Execução provisória da sentença penal

Em termos de execução provisória de sentença penal, nossa legislação é uma verdadeira colcha de retalhos, onde dispositivos se chocam entre si, muitos afrontando os preceitos constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, mesmo em lei aprovada após a Constituição Federal que elevou estes princípios à condição de direitos e garantias dos acusados.

A Constituição Federal no seu artigo 5.º, inciso LV estabelece que ?aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes?, e o inciso LVII, prevê que ?ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória?.

Prevendo a necessidade do trânsito em julgado da decisão penal encontramos o art. 669, do Código de Processo Penal, e 147 da Lei de Execuções Penais.

Para melhor compreensão transcrevemos adiante os dispositivos que regulam esta matéria.

Art. 669. ?Só depois de passar em julgado, será exeqüível a sentença, salvo: I – quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada fiança;?

Art. 147. ?Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o juiz de execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução ..?

Art. 105. ?Transitada em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.?

Autorizando a execução provisória da decisão condenatória temos os artigos, 637, do Código de Processo Penal e 27, § 2.º da Lei n.º 8.038/90.

Art. 637. ?O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.?

Art. 27, § 2.º ?Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.?

Cite-se ainda que no Pacto de Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, também há vedação para cumprimento de sanção penal antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em recentes julgamentos, tanto o E. STF, quanto o E. STJ, ao apreciaram esta matéria, deixaram assentado que nos casos de sanção privativa de liberdade substituída por restritiva de direito, somente é possível a execução da pena após o trânsito em julgado da decisão. Verbis:

?Diante dos princípios constitucionais da presunção de inocência e devido processo legal, não subsiste o art. 637, do Código de Processo Penal, pois não recepcionado pela Constituição da República.

O art. 27, § 2.º, da Lei 8.038/90 estabelece regras gerais sobre os recursos especial e extraordinário, e, frente aos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal e à Lei 7.210 (Lei de Execuções Penais), não abarca esses recursos quando encerrarem matéria penal cujo conteúdo tenda a afastar a pena imposta.

Inteligência dos princípios da máxima efetividade e da interpretação conforme a constituição, cânones da hermenêutica constitucional.

Tanto o art. 669 do Código de Processo Penal, quanto a Lei 7.210/84 exigem o trânsito em julgado de decisão que aplica pena restritiva de direitos para a execução da reprimenda.? (STJ, Rel. Min. Paulo Medina, HC n .º 33.106, DJU de 06.09.04, p. 312).

?Sentença condenatória. Pena privativa de liberdade. Substituição por penas restritivas de direito. Decisão impugnada mediante recurso especial, pendente de julgamento. Execução provisória. Inadmissibilidade.

Ilegitimidade caracterizada. Ofensa ao art. 5.º, LVII, da CF, e ao art. 147 da LEP.? (STF, Rel. Min. Eros Grau, HC 84.677-7, DJU de 08.04.2005).

Pensamos que esta interpretação das duas Cortes Superiores seja um grande avanço, entretanto, com todo respeito às posições em contrário, entendemos que ela ainda é muito tímida para um Estado de direito democrático como é do nosso país.

Pelos princípios que norteiam o direto penal e processual penal, além dos dois citados e que constam da nossa Carta Magna como preceito constitucional, nenhum julgado penal pode ser executado antes do trânsito da decisão.

E para se chegar a esta conclusão o raciocínio é simples. Ora, se para as sanções restritivas de direitos, que são menos gravosas ao condenado, em uma interpretação sistemática das normas atrás citadas, nossos Tribunais Superiores chegaram à conclusão de que se deve esperar o trânsito em julgado da condenação, a fim de evitar que o condenado cumpra indevidamente a pena lhe imposta, caso a decisão condenatória seja reformada, com maior razão para as penas privativas de liberdade, que são mais gravosas, deve-se também esperar o termo final da persecução criminal.

Invoca-se ainda para sustentar esta tese o princípio de que as normas de direito penal e processual penal, com carga penal, devem ser interpretadas sempre em favor do acusado, e por isso, se para as sanções penais mais leves, a fim de evitar cumprimento indevido de pena, se admite efeito suspensivo ao recurso especial e extraordinário, com maior razão deve-se aplicar esta regra para sanções mais gravosas.

É lógico que esta interpretação não se deve aplicar para aqueles casos onde estejam presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva. Neste caso a prisão será processual e não execução provisória.

Em arremate concluímos que em tema penal a nossa Lei Maior, assim como as normas infraconstitucionais, através de uma interpretação sistemática destas normas, em consonância com os princípios que norteiam este ramo do direito, em hipótese alguma admitem execução provisória de decisão penal, ficando o encarceramento do condenado antes do trânsito em julgado restrito à prisão processual.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas, Pós-Graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos – Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?.

?jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; advocacia@jorgevicentesilva.com.br?, jorgevicentesilva.com.br

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