Quando o ponteiro do relógio marca 18h, o telefone toca ininterruptamente. Jônatas Galhardo de Miranda Barbosa, coordenador da Central de Encaminhamento Social 24h, é quem atende na maioria das vezes — e também quem liga. “Qual a rota?”, “algum novo protocolo?” e “estamos subindo tal rua” são frases recorrentes a cada ligação.
Em dias atípicos, quando a temperatura atinge ou fica abaixo de 8 ºC, a força-tarefa na Central é intensificada entre 18h e 1h para abordar pessoas em situação de rua na regional Matriz. Após esse horário, a equipe passa a assumir as demandas de outras regionais de Curitiba. A quilometragem aumenta na mesma proporção dos protocolos a serem atendidos.
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Incansavelmente, Jônatas divide a rotina entre o trabalho nas ruas e as demandas administrativas da coordenação. É na Central que comanda que chegam os protocolos da Central 156 e de diferentes autoridades. Cabe a ela, também, organizar as rotas fixas de abordagem, que incluem pontos como o Mercado Municipal, a rodoviária e a Praça Rui Barbosa.
No entanto, não basta a logística para que as abordagens tenham resultado, é preciso criar e manter vínculos com quem está nas ruas. Nesse processo, a persistência é uma das principais aliadas, como se fosse uma estratégia para tirar que vive nas ruas.
Na primeira abordagem feita pela Fundação de Ação Social (FAS), a resposta geralmente é negativa. Na segunda, já há dúvida. Agora, o estranho que estende a mão se torna um rosto familiar, que insiste em uma proposta benéfica. Com o tempo, é o próprio abordado quem se antecipa e pede acolhimento.
Quando as vans da FAS estacionam em pontos já conhecidos, como a própria Praça Rui Barbosa, é comum ver pessoas se aproximando por vontade própria para pedir abrigo nas unidades de acolhimento institucional.












Solidariedade aprendida
Servidor público desde 1992, Jônatas começou sua trajetória na Secretaria da Criança e do Adolescente e, em seguida, passou pela Secretaria da Educação. Em 2006, ingressou na FAS e passou a dividir o tempo entre as duas áreas. Atualmente, ele é o servidor mais antigo que está nas abordagens feitas pela FAS.
Desde a época em que trabalhava com jovens, entendeu que parte do processo de educação e de reinserção social passa por manter-se ocupado. “Mente vazia, oficina do diabo”, diz, relembrando uma frase sempre dita por sua mãe.
Com adolescentes, trabalhava com teatro. Com adultos, passou a adotar outras estratégias alternativas, também com atividades lúdicas. Alguns cantam, outros desenham, por exemplo. Esses métodos são importantes especialmente com quem convive com o vício em entorpecentes ou vê a rua como único refúgio após um ciclo de frustrações. “Quem procura atendimento precisa manter a mente ocupada para não pensar na rua”, afirma.
As abordagens vieram depois, mas foram suficientes para prolongar-se na memória. “Você lembra da época do ‘resgatão’?”, pergunta ao motorista da van. “Vixe, já faz um tempo”, responde ele. “É, eu sou daquela época. Aproximadamente, digo, tenho que olhar para confirmar. Não marco datas, mas já trabalhei em muita coisa”, diz Jônatas.
Em todos esses anos, ele aprendeu que até mesmo a solidariedade precisa de método, de tempo e de lugar. “As pessoas falam ‘quero ajudar’, mas até para isso existe uma forma correta. Quando você vem aqui e deixa um prato de comida no chão, você está ajudando aquela pessoa a permanecer ali”, explica.
Para ajudar alguém em situação de rua, o ideal é oferecer condições para que ela possa sair daquele lugar com dignidade, de acordo com Jônatas. “Temos que fazer com que ela tome um banho, sente-se à mesa e coma como qualquer outra pessoa”, completa.
Paixão pelo ofício e recorde de atendimentos
Até 1º de julho de 2025, a FAS já havia realizado 25.024 abordagens nas ruas de Curitiba. Dessas, 16.126 aconteceram na regional Matriz. Do total, 8.975 resultaram em encaminhamentos e 9.363 terminaram com respostas negativas.
Na noite de terça-feira (1º), quando Curitiba registrou sensação térmica de 2,1ºC, o trabalho bateu recorde: 1.590 pessoas foram acolhidas, o maior número desde a criação da FAS, em 1993. Na noite seguinte, quarta-feira (2), esse número foi superado: 1.604 pessoas acolhidas. Também houve recorde de protocolos abertos pela Central 156: foram 154 em uma única noite, na terça-feira.
Neste dia, do duplo recorte, a equipe da Tribuna do Paraná acompanhou as abordagens junto com Jônatas. Em um dos trajetos, o motorista da van resumiu em uma frase o que se tornava claro a cada parada: para trabalhar com abordagens, não é preciso ter estômago. É preciso ter coração.
“Me deixa, me deixa para morrer”
Jônatas lembra facilmente dos casos que mais o marcaram. Um deles foi o de um jovem, ex-funcionário de uma multinacional, que deixou tudo por causa do vício em drogas. Em uma das abordagens, ele pediu um copo descartável para buscar açúcar, um paliativo para controlar a abstinência.
Com a voz embargada, lembra também de outra mulher que lhe fez um pedido inesperado em uma abordagem: “me deixa, me deixa para morrer”. Jônatas a conhecia e acompanhava seu caso havia algum tempo. Ela sofria também com abstinência. Ele não compartilha se voltou a vê-la.
Mesmo diante de tantas situações complexas e, por vezes, de impotência, quando perguntado por que faz o que faz, ele para por alguns segundos. Com a voz embargada, responde apenas: “esse é o meu trabalho”.
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