionou edital com a previsão de exonerar perpetuamente o proprietário rural da área de reserva legal.

Em outras palavras, essa nova modalidade de compensação da reserva florestal legal permite a todos os proprietários de imóveis rurais que não mantenham qualquer cobertura florestal ou acabem de desmatar o mínimo de cobertura florestal ainda existente para a posterior regularização, já que lhes basta pagar determinada quantia pecuniária, consubstanciada na doação ao órgão público ambiental de área integrante de unidade de conservação de proteção integral, para se tornarem perpetuamente desonerados da obrigação de manter a reserva florestal legal e, assim, promoverem a exploração da integralidade das áreas dos seus imóveis, com o intuito de extrair deles o maior lucro possível. Desta forma, o panorama vislumbrado com a aplicação do § 6.º, do artigo 44, do Código Florestal, é de progressiva e inevitável extinção da reserva florestal legal das propriedades rurais brasileiras, o que importa na promoção de impactos ambientais incomensuráveis, impensáveis e nunca antes vistos em nosso território, pois, como já apontado, a reserva florestal legal deve ocupar oitenta por cento das áreas rurais da Amazônia Legal, trinta e cinco por cento das áreas rurais do Cerrado localizado na Amazônia legal e vinte por cento das demais áreas rurais do país.

4. Da inconstitucionalidade material do § 6.º, do artigo 44, do Código Florestal

É cediço que o artigo 5.º da Constituição Federal não é exaustivo e que outros direitos fundamentais estão previstos expressamente na Carta Magna, entretanto, em artigos outros, como no caso, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é um direito formalmente e materialmente fundamental. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é materialmente fundamental, já que é uma extensão do direito à vida, conferido a todos os seres humanos e cuja proteção é determinada como dever a toda a sociedade e ao Poder Público e, por óbvio que a ele se estende todas as prerrogativas inerentes a esta fundamentalidade, especialmente a sua aplicabilidade imediata e sua imodificabilidade até mesmo por Emenda Constitucional, já que é cláusula pétrea nos termos do artigo 60, § 4.º, da Constituição Federal.
O conceito de direito fundamental há muito se distanciou daquele conceito tradicional no qual o Estado tinha somente obrigações negativas, de abstenção frente às liberdades individuais, sendo que, hodiernamente, até mais freqüente do que a figura da abstenção, verifica-se a imposição de obrigações positivas ao Poder Público para a implementação destes direitos. Consoante a lição de Gilmar Ferreira Mendes:

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.[15]

Há que se ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, já no ano de 1995, proferiu duas decisões reconhecendo a fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ambas relatadas pelo Ministro Celso de Mello, sendo que, na segunda delas – MS n.º 22.164-0/SP -, foi este consagrado como direito de terceira geração, de titularidade difusa e expressão do princípio da solidariedade.[16]

O meio ambiente ecologicamente equilibrado tem como característica essencial a subsistência por si só de todos os recursos naturais, de forma a garantir às presentes e futuras gerações uma sadia qualidade de vida. A própria Constituição Federal traçou um conteúdo mínimo necessário à efetividade desse direito e incumbiu ao Poder Público, dentre as suas obrigações positivas necessárias à efetividade deste direito, o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, de prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País, de proteger a fauna e a flora e de criar espaços territoriais especialmente protegidos, nos quais é vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificaram sua especial proteção (artigo 225, § 1.º). Neste intento, o respeito aos espaços territoriais especialmente protegidos, dentre outros, a reserva florestal legal e as unidades de conservação de proteção integral, é indispensável à efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Aqui, cumpre grifar que todos os comandos constitucionais destinados a este objetivo final, o de efetivar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, compõem o direito fundamental ora em comento. Assim, não é possível fragmentar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, defendendo-o efetivo em parte (regularização fundiária das unidades de conservação de proteção integral), diante do cumprimento de alguns comandos constitucionais, embora se perpetuem graves infrações a outros comandos de importância equivalente (supressão da reserva florestal legal).

O § 6.º, do artigo 44, da Lei n.º 4771/65 é materialmente inconstitucional, pois fere o conteúdo mínimo de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não somente ao permitir o comprometimento dos atributos que justificaram sua criação e a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e da biodiversidade e patrimônio genético, mas ao comprometer, de modo irreversível, a finalidade das normas constitucionais estampadas nos artigos 1.º, III, 5.º, caput, 6.º, caput, 186, I e II, e 225, caput e § 1.º, I, II, III e VII da Carta Maior.

Nesse passo, o legislador infraconstitucional, em sua função legiferante quanto ao direito fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado e aos demais comandos constitucionais, deve optar por escolher um meio idôneo à máxima realização de proteção requerida pela norma, ou seja, não pode criar lei que contrarie o dever de proteção do conteúdo mínimo de tutela ambiental ou que implique no retrocesso das políticas públicas ambientais, sob pena de inconstitucionalidade. Ao legislador, na tarefa de interpretação e aplicação do direito fundamental ao meio ambiente, aplica-se o dever de ponderação com o princípio da proporcionalidade.[17]

E uma vez que aqueles direitos fundamentais que obtiveram amparo constitucional e concretização legal assumem a garantia de existência de conteúdo mínimo de respeito a esses direitos, se os legisladores entendem que não há como avançarem ainda mais, por outro lado não podem retroceder.[18]

Canotilho expõe a aplicação do princípio da proibição da reversibilidade ou do retrocesso do direito fundamental ao meio ambiente, afirmando que “a liberdade de conformação política do legislador no âmbito das políticas ambientais tem menos folga no que respeita à reversibilidade político-jurídica da proteção ambiental, sendo-lhe vedado adoptar novas políticas que se traduzam em retrocesso retroactivo de posições jurídico-ambientais fortemente enraizadas na cultura dos povos e na consciência jurídica geral.”[19] Na mesma toada, Carlos Alberto Molinaro aborda o caráter de cláusula pétrea do direito fundamental ao meio ambiente, invocando proteção contra o próprio poder constituinte reformador, e a limitação da autonomia dos legisladores quanto à alteração e extinção de normas de concretização de direitos fundamentais.[20] Nas palavras de Molinaro, “o princípio de proibição da retrogradação socioambiental, como afirmamos, embora restrinja a “afetação” da liberdade parlamentar, praticada nos limites do “mínimo”, remanescendo-lhe o excedente, no entanto, agora veda-lhe o poder de desconstituição, mesmo do excedente, desde que já consolidado.” [21]
A abertura de possibilidade a todos os proprietários rurais de se desonerarem perpetuamente da obrigação de manterem área de reserva legal em seus imóveis por meio de uma simples doação de área de unidade de conservação integral para regularização fundiária, somado à notória ineficiência do Poder Público quanto aos processos de regularização fundiária, implicará na crescente abolição da reserva florestal legal, o que implica em evidente atentado ao direito fundamental ao meio ambiente, em retrocesso ambiental e em inconstitucionalidade.

Adicionando-se a isso, a efetivação da citada modalidade de compensação da reserva legal importa em verdadeira aquisição do direito de desrespeitar o direito fundamental do meio ambiente, já que basta ao proprietário rural dispensar de determinada quantia de dinheiro para apagar perpetuamente a existência da reserva florestal legal em seu imóvel. Sublinhe-se que, no Estado do Mato Grosso, já se reconheceu incidentalmente a inconstitucionalidade da compensação da reserva legal sob a modalidade da doação de áreas situadas em unidades de conservação, bem como a impossibilidade de se abrir mão da reserva legal em prol da regularização fundiária daquelas. A primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, no julgamento do agravo de instrumento n.º 81.181, em 19/3/2007, decidiu que a lei estadual que admitia compensação em dinheiro de déficit de reserva legal contrariava a Constituição Federal, pois que lesaria os princípios de direito ambiental e acarretaria prejuízos imensuráveis ao meio ambiente. Ressalta-se o voto do Desembargador do referido Tribunal, Jones Gattas Dias, o qual se reportando, in totum, à decisão judicial de 1.ª instância foi categórico em afirmar que:

Não bastasse, verifica-se que a norma estadual vai de encontro com o disposto no art. 225, § 1.º, I, da Constituição da República, que impõe ao Poder Público a preservação e restauração dos processos ecológicos e que proveja o manejo ecológico do ecossistema. Não há, nem de longe, no sistema jurídico brasileiro, a previsão de “negociação” do meio ambiente, pela barganha em dinheiro, mesmo porque esta conduta fere de morte os princípios norteadores da proteção ambiental.[22]

Por sua vez, a quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, no julgamento do agravo de instrumento n.º 85.644/2006, em 23/4/2007, cujo relator foi o Desembargador Márcio Vidal, proferiu decisão neste mesmo sentido, sendo relevante pontuar a seguinte argumentação:

“Além de ser inconstitucional, essa norma que o Ministério Público tenta obstar a sua aplicação, é nefasta no ponto de vista ambiental, haja vista que permita que as pessoas paguem pelo prejuízo ambiental. na prática poderá ocorrer que grandes espaços territoriais fiquem sem reserva legal, pois os proprietários passam, simplesmente, a pagar aos cofres públicos o prejuízo ambiental causado. O estado argumenta, ainda, que esse dinheiro seria usado, conforme legislação, para a criação de novas unidades de conservação. Assim, abre-se mão de grandes espaços protegidos para acertar a questão fundiária de outras unidades de conservação, quando na verdade o Estado deveria destinar dinheiro próprio para a regularização fundiária, permanecendo as áreas de reservas legal. (…)” [23]

Outrossim, o § 6.º do artigo 44 da Lei n.º 4.771/65 também é inconstitucional porque afronta o principio da igualdade, direito fundamental previsto expressamente no artigo 5.º da Constituição Federal, o qual impede que se confira tratamento desigual às pessoas iguais, e tratamento igual às pessoas desiguais.

Primeiramente, há uma discriminação quando se determina que somente aqueles agricultores que possuam áreas nas quais se imponha o dever de constituir a reserva florestal legal é que poderão efetuar a aludida compensação, entretanto, tal discriminação seria lícita, já que conferiria às pessoas com idênticas condições, direitos iguais. De fato, o elemento discriminador – agricultores que tenham por obrigação a constituição da reserva legal – seria válido diante da finalidade da norma e das circunstâncias que a circundam. No entanto, o Estado social, inaugurado pela Constituição Federal, impõe a necessidade de que a exegese do conteúdo do princípio da igualdade seja realizada também sob uma ótica material, e aqui cabe a conclusão de que a sua observância depende não somente da justificação fática e jurídica do elemento discriminador erigido pelo legislador, como também, e principalmente, da verificação da igualdade de oportunidades conferida aos titulares do direito proclamado pela norma. Desta forma, diante da exigibilidade da interpretação do principio da igualdade, nos seus aspectos formais e materiais, especificamente da igualdade de oportunidades que deve ser conferida pela norma, é que se pode afirmar ser este um verdadeiro princípio de justiça social.

Nas hipóteses de compensação da reserva legal mediante a doação ao poder público de áreas situadas em unidades de conservação de proteção integral, o legislador atendeu ao principio da igualdade no seu aspecto formal, contudo olvidou o principio da igualdade considerado em seu aspecto material. Veja-se que a igualdade de oportunidades, representativa da justiça social que encerra o princípio da igualdade, é apenas fictícia, já que as áreas situadas em unidades de conservação que podem ser doadas são, em regra, adquiridas onerosamente por proprietários rurais que possuem a obrigação de constituir reserva florestal legal e são, posteriormente, doadas ao órgão ambiental competente.

Por óbvio que pequenos proprietários rurais não possuem, na maioria das vezes, recursos financeiros para adquirir os hectares necessários à compensação de sua reserva florestal legal, e por isso mantêm a obrigação de sua constituição. E tal ocorre em razão de que não lhes foram conferidas as mesmas oportunidades que os foram aos grandes proprietários rurais, embora formalmente a lei o tenha feito. Esta opção legislativa atende, na verdade, aos interesses dos grandes proprietários, grandes latifúndios, diretamente responsáveis pela desigual distribuição de renda no País e aos do Poder Público, já que os primeiros assumem a responsabilidade que seria deste último e se beneficiam sobremodo com isso.

Ressalta-se que toda esta argumentação independe da inconstitucionalidade material da norma permissiva outrora apontada, sendo que a afronta ao principio da igualdade é mais um vício material de inconstitucionalidade que recai sobre a mesma opção legislativa.

5. Conclusões articuladas

Ao contrário das modalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo 44, e nos artigos 44-A e 44-B, da Lei n.º 4771/65, de efetivo cumprimento da obrigação de manter e conservar a reserva florestal legal, o dispositivo legal em referência (§ 6.º, do artigo 44) viola frontalmente o disposto nos artigos 1.º, III, 5.º, caput, 6.º, caput, 186, I e II, e 225, caput e § 1.º, I, II, III e VII, da Constituição Federal, já que:

a) permite a supressão da reserva legal florestal de todos os imóveis rurais, não obstante a reserva legal florestal tenha sido criada pelo Poder Público na condição de espaço territorial especialmente protegido sob amparo da Carta Magna com a vedação de supressão ou qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (artigo 225, § 1.º, III, da Constituição Federal);

b) permite a supressão da reserva legal florestal, embora esta possua a função de garantir o mínimo de sustentabilidade ambiental das propriedades rurais, sem a qual estas não cumpririam a sua imprescindível função social (artigo 186, I e II, da Constituição Federal);

c) permite a supressão da reserva legal florestal, que objetiva a proteção ao mínimo de biodiversidade no território nacional, ao passo que o legislador constituinte incumbiu justamente ao Poder Público o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, de prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e de proteger a fauna e a flora (artigo 225, § 1.º, I, II e VII, da Constituição Federal);

d) as reservas florestais legais, ao lado das unidades de conservação de proteção integral, compõem um conteúdo mínimo de preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado imprescindível às presentes e futuras gerações, e a supressão de qualquer delas, além de fragmentar indevidamente o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ignora o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à vida e à saúde (artigos 1.º, III, 5.º, caput, 6.º, caput, e 225, caput, da Constituição Federal);

e) na medida em que o poder público delineou o conteúdo mínimo de proteção ambiental, exigindo-se como um dos seus pressupostos o respeito aos espaços territoriais especialmente protegidos, inclusive à reserva legal, não pode, ainda que por outra espécie legislativa, dele dispor, sob pena de agredir o princípio da proibição do retrocesso do direito fundamental ao meio ambiente no Brasil, pois é dever do Poder Público direcionar todas suas políticas públicas ambientais à realização progressiva e gradual desse direito e nunca à sua regressão e retrocesso;

f) a ineficiência do Poder Público quanto à necessária regularização fundiária de um espaço territorial especialmente protegido (unidades de conservação de proteção integral) não pode ser compensada pelo aniquilamento de outro espaço territorial especialmente protegido (reservas florestais legais), até mesmo porque o nosso ordenamento jurídico contém diversos instrumentos legais para a resolução do problema da regularização fundiária, especialmente aqueles previstos na Lei n.º 9.985/2000 (artigo 36) e no Decreto n.º 4.340/2002 (artigo 33);

g) permite que os proprietários rurais literalmente paguem para obter a desoneração perpétua da obrigação de existência e manutenção da reserva florestal legal em seus imóveis, como se fosse possível mercadejar obrigações que integram o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;

h) permite que praticamente a integralidade da extensão de todas as propriedades rurais do território nacional (inclusive da Amazônia) se submeta à exploração econômica, conduzindo o Brasil para a manutenção tão-somente de ilhas de proteção ambiental (unidades de conservação) em meio a uma imensidão de campos desmatados, o que importa na promoção de impactos ambientais incomensuráveis, impensáveis e nunca antes vistos e na destruição da absoluta maioria de nossos ecossistemas, biodiversidade e patrimônio genético;

i) afronta o princípio constitucional da igualdade no seu aspecto material, já que confere tratamento igual aos desiguais, ou seja, privilegia os proprietários rurais que possuem condições financeiras de adquirir uma determinada área situada em unidade de conservação para doá-la ao órgão ambiental, em detrimento dos pequenos proprietários rurais, que permanecem com a obrigação de manter a reserva legal em virtude da ausência da mesma condição financeira daqueles (artigo 5.º, caput, da Constituição Federal);

6. Referências bibliográficas

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SANTILLI, Juliana – A Lei 9985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservação da natureza (SNUC): uma abordagem socioambiental. Revista de Direito ambiental. n.º 40. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 78-123.
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Notas:

[1] Especialista em Direito Público pela UFPR. Promotor de Justiça no Estado do Paraná.
[2] Especialista em Direito Público pela UFPR e em Direito Penal nas Faculdades Curitiba, Promotora de Justiça no Estado do Paraná.
[3] Na definição de José Afonso da Silva, espaços territoriais especialmente protegidos são: “áreas geográficas públicas ou privadas (porção de território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção do processo evolutivo das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais.” (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994)
[4] SANTILLI, Juliana – A Lei 9985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservação da natureza (SNUC): uma abordagem socioambiental. Revista de Direito ambiental. n.º 40. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 83.
[5] Nesse passo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem pacificado que a obrigação legal dos proprietários ou possuidores de imóveis rurais em preservarem a reserva florestal legal é entendida como propter rem e endereçada a todos os membros da comunidade: “(…) O novo adquirente do imóvel é parte legítima para figurar no pólo passivo de ação por dano ambiental que visa o reflorestamento de área destinada à preservação ambiental. Não importa que o novo adquirente não tenha sido o responsável pelo desmatamento da propriedade. “Não há como se eximir a adquirente desta obrigação legal, indistintamente endereçada a todos membros de uma coletividade, por serem estes, em última análise, os benefíciários da regra, máxime ao se considerar a função social da propriedade”. Jurisprudência deste STJ no sentido do acórdão rechaçado. 3. Recurso especial não provido.” (Recurso Especial n.º 843036/PR (2006/0085918-0), 1ª Turma do STJ, Rel. José Delgado. j. 17.10.2006, unânime, DJ 09.11.2006). No mesmo sentido: (Recurso Especial n.º 263383/PR (2000/0059400-8), 2ª Turma do STJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha. j. 16/6/2005, unânime, DJ 22/8/2005)
[6] Os incisos do artigo 16 do Código Florestal estatuem a obrigação de manutenção da reserva florestal legal nos seguintes porcentuais: “I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; II – trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7.º deste artigo; III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País”.
[7] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”
“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;”
[8] BENJAMIN, Antônio Herman V. Reflexões sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da reserva legal e das áreas de preservação permanente. Revista de Direito Ambiental, n.º 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 57.
[9] BENJAMIN, op. cit., p. 59.
[10] “Lei n.º 9985/2000 – Art. 2.º, I – espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (…) III: “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.”
[11] “Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5.º e 6.º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente: I – recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente; II – conduzir a regeneração natural da reserva legal; e III – compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento. (…) § 6.º O proprietário rural poderá ser desonerado das obrigações previstas neste artigo, mediante a doação ao órgão ambiental competente de área localizada no interior de unidade de conservação de domínio público, pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no inciso III do caput deste artigo.”
[12] Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ 1.º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.”
[13] “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1.º, 2.º E 3.º DA LEI N.º 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1.º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório – EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei n.º 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão “não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”, no § 1.º do art. 36 da Lei n.º 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente. (Adin 3378/DF – Rel. Min. Carlos Britto – j. em 09/04/2008 –
DJe-112 em 20/6/2008 – Ement vol-02324-02 pp-00242)
[14] DECRETO N.º 4.340 DE 22/8/2002 – DOU 23.08.2002 Art. 33: A aplicação dos recursos da compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei n.º 9.985, de 2000, nas unidades de conservação, existentes ou a serem criadas, deve obedecer à seguinte ordem de prioridade:
I – regularização fundiária e demarcação das terras;
(…)”
[15] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de direito constitucional. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 03.
[16] STF, MS 22.164. Rel. Min. Celso de Mello. Distrito Federal, Distrito Federal, em 17/11/1995. Disponível em: Acesso em 23/5/2008.
[17] Cristina Queiroz, ao abordar o ponto de vista de Alexy quanto à noção de princípio: “define-o como dizendo respeito a todas as normas que ordenam que algo seja realizado na melhor medida possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Uma definição que implica o recurso ao princípio da ‘proporcionalidade em sentido amplo’ com os seus três sub-princípios: ‘idoneidade’, ‘necessidade’ e ‘proporcionalidade em sentido estrito’. (…) o princípio da idoneidade actua essencialmente como uma forma de controle ‘ex ante’, incidindo sobre a prognose realizada pelos poderes públicos (…) a sua função consiste em excluir o ‘não idóneo’. (…) Algo similar ocorre com o sub-principio da necessidade. Este exige que de dois meios igualmente idôneos seja escolhido o ´mais benigno´ face ao direito fundamental afectado. (…) No que concerne ao sub-princípio da ‘proporcionalidade em sentido estrito’, haverá ainda que referenciar que os princípios, compreendidos como ´mandatos de optimização´, não só exigem a maior realização possível em relação às possibilidades fácticas, mas também a maior realização possível em realização às possibilidades jurídicas.” (QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais. Coimbra: Coimbra, 2006, p. 38-41)
[18]Consoante linha de raciocínio de Cristina Queiroz: “somos forçados a concordar com MÜLLER (123) quando refere que a tese da ´irreversibilidade´ dos direitos fundamentais sociais constitucionalmente consagrados acaba por assumir a função de ´guarda de flanco´ desses direitos e pretensões no seu conjunto, garantindo o grau de concretização já obtido, transformando-se, por assim dizer, numa espécie de ´densificação´ de direitos fundamentais. Em termos breves, a idéia de que, ainda, que os direitos de natureza prestacional não imponham uma obrigação de ´avançar´, estabelecem, contudo, uma proibição de ‘retroceder’.” (Op. cit. p. 68).
[19] Op. cit. p. 05.
[20] MOLINARO, Carlos Alberto Molinaro. Direito Ambiental – Proibição de Retrocesso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 114.
[21] Op. cit. p. 114.
[22] TJMT, AgrInst 81181, rel. Jones Gattas Dias, Cuiabá, 19/3/2007. Disponível em: Acesso em 25/5/2008.
[23] TJMT, AgrInst 85644, rel. Márcio Vidal, Cuiabá, 23/4/2007. Disponível em: Acesso em 25/5/2008.

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