Jurisprudência aceita ampliação dos juizados criminais

Para quem está acompanhando a polêmica gerada pela Lei 10.259/01 (lei que criou os juizados especiais federais) sobre se o seu conceito de infração de menor potencial ofensivo (crimes até dois anos, art. 2.º) estende-se ou não ao âmbito dos juizados estaduais temos a informar o seguinte:

No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul praticamente não há divergência. Quase 100% dos julgados entendem que o art. 2.º, parágrafo único, da Lei 10.259/01, derrogou o art. 61 da Lei 9.099/95. Trocando em miúdos: o novo conceito de infração e menor potencial ofensivo (crimes até dois anos) aplica-se aos juizados criminais estaduais.

Nesse sentido: 1- Conflito de Competência N.º 70004091211 (4.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 25/04/02; 2- Conflito de Competência N.º 70004086971 (4.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, julgado em 25/04/02; 3- Apelação Crime n.º 70003611621 (3.ª Câm. Criminal), Rel. Desa. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 18/04/02; 4- Conflito de Competência n.º 70004084935 (4.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 5- Conflito de Competência n.º 70004091161 (4.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 6- Conflito de Competência N.º 70003975208 (1.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 7- Conflito de Competência N.º 70003976396 (1.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Ranolfo Vieira, julgado em 03/04/02; 8- Conflito de Competência N.º 70003927092 (1.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 9- Apelação Crime n.º 70003321627 (3.ª Câm. Criminal), Rel. Desa. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 14/03/02; 10- RSE n.º 70003736428 (5.ª Câm. Criminal), Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, julgado em 20/02/02 (cf. no site iusnet.com.br as ementas desses julgados).

O Tribunal de Alçada do Paraná a 2.ª Câmara Criminal, em HC impetrado por José Jairo Baluta (cf. J.S. Fagundes Cunha, em Correio Braziliense, Direito & Justiça de 10.06.02, p. 1), caminha na mesma direção: os dois anos aplicam-se aos juizados estaduais. Aliás, nesse caso, tratava-se de crime contra a honra. E deliberou-se que o procedimento especial já não é obstáculo para a admissão da competência dos juizados criminais.

Na esteira do que deliberou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Aviso n.º 15/2002 – Comissão Estadual dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do TJ-RJ – de 25-03-02 (DOERJ – parte III – seção I – pp. 01 e 02 – 26-03-02), em muitos outros Tribunais do país a polêmica não existe: estão admitindo amplamente a incidência da Lei 10.259/01 no âmbito estadual.

Observe-se que todos os Tribunais comprometidos com os Juizados (que não é o caso ainda, lamentavelmente, do Estado de São Paulo, que continua jurássico nessa matéria: São Paulo é um dos últimos, senão o último Estado da Federação que não conta com juizados criminais nas suas comarcas) disciplinaram (tanto quanto o Rio de Janeiro) a matéria convenientemente. Alinham-se nesse ponto: Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará etc.

O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, como já noticiamos amplamente, arquivou representação formulada pelo procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, proclamando a incidência da Lei 10.259/01 ao âmbito dos juizados estaduais (Processo PGR n.º 100.000.000.801/2002-90, de 18-02-02 – Parecer) (cf. a íntegra no nosso site www.ielf.com.br).

Tacrim-São Paulo: até 29.05.02, havia um julgado contra a tese (HABEAS CORPUS 398.760-7, rel. Ricardo Dip) e dois favoráveis (AC 1.282.111 e 1.282.595, relatores Lagrasta Neto e Angélica de Almeida). Aliás, esses últimos julgados aconteceram antes mesmo da vigência da Lei 10.259/01 (leia-se: durante sua vacacio legis).

Em suma, vai se firmando a cada dia o entendimento de que o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo (crimes até dois anos, com ou sem multa cumulativa) deve ter incidência no âmbito dos juizados estaduais. A tese é razoável e, pelo que estamos sentindo, deve ser vitoriosa nos Tribunais Superiores.

O ponto mais importante a ser destacado em tudo isso, entretanto, não é a vitória do bom senso (que sempre há de prevalecer; aliás, como diz uma máxima popular muito sábia: bom senso é a primeira qualidade do jurista… se ele souber ler ajuda bastante!).

O ponto a ser realçado é a preocupação constitucional revelada na jurisprudência quase unânime acima enfocada: com base nos princípios da igualdade e da proporcionalidade está sendo refutada a tese de que deveríamos ter dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um para o âmbito federal e outro para o estadual. Isso significaria julgar um mesmo crime (desacato, por exemplo) com dois pesos e duas medidas. A balança da Justiça não aceita isso.

Até aqui, vitória do bom senso, vitória da razoabilidade! Buscar o justo em cada caso concreto é o grande comprometimento de quem faz justiça no terceiro milênio. Devemos reduzir (um dia talvez até eliminar) os espaços dos legalistas formalistas, montesquianos e napoleônicos. O maior equívoco desses positivistas legalistas é supor que tudo que vêem é o que é.

Na verdade, por absoluta falta de comprometimento com o justo e com o razoável, isto é, com as conseqüências práticas do que estão burocraticamente afirmando, pode-se dizer: “Têm olhos mas não vêem, têm ouvidos, mas não ouvem; têm nariz, mas não sentem o olfato”.

Luiz Flávio Gomes

é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP e diretor-presidente do Instituto de Ensino Jurídico professor Luiz Flávio Gomes (www.ielf.com.br). E-mail:
falecom@luizflaviogomes.com.br

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