Com os olhos marejados, a chef de cozinha e empresária Joseli Goubert Galvão, de 76 anos, passeia com o olhar em cada detalhe do restaurante que durante 46 anos fez parte da sua vida. As lágrimas nem sempre carregam com elas um sentimento triste. As que fazem brilhar os olhos da Joseli são as lágrimas das boas lembranças e dos bons tempos que foram vividos ali, entre amigos, clientes e família.
O restaurante Camponesa do Minho, localizado na Rua Padre Anchieta, nas Mercês, está no coração da chef. Foi trabalhando ali ao lado do marido João Alberto Galvão que Joseli criou seus dois filhos e depois paparicou os netos. O companheiro faleceu em 2018 e, depois da perda, a ideia de se aposentar foi ganhando força. Até que agora em 2025 a decisão de fechar o restaurante foi definitiva. O Camponesa do Minho, referência em preparos com bacalhau, encerra suas atividades neste fim de semana.
O restaurante nasceu em 1979. A ideia inicial era fazer uma petiscaria portuguesa. “A ideia era essa, de fazer uma petiscaria. No fim, nunca foi um bar. O pessoal sempre vinha aqui para comer. Quando a gente abriu, a primeira turma de clientes eram de parentes e amigos, que foram chamando outros amigos, e mais amigos. E assim foi indo, graças a Deus”, conta.




A proposta de fazer um restaurante português surgiu do sogro de Joseli. “Ele era português, da região do Minho [perto da cidade de Braga]. Aí casei com filho de português e aprendi a cozinhar com a minha sogra. No convívio com eles eu aprendi uma coisa aqui e ali, fui aprendendo e hoje estou aqui. Agora, da parte da minha família, não tem ninguém português. Tenho sangue forte de ucraniano de mãe e de pai italiano”, explica a chef.
O restaurante começou com um cardápio bem familiar, de pratos que Joseli aprendeu com a sogra – bem caseiro e de tempero delicado. Com o passar dos anos, a casa virou referência em bacalhau. O Camponesa do Minho recebeu o Prêmio Gula em 2005, 2007 e 2008, e conquistou um lugar na seleta lista dos melhores restaurantes da Veja Curitiba Comer & Beber em 2004 e 2005.
Bacalhau com preparo impecável: do corte ao dessalgue
Referência em pratos com bacalhau em Curitiba, o restaurante Camponesa do Minho conquista a clientela com preparos impecáveis. Entre os mais pedidos do cardápio, o Bacalhau à Margarida da Praça – feito assado na brasa, com batatas cozidas, azeitona preta, cebola refogada no azeite de oliva e servido com arroz branco. A posta custa R$ 309 e o lombo – a parte mais nobre e alta do peixe – R$ 388, para duas pessoas.
Outro prato muito pedido da clientela é o Bacalhau dos Arcos. Ele também é assado na brasa e acompanha batatas ao murro (assadas com casca), cebola refogada no azeite de oliva e azeitona preta. Também acompanha arroz. O prato serve duas pessoas e sai por R$ 309 a posta ou R$ 388 o lombo.
A casa ainda oferece pratos com bacalhau desfiado, com valores a partir de R$ 172, e bacalhau em pedaços, a partir de R$ 198 a meia porção que serve duas pessoas. Além do bacalhau, os pratos de polvo costumam surpreender os clientes – a partir de R$ 183.
Agora, o que quase nenhum cliente deixa de pedir é o famoso bolinho de bacalhau da casa. Feito com bacalhau desfilado, batatas, salsinha e cebola, é sequinho, sabor delicado e perfeito com o molhinho de pimenta da casa. É tão leve que é possível comer uma porção deles tranquilamente. A unidade de cada um sai por R$ 18.



Com sabor tão delicado, o bacalhau do Camponesa do Minho é marcante e fica gravado no paladar. E o segredo para um preparo tão bem feito está na paciência e dedicação da Joseli.
Ela conta que durante todos esses anos sempre prepara todo o bacalhau que chega no restaurante. “Eu corto, porciono, dessalgo. Cada porção de bacalhau é pesada, cortada no mesmo padrão com rigor. É trabalhoso. Tiro espinhos, pele, vejo se está no ponto do sal. Se cortar errado, você perde a posta. É um produto caro e é preciso estar atento a isso”, detalha Joseli.
Para ter um sabor tão delicado e suave, o bacalhau fica de molho por até quatro dias para perder todo o sal e ficar bem hidratado. Durante todos esses anos de restaurante, a chef se especializou no peixe e sabe com detalhes como escolher e identificar um bacalhau de qualidade. “São mais de 15 tipos. Aqui uso o bacalhau morhua, que é o mais nobre. Tudo aqui sempre foi bem artesanal, experiência que adquiri com os anos”, revela.
“A comida é uma forma de agregar a família”
Numa homenagem carinhosa, Joseli batizou boa parte dos pratos da casa com o nome dos netos e também da sogra Gabriela. A mãe, falecida no ano passado, sempre que podia ajudava no restaurante. “Ela fritava os bolinhos todos nos domingos, sempre foi de agregar”, relembra.





Para a chef, cozinhar estreitou os laços com os filhos e netos. “A comida é uma forma de agregar a família. Quando comecei aqui, meu filho mais velho tinha 10 e o mais novo tinha seis. Não tive filhas, mas tenho duas noras muito queridas. Depois vieram os netos, que sempre estão presentes. O restaurante foi uma realização que eu nunca pensei. Eu estudei, casei, ia fazer faculdade mas meu sogro teve a ideia de abrir o restaurante. Eu hoje me sinto realizada”, comemora.
No Camponesa do Minho, o tempero é caseiro e acolhedor. Nas paredes, uma coleção de pratos portugueses que hoje possuem em cada um uma etiqueta discreta com o nome do familiar que vai herdar cada um depois que o restaurante finalmente fechar as portas.
Na cozinha e no salão, funcionários dedicados, que caminham com Joseli há anos. “São funcionários muito bons, são tão antigos que praticamente fazem parte de tudo”, revela.


Foram anos dedicados para servir pessoas, oferecendo qualidade e boa experiência ao paladar. “Por mais que eu me canse, é um cansaço bom. A vida é assim. Tem coisas boas e coisas ruins. Há fases difíceis e fases boas. Então eu paro, penso, e percebo que a fase aqui com o restaurante foi muito boa”, garante Joseli.
Em últimos dias de funcionamento, a chef recebeu amigos e clientes especiais que se despediram dos deliciosos preparos com bacalhau. Emocionada, Joseli abraçou e acolheu todos. Preparou o almoço como sempre, com muito capricho, e foi recebida no salão com aplausos. “Vamos sentir a falta do seu bacalhau”, comentou uma das clientes, emocionada.
“Hoje as coisas são rápidas. Tudo evolui muito rápido. Eu não tinha mais para onde seguir, tenho que me aposentar do restaurante. Foi uma época de freguesia boa. Os clientes que antes eram crianças, que vinham com os avós, hoje trazem os netos. Fiz casamento, noivado aqui, encontro de família. Eu gosto de cozinhar, faz parte da minha vida. Agora vou viver uma vida diferente”, encerrou a chef, com lágrimas nos olhos. Capítulo que se encerra feliz.

Serviço
Restaurante Camponesa do Minho
Endereço: Rua Padre Anchieta, 978 – Mercês
Abre neste sábado e domingo, das 11h30 às 15h e das 18h30 às 23 horas
Telefone: (41) 3336-1312



