Do Procedimento Disciplinar em relação aos privados de liberdade

Às vistas de um procedimento, cumpre manter-se este regrado sob a égide de princípios constitucionais, calcados estes, por sua vez, no querer da sociedade a qual regulam, e, assim, desenvolver-se-á o caminho com o objetivo de prestar ou não amolde legal à conduta praticada e, se necessário, sua represália.

Singularmente, busca o procedimento o entendimento das causas, motivos, razões do acontecido, a forma da prestação ou direcionamento da conduta; para tanto, cumpre a si a prerrogativa de permitir-se e de se coibir certas manifestações probatórias, em momentos determinados, haja vista a real natureza que condicionam suas existências: disciplinar, administrativo, cível, falimentar, penal, tributário, previdenciário, citados estes como exemplo.

Suas peculiaridades pertencem ao campo do concreto, visíveis e palpáveis ao seu usufruente, considerando que em seus entremeios analisa-se o fato abstrato, hipotético, que somente tomará forma após o seu término com a afetação da órbita de outrem, ou deixará de existir como fato amplo juridicamente relevante.

Ultrapassadas essas considerações, denote-se qual a esteira premente para que alguém, sentenciado e acusado da prática de conduta indisciplinar tome corpo esta e venha a ser reprimido portanto.

Anote-se desde o início, que em momento algum pode-se vir a igualar sanção penal com sanção disciplinar execucional. Encontram-se em esferas diversas e, neste diapasão, somente o pode vir a sofrer a segunda se quanto à primeira tem-se certeza líquida e certa (trânsito em julgado para a sentença penal condenatória para a acusação e para a defesa, ou absolutória – esta ao sujeito de medida de segurança -) ou quando esta certeza venha a tomar forma só com o trânsito em julgado para a acusação – execução provisória da sentença. Qual seja, o procedimento disciplinar só é visível quando se determina ao sujeito sua submissão ao cumprimento de uma pena ou medida de segurança.

Afirma a Constituição Federal, em seu inciso LV do art. 5.º, que aos litigantes em processo administrativo lhes é garantido o contraditório e a ampla defesa, tanto quanto aos meios, assim como quanto aos recursos.

Título semelhante – dos direitos e garantias fundamentais – ou capítulo – dos direitos e deveres individuais e coletivos – pertinente ao estatuto federal, que prevê os aludidos princípios, não se encontram na Carta Estadual Paranaense, podendo-se, no entanto, dar-se por indicação de aceitabilidade do disposto em Carta Magna o teor do inc. IV do art. 1.º da Legislação Estadual, a qual assegura a aplicação da justiça, entendível que para tanto em procedimentos da natureza que o forem, a presença dos princípios da ampla defesa e do contraditório se faz necessária.

Compulsando-se determinação da Assembléia Geral da ONU – Organização das Nações Unidas -, através da Resolução 2858, de 20/12/71, reiterada pela Resolução 3218, de 06/11/74, e conseqüente compilação das Regras Mínimas da ONU, percebe-se que o tratamento do sentenciado e o regramento de sua nova situação jurídica é pensado há tempos, como denota-se no item 30.2, das Regras Mínimas, afirmando que ao sentenciado é assegurada a defesa quando lhe imputam a prática de ato indisciplinar.

No Brasil, reflexos sentiu-se com a implantação das “Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil” através da Resolução 14, de 11 de novembro de 1994, publicada no Diário Oficial da União em 02 de dezembro de 1994, que, pela natureza, é aplicável em todo o território.

No Paraná, por meio do Decreto 1276, de 31 de outubro de 1995, publicado no Diário Oficial na mesma data, instituiu-se o Estatuto Penitenciário, com aplicação imediata, inclusive aos procedimentos pendentes como define seu art. 89.

Guardadas as peculiaridades atinentes a cada um, o Regramento Estadual acima, quando “Dos meios de coerção” em seu Capítulo II, art. 57, repete a idéia anteriormente pelo art. 30 das Regras Mínimas da ONU e art. 27 das Regras Mínimas para o Brasil, qual seja, de que deve ser o preso informado da infração que lhe atribuem e ainda que lhe é permitida a ampla defesa. Considere-se ainda que, o Estatuto, em seu art. 32 afirma que quando há ingresso em estabelecimento, ao preso e ao internado é dado o conhecimento de seus direitos e deveres; no inc. II do art. 69, determina-se a ouvida quando da instauração de procedimento disciplinar e no art. 78, prevê-se a revisão do processo disciplinar.

Oportuno assentar que a Lei 7210, de 11 de julho de 1994, instituidora da Execução Penal Pátria – LEP -, reporta considerações ao Procedimento Disciplinar, afirmando que ao sentenciado é assegurado o direito de defesa.

Desta forma, é pacífico que ao execucionado é garantido o direito de defesa quando a si é lhe imputada a acusação de falta disciplinar.

Ressalte-se, no entanto, contradição presente em dispositivo cabeça do Capítulo IV, atinente ao Processo Disciplinar – art. 65 do Estatuto Penitenciário -, o qual textualmente determina que cometida a infração, o preso após ser conduzido a setores administrativos, será, se necessário, isolado provisoriamente, por período não superior a 10 dias. Tal decisão deve ser fundamentada. Redação semelhante encontra-se no art. 60 da LEP.

Não há indicação legal de que sua conduta tenha que o ser praticada sob rol de faltas graves, médias ou leves – arts. 61 a 63 do Estatuto -. Pela sumariedade da decisão, subentende-se que o seja de natureza grave a conduta tomada, ou ao menos assim se aguarda, ainda que há previsão de isolamento para qualquer uma das faltas no art. 64 do Estatuto, porém em casos de dias mínimos para tanto, superior ao máximo de 10 dias.

Em certas situações deparam-se as autoridades com a premente necessidade de prestar-se uma rigidez considerável para controle da situação e continuidade do processo execucional, tudo em pleno amparo do Princípio da Proporcionalidade. Ocorre que, ditos dispositivos as munem de autorização legal de quebra ao Princípio do Contraditório e Ampla Defesa, previsto em muitas Cartas como anotado anteriormente. Com esta decisão discricionária – ainda que fundamentada -, mas temerária e unívoca, priva-se outrem pela simples conduta que vai de encontro com o regramento da sociedade carcerária. Neste diapasão, pouco importa a comunicação do ocorrido ao juiz competente num prazo de 24 horas, por força do art. 68 da LEP. Há a aplicação e cumprimento de plena sanção sem que tenha-se ouvido as razões para a prática de tanto e, o pior, sem ter-se a certeza de que o acusado é o real praticante da mesma. Note-se que não há necessidade de confissão, ouvida de testemunhas, ou qualquer prova concreta do ato; bastam os indícios, a mera percepção com cunho absoluto e perene de que o acusado fora o praticante do ato contra si apontado e, como tal, deve ficar em isolamento por um prazo máximo de 10 dias; período de arrependimento, férias dos companheiros, não se sabe; liquidez somente se encontra pela previsão de tal na LEP e no Estatuto. Denote-se que esta prática não é recomendada pelas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

Observe-se que essas disposições contrariam o disposto no art. 54 , quando in fine remete ao inc. IV do art. 53, todos da LEP, afirmando que quando se trata de isolamento, a sanção deve ser aplicada pelo Conselho Disciplinar, do qual aguarda-se que ao sentenciado seja dado o direito de defender-se.

Pode-se argumentar ao contrário, afirmando que o disposto no art. 65 e, com vistas ao teor do art. 74, ambos do Estatuto, o isolamento preventivo de 10 dias é como o próprio nome diz: “preventivo”, sem assumir caráter sancionatório-administrativo e, portanto, passível de aplicação pelo próprio diretor do estabelecimento, porque apenas está restringindo ou suspendendo direitos do sentenciado, às vistas, portanto, permitido pelo próprio art. 54, primeira parte em combinação com o art. 53, inc. III, ambos da LEP. A nosso entender, pouco falha tal linha, considerando que há a subssunção de direitos arbitrariamente, sem que se tenha permitido defesa. Ainda observe-se que dito “isolamento preventivo” será computado na execução da sanção disciplinar, conforme art. 74 do Estatuto e art. 60 , par. único da LEP. Portanto, possui natureza sancionatória.

Para solução do impasse, e evitar decisões desproporcionais em Instâncias Superiores, sugere-se avistar semelhante problema e regulamento por alteração legal.

Subtraindo esta exceção, todos os demais atos a que é acusado o agente, lhe é conferido o direito de exercer sua defesa no processo administrativo disciplinar, dentro dos mais amplos poderes que a si, como cidadão, ainda que restrito a executante de sentença penal, lhe seja garantido, considerando que a Constituição lhe permite tal prerrogativa sobre o fato abstrato, hipotético que lhe é imputada a prática por meio de um procedimento concreto, visível e palpável.

Mara Francine Levin David

é advogada, pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal Aplicado – Unicenp – Curitiba – Paraná.

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