E a anistia?

A sociedade brasileira – ou, pelo menos, sua esmagadora maioria – tem profundas mágoas da chamada Revolução de 1964. Ou golpe de abril, como mais apropriadamente pode ser chamado aquele movimento, que rompeu a ordem constitucional vigente no País. Tais mágoas não se referem ao desempenho econômico dos governos de exceção, que tiveram períodos bons e, no geral, obtiveram melhores resultados do que a nossa incipiente e ainda assim aplaudida democracia. Esta oscila, nos índices da preferência popular, muito ligada aos resultados econômicos. Exemplo foi Pinochet, no Chile, que com uma ditadura cruel conseguiu sucessos na economia e até hoje há quem o justifique e perdoe. Prova mais contundente são recentes pesquisas feitas no Brasil e outros países latino-americanos, onde a maioria dos consultados disse preferir uma ditadura com pão na mesa que uma democracia com pobreza.

De qualquer forma, sabe-se que a democracia, mesmo que não resolva todos os problemas, ainda é o melhor sistema de governo e ninguém inventou nada mais adequado à convivência da liberdade com o progresso, mesmo que este nem sempre seja no ritmo e volume desejados.

As mágoas que restam referem-se aos atos de arbitrariedade. Violência política, com a tomada do poder “manu militari” e sua distribuição sem consulta popular. E seu exercício imperial. Mas referem-se principalmente à violência empregada, seja em praça pública, contra movimentos de protesto ou reivindicatórios, seja nos calabouços, onde muita gente foi torturada ou morta, inclusive nomes conhecidos, como o do jornalista Vladimir Herzog. E tantos outros.

A violência se fazia mais presente e constante contra as esquerdas, exatamente o grupo que hoje está no poder com Lula. Não poucos são os atuais dirigentes do País, ou do PT, que passaram pelas prisões, exílio e participaram até de guerrilhas. Também não ficaram indenes homens como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, ontem governo, hoje oposição, que fugiram para o exílio durante o período de exceção. Eles pertenciam às esquerdas e estas iam dos grupos mais moderados aos mais extremados. De FHC e José Serra a Lula e José Dirceu/Genoino.

É humano desejar que os crimes perpetrados nas prisões ou em praça pública sejam esclarecidos e os responsáveis punidos. A prescrição para tais casos, no campo legal, pode ocorrer em alguns anos, mas na memória do povo permanece o sentimento de frustração quando se verifica a impunidade.

O assunto revive agora, quando surgem fotos – que teriam sido tiradas na prisão – do jornalista Vladimir Herzog nu e pouco antes de aparecer suspeitamente enforcado na cela, com sérias possibilidades de que tenha sido assassinado. Revoltante! Temos de considerar, entretanto, o interesse nacional que deve pesar mais do que o natural desejo de que se faça justiça, investigando os culpados dos crimes da ditadura e aplicando-lhes punição exemplar.

O interesse nacional está no perdão e, se possível, no esquecimento, o que visou a anistia. Tais fatos, por mais revoltantes que tenham sido e por mais que se deseje a punição de seus responsáveis, devem ser enterrados com a anistia, não porque mudamos de opinião e hoje consideramos dignos de condescendência os criminosos dos regimes de força. Mas porque o interesse do Brasil é cultivar as boas relações existentes entre a sociedade civil e as forças armadas. O Brasil deve procurar o futuro e não chafurdar o lixo do passado.

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