Infrações de Trânsito: Abuso na forma da cobrança de multas

Os nossos órgãos de trânsito no Estado do Paraná, tanto Diretran’s quanto o Detran, apesar de serem entidades públicas, não têm atendido aos mais elementares princípios que norteiam a administração pública, praticando atos administrativos com abuso de poder (excesso de poder e desvio da finalidade), desrespeitando ainda os poderes administrativos; vinculado, discricionário, etc.

Para demonstrar esta assertiva, lembremos que há condicionamento, pelo Detran/PR, para licenciar veículo acusado de haver originado infração de trânsito, ou a prática de qualquer serviço – v.g., transferência de titularidade, pagamento do seguro obrigatório, etc -, ao pagamento dos valores de multas existentes.

Não bastasse esta exigência, verificamos inclusão para cobrança de valores de multa quando ainda encontram-se pendentes de julgamento recursos, sem autorizativo legal para este arbitrário procedimento de cobrança.

Esta prática implica em abuso de poder, na medida em que a legislação de trânsito possui cunho eminentemente educativo, estando estes agentes públicos, pelas suas condutas, deixado bastante claro que estão agindo com objetivo eminentemente arrecadatório. Dentro das condutas dos agentes públicos ora em comentário, encontramos excesso de poder na medida em que se pratica ato ilegal, não possuindo legitimidade em face de prática do ato arbitrário, ilegítimo e ilícito. Também configura desvio de finalidade na medida em que se executa ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei.

Desrespeitam o poder vinculado quando os agentes públicos praticam atos contrários às previsões legais, em suas especificações. No presente caso não há base legal para a prática dos atos administrativos ora denunciados.

Ferem o poder discricionário quando há prática de atos que estão em desacordo com a forma e a finalidade prevista na lei, a qual, como já vimos, não obriga, v.g, a cobrança do valor da multa antes do julgamento do recurso pelo Jari, assim como a finalidade destas sanções não ser arrecadatória (praxe expressamente admitido pelo Denatran), mas sim educativa.

Para deixar clara a arbitrariedade, abuso, fraude – esta na medida em que leigos acreditam que tais atos sejam legais -, etc, cite-se as hipóteses em que estes administradores públicos exigem o pagamento dos valores das sanções pecuniárias por infrações de trânsito quando a lei não faz esta previsão. Verbis: “O recurso contra a imposição de multa poderá ser interposta no prazo legal, sem o recolhimento do seu valor.” (art. 286, caput, do Código de Trânsito Brasileiro).

Neste particular, diga-se ainda que a Medida Provisória nº 75, publicada em 25.10.2002, dispensou a exigência de qualquer valor a título de multa, quando pendente de recurso, e o nosso Detran não atendeu esta previsão legal.

Também, há entendimento bastante sedimentado nos nossos tribunais no sentido de que os Detran’s não podem condicionar o licenciamento do veículo ou qualquer outro serviço, ao pagamento do valor da multa.

A afirmação sobre as questões de fato ora relatadas estão embasadas em dados relacionados com pessoas do nosso convívio, o que poderá ser objeto de maior aferição caso o Detran conteste tal assertiva, quando poderá ser disponibilizado correio eletrônico para atender reclamações neste sentido.

Cremos que este abuso precisa receber um basta por parte do Poder Judiciário, através de ação coletiva própria, para a qual estão legitimados para propô-las, além do Ministério Público, também as entidades de classe dos motoristas e de proteção ao consumidor.

Além destes abusos relacionados com procedimentos adotados pelas nossas autoridades de trânsito, existem inúmeros outros, inclusive de ilegalidade, igual ou pior que as ora apontadas (cuja matérias serão objeto de abordagem em futuros artigos nesta coluna), o que nos leva a clamar ao nosso Ministério Público para que exerça sua função de fiscal da lei, também neste particular, tal qual tem atuado em relação a outros direitos coletivos lesados, sendo tais atuações, sem qualquer exagero, merecedoras de elogios.

No caso da sociedade não poder contar com estes órgãos de proteção de direitos coletivos, não haverá outra alternativa aos cidadãos que tiverem tais direitos trucidados, serão buscarem a dignidade e respeito destes órgãos e agentes públicos, através de ações individuais, que servirão para sobrecarregar ainda mais o já saturado nosso Poder Judiciário.

Por outro lado, não podemos assistir de braços cruzados os nossos direitos serem jogados no lixo justamente por órgãos públicos, que em evidente afronta a lei, princípios de direito e inclusive lesão a direitos elevados pela nossa Constituição na condição de fundamentais (legalidade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, motivação das decisões, etc).

Assim, no caso de não serem propostas ditas ações de proteção a direitos coletivos, os cidadãos lesados, até por uma questão de cidadania, devem buscar junto ao Poder Judiciário os seus direitos, inclusive com pedidos de reparação de dano moral, que ao nosso ver é perfeitamente admissível sempre que o órgão ou agente público agir ou atuar com abuso, inclusive, sendo juridicamente aceitável que seja eleito solidariamente no pólo passivo também os diretores destes órgãos que praticarem direta ou indiretamente tais atos.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUC/PR e especialista em Direito Processual Penal, também pela PUC/PR, e autor de diversos artigos e livros, inclusive já na 2ª Edição o Livro “Tóxicos” – Manual Prático – Respostas às dúvidas surgidas com a Lei nº 10.409/02.

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