Em menos de 15 dias, uma família que vive há meio século no mesmo endereço, em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba, terá que deixar o terreno onde construiu sua história. O motivo é a duplicação da Rodovia dos Minérios (PR-092), obra gigante estadual que vai passar exatamente pela área onde ficam as três casas da família. O problema é que, segundo os moradores, o valor de indenização oferecido pelo Estado não é suficiente para que consigam adquirir imóveis do mesmo padrão e localização.

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Edneia Silva Pereira, de 42 anos, mora desde que nasceu na rua Raquel Cândido de Siqueira, próxima ao futuro entroncamento com a Rodovia do Calcário (PR-509). No mesmo terreno vivem o pai, o irmão e a irmã. A propriedade da família está incluída no projeto de revitalização da rodovia, que prevê o alargamento da alça de acesso nesse trecho.

“A gente mora aqui há muitos anos, e agora querem pagar um preço que não permite a compra de outro lugar próximo. Meu pai tem 82 anos, está sempre precisando de médico, cuidando da saúde, e eu não quero morar longe, onde não tenha hospital ou farmácia próximos para atender às necessidades dele”, conta Edineia.

A região é residencial, mas cercada de comércios e serviços como supermercados, farmácias, escola e UPA 24h. Tudo que garante qualidade de vida para a família, especialmente para o pai idoso e o filho, que é autista.

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“Tenho um menino que é autista e estuda no colégio aqui perto. Não quero mudar ele. Para um autista, trocar de escola e de ambiente é um sofrimento. Ele já não entende muito bem, e isso complica para nós. Essa é a nossa grande luta aqui”, lamenta.

Foto: Arquivo Pessoal.

Endereço da família será desapropriado

De acordo com decreto de desapropriação do Governo do Paraná, a área será utilizada para a duplicação e restauração da PR-092. Documentos enviados à família em setembro de 2024 e março de 2025 indicam o valor oferecido: R$ 661.727,05 por um terreno de 360 m².

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No local existem três casas de 140 m², 63 m² e 97 m². O valor proposto considera o terreno e as benfeitorias. O montante, no entanto, será dividido entre três núcleos familiares, restando cerca de R$ 220 mil para que Edineia compre outro imóvel.

A família contesta a oferta, afirmando que ela está abaixo do valor de mercado. Segundo o Instituto Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imobiliário e Condominial (Inpespar), terrenos na região custam entre R$ 800 e R$ 900 o m². 

Caso haja construção, o valor varia conforme o estado de conservação, mas geralmente é inferior ao do terreno. No caso de Edineia, considerando essa média e a área da propriedade, a diferença estimada para comprar outro imóvel equivalente fica entre R$ 86 mil e R$ 120 mil.

“Hoje em dia, para conseguir alguma coisa, não é fácil. A gente só pede que o governo olhe por nós e pague um preço justo. Não estamos exigindo dinheiro; eles podem nos dar uma casa com terreno, próximo de onde moramos. A obra é uma benfeitoria para todos, como eles mesmos disseram, e queremos ajudar para que o município cresça e as coisas aconteçam. Mas eles também não podem nos prejudicar, oferecendo um valor que depois não nos permita ter o mesmo no futuro. Essa é a nossa indignação”, completa Edineia.

Vídeo mostra como está a situação ao lado da casa de Edineia:

https://www.tribunapr.com.br/wp-content/uploads/2025/08/08135622/obras-rodo-dos-minerios-2.mp4

Jogo de interesses

O trecho da obra que atinge o terreno da família inclui a duplicação de 1.280m do perímetro urbano de Almirante Tamandaré e a construção de um viaduto no entroncamento com a PR-509. A desapropriação, prevista na Lei nº 3.365/41, é utilizada quando o poder público entende que uma obra trará benefícios coletivos, prevalecendo o interesse público sobre o particular.

“Nos casos em que houver interesse do Estado para benefício de toda a comunidade, uma parcela pode vir a sofrer diminuição de seu patrimônio, com direito a justa indenização, conforme consta no no art. 5º, inc. XXIV”, explica o advogado Mestre em Direito que atua com direito imobiliário e urbanístico, Lucas Raphael de Souza Mano

O processo de desapropriação segue etapas definidas. Primeiro, o imóvel é declarado de utilidade pública. Depois, os proprietários recebem a notificação com a proposta de indenização. A partir daí, pode haver um acordo direto ou o caso seguir para a Justiça.

Em alguns casos, ocorre a chamada imissão provisória na posse, quando o Estado assume o imóvel antes do encerramento do processo. Por fim, o juiz dá a sentença final e fixa o valor da indenização com base em perícias e documentos. O momento mais crítico para o morador é logo após receber a proposta. É quando começa a contar o prazo de 15 dias para apresentar recurso administrativo, caso discorde do valor ofertado.

O cálculo da indenização é feito a partir de um estudo da área, considerando o valor de mercado. São usados laudos técnicos e avaliações urbanísticas que levam em conta a localização e as possíveis benfeitorias. “É bem comum que as pessoas nessa situação considerem injusto o valor ofertado. Nesse caso, elas têm 15 dias, após a oferta, para se manifestar, declarando a sua insatisfação com o valor”, explica o advogado.

Se não houver acordo, a saída é recorrer à Justiça. Um perito avalia o imóvel para determinar o preço justo. Dependendo da obra, os moradores podem ter que deixar a casa mesmo com o processo em andamento. “Não é um problema para o resultado final, mas acaba impactando a organização financeira da família”, conclui o especialista.

Prazo batendo à porta

Temendo perder tudo, a família de Edineia decidiu aceitar a proposta. No entanto, nas últimas semanas, a família recebeu intimação para deixar o imóvel até esta sexta-feira (8), sem o pagamento. O advogado conseguiu estender o prazo de desocupação para 15 dias, contados a partir de terça-feira (5).

“Nosso advogado disse que pagariam 80% do valor nesse momento. Com isso, nós três mal conseguimos dar entrada em uma casa. Como vamos procurar algo em 15 dias sem ter nada em mãos?”, questiona Edineia.

Para garantir o valor, Edineia ainda teve que concluir o pagamento do IPTU da propriedade para gerar a certidão negativa de imóvel, que comprova a inexistência de ônus, como dívidas ou pendências financeiras. Com essa documentação, a família pode adiantar a solicitação do pagamento. 

Além de Edineia, outras famílias estão em situação semelhante. Segundo o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR), as obras na rua Raquel Cândido de Siqueira têm início imediato e aguardam apenas a liberação judicial das áreas afetadas. Neste trecho, cinco imóveis estão em processo de desapropriação.

E aí, autoridades?

Em resposta à Tribuna, o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR), vinculado à Secretaria Estadual de Logística e Infraestrutura, “os valores das indenizações nos processos de desapropriação são definidos com base em laudos técnicos elaborados por profissionais habilitados, de acordo com as diretrizes da ABNT NBR 14.653, considerando o valor de mercado dos imóveis, suas características físicas (terreno, benfeitorias, construções) e demais elementos previstos na legislação vigente”.

O DER-PR ainda completou que, após sua elaboração, os laudos são submetidos à apreciação e aprovação da Comissão de Avaliação e Desapropriação do DER/PR e, posteriormente, apresentados aos expropriados. Caso o expropriado não concorde com o valor ofertado, é assegurado o direito de discuti-lo judicialmente, conforme previsto na legislação.

Sobre uma possibilidade de reassentamento ou renegociação, o DER-PR disse que “em cumprimento ao que determina a Lei de Desapropriação, o proprietário é notificado, apresentando a ele a oferta de indenização. Nesta esfera, não é possível negociação. Em caso de recusa, a desapropriação se dá via judicial, onde o juiz é quem determina o valor a ser indenizado após a realização de perícia judicial.

Em caso de identificação de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, realizada por meio de Estudo de Sócio Vulnerabilidade, o DER/PR dispõe de uma Política de Reassentamento que é aplicada nos casos e modalidades previstas em lei.

Nos casos em que a desapropriação é judicializada em razão de discordância do expropriado quanto ao valor da indenização, o DER/PR realiza o depósito judicial do valor correspondente ao laudo de avaliação, ou ao maior valor avaliado – como é o caso da família mencionada, em que o DER/PR avaliou a propriedade em R$ 661.727,05, mas a avaliação prévia judicial apontou o valor menor de R$ 576.805,40.

Conforme o art. 33 do Decreto-Lei nº 3.365/41, o expropriado poderá levantar até 80% do valor depositado, mediante autorização expressa do juízo. O valor remanescente é liberado após a conclusão do processo judicial, com a definição final da indenização.

Os prazos para liberação do depósito estão sujeitos à tramitação processual e decisões judiciais, não cabendo ao DER/PR estipular datas fora do que está previsto nos autos“, conclui a nota.

Vídeo mostra como será a obra na importante rodovia da Grande Curitiba

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