Evento na França homenageia Oscar Niemeyer

As obras de Oscar Niemeyer na França deverão ser declaradas bens do patrimônio pelo Ministério da Cultura do país até o fim de 2006. O arquiteto brasileiro também ganhará uma grande exposição em Paris comemorativa ao seu centenário, a ser completado no dia 15 de dezembro do ano que vem. Todas essas homenagens estão sendo interpretadas por algumas áreas próximas ao Partido Comunista Francês como um desagravo ao construtor de Brasília, em razão do pequeno empenho do governo brasileiro em programar uma exposição sobre suas obras no Ano do Brasil na França, em 2005. Segundo alguns dirigentes do Partido Comunista Francês (PCF), eles chegaram a fazer contato, mas sem êxito, com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e com André Midani, presidente do Comissariado Brasileiro responsável pelo evento.

Quando Niemeyer foi obrigado pelos militares a deixar o Brasil, em 1965, o intelectual André Malraux interferiu junto ao general Charles De Gaulle, dizendo que o arquiteto encontrava-se no seu ?museu imaginário?. Essa interferência permitiu que o brasileiro fosse bem acolhido na França. Agora, 40 anos depois, o PCF se prepara para assumir a responsabilidade pela homenagem, contando com a ajuda do governo francês. Isso porque em Paris encontram-se algumas das principais obras do arquiteto no exterior, entre elas, a sede do PCF, considerada uma referência, e onde, por exigência de Niemeyer, será realizada a exposição de seu centenário.

Outras obras importantes do brasileiro na França são a sede do jornal "l?Humanité", órgão oficial do partido, o imóvel da Bolsa do Trabalho de Bobigny e o Centro Cultural do Havre, conhecido como o ?vulcão? – o único que não está bem conservado, mas que a municipalidade já se comprometeu a reformar. Le Corbusier, outro grande mestre da arquitetura que se tornou amigo de Niemeyer, costumava dizer que o brasileiro teve a seu favor o fato de ter sempre à vista as montanhas do Rio. O arquiteto respondia que eram os corpos das mulheres livres e sensuais que mais inspiravam sua arquitetura.

Guardião

Neste domingo (22), o guardião da sede do PCF é um de seus dirigentes, Gerard Fournier. Desde a abertura das portas do partido para o público, há dez anos, esse é um dos lugares mais visitados de Paris, principalmente durante as Jornadas do Patrimônio, quando todos os monumentos, castelos e imóveis administrativos do país – inclusive o Palácio do Eliseu, sede da Presidência da República – permanecem abertos. Todas as escolas de arquitetura do mundo já visitaram a sede do PCF, afirma Fournier. ?Chegamos a receber grupos de cegos que puderam ter uma idéia sensorial do trabalho efetuado por Niemeyer?, diz. Muitos brasileiros que entram ali sentem o mesmo ambiente dos palácios e do Congresso em Brasília.

Certa vez, o presidente gaullista e anticomunista Georges Pompidou reuniu um grupo de arquitetos internacionais para um almoço, e mesmo só conhecendo por fora a sede do PCF, disse a Niemeyer que se tratava de uma obra maior, razão pela qual não deveria permitir nenhuma alteração, por menor que fosse, no conjunto erigido numa região popular da cidade, a Place du Colonel Fabien, um herói da Resistência Francesa.

Também o diretor do Patrimônio, François Barre, após visitar o interior do prédio, não hesitou em afirmar: ?Esse imóvel, quanto mais envelhece, mais parece novo e moderno.? Até hoje, nada foi alterado no projeto inicial, mesmo porque, ao concebê-lo, o próprio Niemeyer disse que não se tratava de um imóvel, mas de uma ?escultura?.

Segundo Fournier, ao contratar Niemeyer, que chegava exilado à França, perseguido pelos militares, o PCF nunca censurou qualquer aspecto de sua obra. O partido só exigiu três salas de trabalho e uma grande sala de reunião para o antigo Comitê Central. Em apenas três dias, Niemeyer, que aceitou o convite sem hesitar, desenhou o projeto e entregou aos engenheiros, que deveriam se ocupar da construção – inclusive da cúpula, verdadeira jóia arquitetônica que abriga as reuniões da hoje chamada Comissão Nacional (Comitê Central). Essa área é tão elogiada pelos artistas e estilistas que tem servido, nesses últimos anos, para desfiles de moda de Dior, Lacroix e Saint Laurent, entre outros.

Recentemente, os espaços e salões foram utilizados até para eventos cristãos, como Jesus Cristo – A Humanidade na Véspera do Terceiro Milênio, com a presença do episcopado de Paris e mais 6 mil pessoas. Sob a cúpula, alguns chegaram a dizer que sentiam certa religiosidade, apesar de não ter sido esta a motivação do arquiteto. Provavelmente, ele estava mais próximo do que dissera Louis Aragon, poeta comunista, durante a guerra: ?Encontramo-nos lado a lado, os que crêem no céu e os que só acreditam na felicidade da humanidade.

Revolução

O local é cheio de simbolismo. Ainda antes de existir a sede partidária, onde se encontravam instaladas as primeiras universidades operárias, 3 mil comunistas se alistaram nas Brigadas Internacionais para combater a ditadura do general Franco.

Já naquela época, Niemeyer revolucionava e mudava a concepção. Gerard Fournier lembra que os refeitórios dos assalariados na França sempre eram instalados no subsolo dos imóveis. O brasileiro inovou, instalando o refeitório no sexto e último andar, para que os trabalhadores pudessem aproveitar ao máximo a luminosidade e a bela vista de Paris.

Hoje, apesar das dificuldades financeiras que o PCF enfrenta – seu eleitorado caiu de 20% para apenas 5%, e o número de militantes e a receita foram reduzidos -, a obra de Niemeyer se mantém como uma das jóias criadas pelo gênio do artista que projetou Brasília, um dos mais arrojados conjuntos arquitetônicos da história mundial.

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