Poderia ser apenas mais um amanhecer daqueles de tirar a “japona” mais pesada do guarda-roupa. Algo comum de se viver durante o ápice do inverno em Curitiba. Porém, aquele 17 de julho de 1975 contou com uma combinação natural perfeita, digna de países europeus. Quem não viveu, ao menos ouviu falar sobre o dia em que nevou na capital dos paranaenses.
Tudo começou ainda no dia anterior. Segundo Samuel Braun, meteorologista do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (SIMEPAR), na noite do dia 16, circulava pela região uma frente fria que vinha acompanhada de uma chuva densa.
No dia 17, em plena quinta-feira, os curitibanos amanheceram com uma leve garoa, mas com muito frio. Há quem diga que a temperatura se aproximava de 0°C por volta das 10h, explica Samuel. O céu encoberto não deu trégua, assim como a garoa que permaneceu durante toda a manhã.
Por volta de 12h, enquanto a cidade se preparava para a hora do almoço, os primeiros flocos de neve que viriam a ser relembrados ano após ano começaram a cair. Segundo Samuel, o volume de neve registrado naquele dia foi raro. Antes dele, Curitiba havia registrado uma nevasca tão grandiosa quanto em 1928. Porém, pela falta de registros da época, não há muitos detalhes sobre.
‘Vamos ao haras’
A curitibana Giovanna Surugi Tarquinio tinha quatro anos no histórico dia. A empresária se recorda que naquela quinta-feira gelada, ela, seus pais, a avó e uma prima foram em busca de um local diferente para apreciar o cenário que, aos poucos, ia ganhando cada vez mais forma. Ou melhor, uma única cor: branco feito neve.

O avô de Giovanna tinha um haras em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. O espaço era grande e “descampando”, segundo a empresária. Ao chegarem no local, ela e a prima brincaram livremente. O irmão de Giovanna que, na época, tinha cerca de um ano de idade ficou na casa da família em Curitiba. Para os pais, era um dia muito atípico para uma criança tão pequena.
No haras do avô eram criados cavalos Puro-sangue inglês. Por conta das baixas temperaturas, Giovanna se recorda que os animais tiveram que ficar bem presos nas cocheiras para que não sofressem com a nevasca.

A mãe de Giovanna, hoje com 75 anos, conta à filha que naquele dia, por sorte, ela tinha um filme fotográfico guardado o que permitiu fazer registros do momento. Porém, ao tentar comprar mais, ela se deparou com lojas com estoques esgotados devido a grande procura.
Hoje, onde ficava o haras da família se encontra o bairro Costeira e um pedaço do bairro Quissisana, em São José dos Pinhais. Giovanna afirma que seu espírito saudosista não permite que ela passe pelo local sem contar sobre aquele dia memorável. Sempre que pode, ela relembra os detalhes daquele lindo e congelante início de tarde.
“Até hoje, minha estação preferida é o inverno. Em 2013 teve aquela micro caída de neve, mas foi quase nada. Estou torcendo para que tenha novamente como aquela de 1975”, diz Giovanna.
O outro lado da história
“Neve aquece Curitiba”. Foi assim que a Tribuna do Paraná noticiou na década de 1970 o fenômeno nunca mais visto, pelo menos não com tamanha proporção, na capital.
Apesar de ser considerada, praticamente, um “patrimônio imaterial de Curitiba” pelos curitibanos, as temperaturas baixas registradas naquela semana também entraram para a história em todo estado. Entretanto, para além dos limites da capital, foi de maneira negativa.

O jornalista Adriano Justino produziu um documentário em 2010 sobre o que veio a acontecer no dia seguinte a neve, na sexta-feira, dia 18: a famosa “Geada Negra”. Conforme relembra Justino, naquele dia o norte pioneiro foi castigado pela natureza e amanheceu com seus cafezais devastados pelo fenômeno que, devido ao frio extremo, queimou muitas plantações de café.
Segundo a pesquisa do jornalista, o impacto daquela madrugada reflete até hoje, tanto em questões econômicas, quanto sociais. Através das entrevistas realizadas para o documentário, Justino se recorda de ter uma mudança de perspectiva sobre o que de fato representava aquele frio intenso registrado em 1975.
“O café dava dinheiro e as pessoas começaram a produzir cada vez mais. Tinha até mesmo incentivo por parte do Estado naquela época através de subsídios. Porém, haviam locais em que era muito arriscado ter produção de café, pois poderia sofrer esse tipo de problema meteorológico. Tanto é que aconteceu. Então, a neve foi super linda aqui na capital, no dia 17, mas no dia 18, ela destruiu o café no Paraná”. relembra o jornalista.
Após aquela sexta-feira, Justino ressalta que é perceptível observar um aumento no número de pessoas que migraram do interior para a capital. Além disso, nota-se o desenvolvimento da região metropolitana como cidades dormitórios, onde a população dorme, mas trabalha e vive grande parte do dia na grande metrópole.
Uma das lembranças mais marcantes do jornalista durante a produção do documentário foi uma entrevista feita por ele com o governador do Paraná da época: Jayme Canet. Segundo ele, o político era uma pessoa “durona”, mas ao falar sobre 1975 ele chegou a chorar no documentário ao lembrar do cenário terrível deixado por aquele inverno.
“Eu entrevistei ele e ele chorou. Ele foi um governador colocado pela ditadura militar em 1975. Então ele era um cara pego da elite que foi comandar um estado e só ouviu um: ‘Comanda aí essa fazendona chamada Paraná’. Quando pegamos as imagens da época e vemos ele nos lugares atingidos pela geada é visível a mudança na fisionomia dele”, relembra.
No documentário, o ex-governador está visivelmente abatido falando sobre o assunto. Ele afirma que, na época, chegou a chorar junto com os cafeicultores ao ver a tristeza deles.
Justino ressalta que, após o documentário, ele entendeu que o ano de 1975 não foi igual para todos.
“Sempre que eu exibia o filme e exibo ainda, tem gente que fala: ‘Nossa, foi na época da neve isso?’. E eu falo: ‘Foi um dia depois da neve’. Então, assim, no norte do Paraná, por exemplo, eles pouco sabem da neve de Curitiba. Eles sabem da geada”, afirma.
Haverá mais um dia como aquele de 1975?
Para alegria de uns e tristeza de outros, apesar das previsões do tempo durante o inverno apontarem com uma certa frequência a “probabilidade de neve”, o meteorologista Samuel Braun ressalta que a cada ano fica mais difícil Curitiba registrar novamente uma nevasca como a de 1975. Segundo ele, para que haja neve é necessário uma combinação muito específica de fatores climáticos.







Conforme Samuel, o processo para que haja neve é semelhante ao da geada. Para que ela ocorra é necessário que tenha um ar frio em um dia de céu aberto, sem chuva.
“Normalmente, durante a noite, há um resfriamento bastante intenso, mas amanhece com o céu aberto, e isso favorece a ocorrência da geada”, explica Samuel.
No caso da neve, ela ocorre da mesma maneira, porém precisa de umidade e de chuva para que ela apareça.
“Além do frio extremo, a gente precisa ter alguma precipitação. Ou seja, precisa ter alguma nuvem que produz a precipitação para que essa precipitação forme os cristais de gelo e, dessa forma, possibilite a ocorrência de neve. Foi isso que a gente observou na manhã do dia 17 de julho de 1975”,
De acordo com Samuel, o que foi visto em 1928 e em 1975 é raro, pois Curitiba está localizada em uma região que não facilita essa combinação perfeita para o fenômeno. É mais provável, segundo o meteorologista, que os curitibanos voltem a presenciar registros de neve como em 2013: pequenos flocos em um curto tempo.



