Um levantamento do Sindicato dos Guardas Municipais de Curitiba (SIGMUC) apontou que, entre 2017 e junho de 2025, 343 guardas municipais foram afastados por transtornos mentais e comportamentais. “Os guardas estão adoecidos com todas as precarizações que foram feitas nos últimos anos contra a gente”, reclama João Silva*, servidor da categoria há seis anos.
As causas dos afastamentos são variadas, mas ligadas ao cotidiano da profissão. “A rotina é estressante. A carga horária é puxada. Muitas vezes você precisa procurar uma renda extra para completar o orçamento. Ouvimos falar de promoções, mas é sempre aquele ‘papo de chefe’”, desabafa.
No tempo de corporação, o trabalho de João se divide em atender ocorrências na rua, desde casos de violência até a segurança de acolhimentos institucionais. Só em 2025, foi o primeiro a chegar em três cenas de assassinato. “É uma coisa bem impactante”, resume.
Em situações extremas como essas, “a cabeça precisa estar no lugar” para concluir o trabalho. Entre os colegas afastados, os sinais de desgaste variam. Em alguns casos, o medo é de que uma reação descontrolada ocorra durante o atendimento de uma ocorrência.
Com 18 anos de serviço público, o GM Fábio Pereira* observa que o impacto do adoecimento não se restringe apenas ao servidor. “A tomada de decisões e a resolução de problemas são afetadas e isso acaba gerando situações até mais graves. Muitas vezes, quem deveria proteger age com descontrole”, explica.
Segundo Fábio, os próprios gestores costumam indicar, internamente, quando percebem a necessidade de um funcionário buscar ajuda especializada. No entanto, a adesão ao tratamento depende do próprio servidor. “Nem sempre é aceito bem pelo próprio GM, quando tem que ser afastado da atividade. Ele não se sente bem por estar sendo visto desarmado pelos próprios pares durante o tratamento.”
Acompanhamento psicológico
Antes de ingressar na corporação, os candidatos passam por uma avaliação psicológica conforme as normas do edital do concurso público vigente. No último edital, de 2015, a etapa era obrigatória e de caráter eliminatório, “com a finalidade de identificar as características e potencialidades em relação ao cargo e para o porte de arma de fogo”.
Depois de ingressar na carreira, o servidor é submetido anualmente a exames médicos e psicológicos. “Essa avaliação é feita por profissionais do nosso departamento e enviada ao médico do trabalho, que faz o acompanhamento de rotina”, explica a diretora do Departamento de Saúde Ocupacional da prefeitura, Fernanda Zwir.
Situações estressantes no trabalho são alerta
Chefias também são orientadas a encaminhar os servidores que vivenciam situações estressantes ou que apresentam alterações comportamentais para atendimento com psicólogos da própria prefeitura. A iniciativa depende, contudo, da aceitação voluntária do profissional. “Nada é compulsório, independentemente de ser no ambiente de trabalho”, reforça Fernanda.
Durante o tratamento, o porte de arma é retirado preventivamente. Após a alta médica, o servidor passa por nova avaliação com médicos, psiquiatras e psicólogos, que decidem em conjunto se ele está apto a retornar às ruas.
Um dos apelos do SIGMUC é que a prefeitura cumpra o previsto na Lei Federal Nº 14.531/2023, que complementa a lei do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). No texto, a lei determina que as corporações ofereçam acompanhamentos psicológicos específicos para os profissionais da segurança pública e defesa social.
“Com a alteração no SUSP, em 2023, foi instituído um programa de proteção social que contempla a proteção à saúde mental dos profissionais em segurança pública. Desde então, estamos cobrando a prefeitura. Precisamos de alguém específico para atuar dentro da corporação, assim como tem nas Polícias Militar e Civil”, explica Rejane Soldani, presidente do SIGMUC.
Segundo a diretora do Departamento de Saúde Ocupacional da prefeitura Fernanda Zwir, a prefeitura cumpre os princípios da legislação, ainda que com outro formato. “Grande parte do que a lei prevê, já atendemos de forma diferente, não com o mesmo nome, mas a função e o resultado é o mesmo. Fizemos uma equipe multifuncional para fazer essa análise com um médico, um psicólogo e profissionais de segurança do trabalho e serviço social para termos essa conclusão. Temos essa busca, não com um programa específico, mas todos são olhados individualmente”, diz Fernanda.
Perspectivas de carreira e exonerações
Para o guarda Fábio Pereira, a desesperança com relação ao futuro tem sido um dos fatores que contribui para a diminuição do número de efetivos na guarda. Um levantamento da SIGMUC indicou que, de 2017 até junho de 2025, 74 GMs protocolaram exoneração da carreira por vontade própria.
João Silva ingressou na Guarda no último chamamento do concurso de 2015. Passados alguns anos, avalia que muitos colegas enxergam mais perspectivas em outras instituições. Alguns ex-colegas já foram para as Polícias Civil e Militar, além de outras guardas da região metropolitana.
“Muitos dos nossos colegas começam a pensar que a única perspectiva é sair daqui. Não tem algo que retenha esse profissional. Eles não estão deixando de trabalhar na segurança pública. Eles estão deixando de trabalhar na Guarda Municipal de Curitiba”, afirma João.
Na prática, as promoções não acontecem
Para progredir na carreira, as Leis nº 13.769/2011 e nº 14.522/2014 estabelecem que o ingresso na 2ª Classe exige 10 anos de serviço, e na 1ª Classe, mais de 20 anos. As promoções podem ser verticais, com base em qualificação e habilidades, ou horizontais, conforme tempo de serviço e desempenho. O problema, segundo os servidores, é que as promoções não acontecem na prática.
“Se um guarda tem 20 anos de serviço, mas não consegue progressão, ele recebe menos do que deveria. A cada ano, mais atribuições são repassadas ao efetivo, sem aumento proporcional no número de servidores. Os poucos que estão lá atuam em todas as operações, sejam de trânsito ou de canaletas, entre outras”, completa Fábio.
E aí, prefeitura de Curitiba?
A reportagem da Tribuna do Paraná questionou a prefeitura sobre as reclamações e demandas apresentadas pelos servidores e pelo sindicato. Segundo a administração municipal, ao prestarem o concurso, os oficiais podem ser convocados para atuar em qualquer uma das regionais da cidade, conforme previsto no edital deste e de outros certames para carreiras municipais.
Em relação ao número de profissionais efetivos na Guarda Municipal, a Secretaria Municipal de Gestão de Pessoal (SMGP) informou que está elaborando um novo concurso com o objetivo de ampliar o efetivo da corporação. Ainda não há previsão para que o edital seja lançado.
A realização do concurso dependia da aprovação da Lei nº 16.541/2025, que altera os Planos de Carreira dos servidores públicos municipais. Segundo a prefeitura, esse processo exigia a aprovação da nova legislação porque é “complexo e maior do que o de outras carreiras municipais”.
E as gratificações?
Sobre as gratificações, a administração explicou que, conforme previsto no Plano de Carreira, elas dependem da realização de um procedimento interno para que o guarda possa ser promovido aos cargos de inspetor e supervisor. A efetivação desse processo está condicionada à disponibilidade orçamentária e financeira.
A prefeitura acrescentou ainda que todos os guardas recebem uma gratificação de 50%. Com isso, o salário inicial totaliza R$ 4.006,71, sendo R$ 2.671,14 referentes ao vencimento base e R$ 1.335,57 à gratificação.
*Os nomes dos guardas municipais são fictícios para proteger a identidade dos entrevistados
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