Você sabia que o solo de Curitiba guarda marcas profundas da sua própria história geológica? A cidade foi construída sobre falhas geológicas – rupturas naturais em blocos de rochas que compõem o terreno e que podem se apresentar como rachaduras, deslocamentos ou áreas com rocha triturada. Apesar do nome técnico soar assustador, essas formações são comuns em várias capitais brasileiras, como São Paulo e Salvador, e não representam risco à população. Mas será que isso pode causar terremotos por aqui?
A resposta direta é não. Essa condição não significa que Curitiba seja uma cidade propensa a terremotos. As falhas desempenham, na verdade, um papel histórico determinante no relevo e na formação do mapa da cidade. Os sismos — como são chamados os movimentos dessas falhas — até podem ocorrer, mas são quase imperceptíveis, conforme explica o professor do curso de Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutor Eduardo Salamuni.
“Quando há uma atividade de uma falha geológica, a produção básica disso é uma onda de choque que se transforma num terremoto. A diferença está em se as falhas estão ativas ou não, ou seja, se elas podem movimentar os blocos ligados à ela. No nosso caso, essa resposta é não. Isso acontece apenas em locais restritos no Brasil, diferente, por exemplo, dos Andes ou do Himalaia, que possuem atividade intensa”, comenta o professor.
Como curiosidade, em 2025, dois terremotos foram registrados no Paraná. O mais recente foi no dia 15 de junho, próximo à cidade de Cândido de Abreu, na região central. O outro foi em Balsa Nova, em abril, o mais próximo de Curitiba. Ambos registraram magnitude de 2,2 na escala Richter, segundo a Rede Sismográfica Brasileira (RSBR).

Se olharmos para outros países da América do Sul, vemos que o Brasil está em uma área muito mais tranquila. Só até este domingo (20), o Chile já havia registrado 16 tremores no mês. Do outro lado do mundo, nas Ilhas Tokara, no sul do Japão, uma área quatro vezes menor que Curitiba, apenas no domingo, ocorreram 7 sismos, segundo dados da Agência Meteorológica do Japão (JMA). Entre os dias 13 e 19 de julho, foram cerca de 282 tremores registrados no mar da região.
A “calmaria” no Paraná se deve à sua posição no mapa-múndi. O estado está localizado próximo ao centro da placa tectônica sul-americana, ao contrário do Chile, que está bem na borda, considerada uma região mais instável.
É por isso que notícias sobre “terremotos” ou “tremores” na região de Curitiba são raras. De tempos em tempos, as rochas que estão muito próximas ou muito afastadas umas das outras precisam se “reacomodar” para aliviar a tensão provocada pela movimentação da Terra. Esses pequenos abalos raramente são causados por ação humana.
Se não tem terremotos, o que essas falhas fazem?
Falha do Passaúna, Falha do Barigui, Falha do Alto Iguaçu: nomes presentes no cotidiano curitibano. O motivo? Muitas das principais bacias hidrográficas da cidade se formaram sobre essas falhas geológicas.

Segundo o professor Eduardo Salamuni, essas falhas geológicas definiram características da cidade muito antes do crescimento urbano ou mesmo da popularização das capivaras. Elas determinam o trajeto dos rios, visíveis ou subterrâneos, e apontam áreas mais instáveis para construções.
Do ponto de vista geológico, as falhas funcionam como “atalhos” para infiltração e escoamento de água, facilitando a formação de rios e aquíferos subterrâneos. “O controle do fluxo de águas subterrâneas também depende dessas falhas. Ao perfurar um poço artesiano, por exemplo, se ele estiver próximo a uma dessas estruturas, o volume de água tende a ser maior. Fora dessas regiões, pode-se encontrar pouco ou nada”, explica Salamuni.
O conhecimento sobre as falhas ajuda a definir zonas de risco para enchentes e áreas com restrições para grandes obras, como arranha-céus. Essas são as chamadas regiões de risco geotécnico. Isso porque essas áreas são naturalmente mais frágeis. No entanto, a condição varia conforme a intensidade com que a falha influencia o relevo.
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“Não existe problema do ponto de vista da engenharia, mas sim de custos. Esses lugares precisam ter mais reforços estruturais e cuidar com esse tipo de condição. As fragilidades são muito locais. Não é pela movimentação da falha em si, mas porque há uma ruptura no terreno”, complementa Eduardo.
Como são identificadas essas falhas?
Para identificar falhas geológicas, os especialistas analisam indícios e marcas deixadas pelos antigos movimentos. “Se há indícios de atrito entre os blocos, vai ter estrias. É como se eu passasse o paralamas do meu carro em uma coluna do prédio. Vai ter atrito e estrias”, explica o professor.
Em campo, os profissionais observam o alinhamento das rochas, a presença de superfícies muito lisas, sedimentos, riscos ou arranhões. Cada detalhe pode ser uma pista. “Precisamos caminhar ao longo de rios, áreas de drenagem e ir até as pedreiras, onde há exposição natural das formações rochosas. Às vezes é um trabalho demorado, mas muito prazeroso”, comenta.

Também são utilizadas fotografias aéreas para identificar “linhas” incomuns no terreno e particularidades da região estudada, como o desenho de rios, vales, depressões ou quebras na vegetação. “A partir da visualização dessas imagens, busca-se grandes riscos no terreno. Com isso, você já tem uma cartografia de alinhamentos”, diz.
Nos últimos 20 anos, os avanços tecnológicos permitiram o uso de ferramentas mais precisas. Uma delas é a Tomografia Elétrica Resistiva (ERT), que funciona como um “raio-x” do solo. A técnica utiliza fios e sensores colocados no chão para emitir e medir pequenas correntes elétricas. A depender da resistência do solo, o sistema mostra o que há abaixo da superfície, como rachaduras ou camadas de rochas diferentes.
A partir da marcação dessas falhas, tem-se um mapa, utilizado por laboratórios sismológicos para identificar possíveis epicentros de tremores. Já os engenheiros, usam, além dos mapas, marcos topográficos para que os profissionais monitorem se não há deslizamento no terreno, por exemplo.
Curitiba está livre para sempre de terremotos?

Se as condições favoráveis da geografia de Curitiba irão se manter para sempre, é difícil determinar. Para a geologia, o tempo é outro. “Na noção de tempo humano, 4 mil anos é um tempo grande para a civilização como um todo. No futuro, meu colega possivelmente terá um instrumental mais avançado, melhor, mais rápido, eficiente e barato do que temos hoje”, afirma Salamuni.
Daqui a 3 mil anos, por exemplo, pode ser que a tecnologia permita identificar falhas que hoje permanecem ocultas. Já em 1 milhão de anos, o desenho da paisagem de Curitiba poderá ser completamente diferente.
“Temos várias forças interagindo e moldando a paisagem da cidade, tanto forças externas, como erosão, quanto as internas, como as pequenas pressões no terreno. Com o acréscimo de microeventos, isso faz com que a paisagem mude mais ao longo de um tempo muito grande”, conta.
Um exemplo dessas mudanças é a Serra do Mar, que hoje tem pouco mais de 2.300 metros de altitude. Com o tempo, essa altura poderá diminuir. Já na região dos Andes, por estar na borda da placa tectônica, as alterações na paisagem podem ocorrer em questão de poucos anos.
Enquanto nada disso acontece, os curitibanos podem respirar tranquilos. A geologia, por ora, joga a nosso favor e o solo sobre o qual caminhamos continua, felizmente, estável.
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