Curitiba é considerada a capital “mais ecológica do país“. Porém, até mesmo onde é referência, o processo de separação e reciclagem de lixo enfrenta desafios, como a conscientização da própria população. Da Família Folhas à campanha SE-PA-RE, a cidade ainda tem muito o que aprender quando o assunto é reciclar o próprio lixo. Onde é possível melhorar? Você mesmo já se perguntou sobre isso?
De acordo com a Prefeitura de Curitiba, anualmente, a capital recolhe 25 mil toneladas de lixo. Desse total, 7,5 mil toneladas são de lixos recicláveis, ou seja, que podem vir a receber um destino mais sustentável.
Entre março a setembro, quando as temperaturas estão mais baixas, cerca de 1,8 mil toneladas de lixo são coletadas na cidade. Enquanto que, entre outubro a fevereiro, onde as temperaturas estão mais elevadas, são recolhidas, em média, três mil toneladas.
Conforme o município, leva-se em consideração que 70% de todo material recolhido pela coleta formal na cidade, independente da época, é enviado para a reciclagem. Ou seja, quando chega o inverno, por exemplo, o número de resíduos reciclados diminui em 60%. A produção de lixo também é um reflexo de questões sociais que permeiam o assunto.
(Nota da edição: anteriormente a Prefeitura enviou dados diferentes dos listados acima, causando uma imprecisão na interpretação das estatísticas. A correção foi feita apenas na manhã desta sexta-feira, quando o texto foi editado)
Diante de uma cadeia complexa, o processo todo engloba desde a coleta dos materiais recicláveis a transformação dos materiais em novos produtos. São etapas que envolvem tanto coleta, quanto triagem, processamento e transformação. Em cada uma dessas etapas há desafios a serem superados diariamente.
Coleta e triagem
Alysson Nunes Diógenes, Doutor em Engenharia Mecânica e professor do Programa de Pós Graduação em Gestão Ambiental da Universidade Positivo, explica que o desafio para tornar as cidades ainda mais ecológicas e sustentáveis começa ainda na casa de cada cidadão.
Segundo ele, a baixa conscientização da população contribui para que produtos que poderiam ser reciclados, no fim, não sejam.
“Às vezes o material está muito sujo, às vezes a coleta não é feita de forma adequada, falta estrutura por parte das prefeituras, ou, às vezes, é mais caro reciclar do que produzir um material novo. Então, nesses casos, alguns produtos não são reciclados”, explica.
Levando em consideração que, nem todo material reciclável, é de fato reciclado, o problema se mostra maior. Para entender o funcionamento da reciclagem na capital, a reportagem visitou uma das maiores cooperativas de reciclados de Curitiba, na comunidade Corbélia, na CIC. Quem acompanhou a equipe da Tribuna na visita foi o presidente Dirceu da Silva.

Ele conta que, atualmente, 21 famílias trabalham no local, de segunda a sexta, das 8h às 17h. Segundo Dirceu, todo o trabalho começa com a chegada do caminhão da coleta. Assim que o lixo é recolhido, ele passa pela esteira e cerca de 16 mulheres realizam a triagem do material recebido.
Nilce Aparecida Corrêa trabalha na cooperativa há 10 anos. Ela conta que o maior desafio enfrentado pelos cooperados é a falta de conscientização da população. Entre fraldas geriátricas, agulhas soltas, recentemente a equipe chegou a encontrar até mesmo um gato vivo preso dentro de uma gaiola.
“O caminhão chegou na sexta e fomos para casa. Chegamos na segunda, e vimos que tinha um gato dentro de uma gaiola que veio no meio do material. A gente abriu a gaiola e ele saiu, mas imagina quantos dias ali sem comer? Por pouco não morreu”, relembra Nilce.

Alysson ressalta que a reciclagem é um trabalho de extrema importância. É a partir dela que recursos naturais escassos podem ser recuperados, como vidro, plástico, papel e metal. Segundo ele, isso ajuda a reduzir a quantidade de lixo nos aterros, economizar recursos diretos da natureza e diminuir a extração excessiva de recursos naturais.
“Reciclar papel ajuda a preservar florestas, reciclar alumínio gasta muito menos energia do que produzir um alumínio novo, e, além disso, a reciclagem ajuda a diminuir a poluição de água, solo e ar”, ressalta.
Porém, para que isso ocorra de maneira eficaz, é necessário que haja conscientização. Dirceu ressalta que a campanha da Família Folhas, idealizada pela Prefeitura de Curitiba há mais de 30 anos, mas que passou por reformulações em 2022, contribui, mas ainda há muito o que refletir sobre o tema nas campanhas.
“Ainda continua vindo muita coisa que não é pra vir. Vem lixo orgânico, vem fralda, vem papel higiênico, o pessoal manda tudo que não era pra vir pra cá”, destaca Dirceu.
Escolhas que fazem toda diferença
Alysson explica que fatores econômicos também podem contribuir para que um material seja, ou não, reciclado. As latinhas de alumínio, por exemplo, tem alto valor de mercado e são recicladas em grande quantidade, assim como o vidro e o papelão limpo.
Porém, a maioria das embalagens mistas, como as caixas de leite longa vida, que têm camadas de plástico, papel e alumínio, elas têm muita cola, o que torna mais difícil reciclar. Outros exemplos, são os plásticos escuros e contaminados com resto de comida, como embalagens de salgadinho e café.

Dirceu também explica a diferença entre as garrafas pets. O famoso pet opaco não tem muito mercado o que torna ele muito barato. “Não compensa a gente vender, porque daí não paga nem o trabalho da prensa. Se fosse para a gente vender seria a R$ 0,15 o quilo”. Portanto, ao invés de ser reciclado ele é incinerado.
Este também é o caso das garrafinhas de água coloridas, por exemplo. Dirceu explica que para compensar a reciclagem deste material é necessário que haja muitas unidades do mesmo produto, o que é difícil ocorrer.
Tanto Alysson quanto Dirceu ressaltam: ao ir ao mercado, é importante que os consumidores priorizem embalagens simples e maleáveis, de apenas um material, retornáveis e reutilizáveis.
“Ao invés de pegar uma embalagem mais difícil da gente trabalhar, pega um que a gente possa dar um destino pra ele. Isso também reverte em dinheiro para quem trabalha com a reciclagem”, pede Dirceu.
Salário que ‘dá para sobreviver’
Atualmente, em Curitiba, existem 50 associações ligadas ao programa Ecocidadão que trabalham com a coleta e reciclagem de lixo. O programa foi criado pela Prefeitura de Curitiba em 2007 e possibilita a comercialização de materiais recicláveis às associações cadastradas.
Hoje, as 50 cooperativas são as responsáveis pela separação e triagem de 100% dos recicláveis da coleta seletiva de Curitiba. Além disso, são responsáveis pelo material entregue diretamente pela população ou por empresas e condomínios próximos aos barracões.
De acordo com Dirceu, ele e a equipe chegam a receber 100 toneladas de lixo mensalmente. Porém, a quantidade pode variar dependendo da época do ano. Enquanto no inverno, os trabalhadores acabam, muitas vezes, tendo que ir embora mais cedo por falta de resíduos. No verão, Dirceu destaca que a situação é completamente diferente e falta até mesmo espaço.
“Principalmente, no fim do ano, tem barracão que não consegue suportar tanto material. Aqui mesmo tiveram vezes que a gente tinha que ligar para cancelar o caminhão para não ficar do lado de fora o material. Isso porque, geralmente, as pessoas bebem menos no inverno, enquanto no verão se bebe mais refri, mais cerveja, né?”, explica.
Independente da época, Dirceu explica que uma coisa é fato: 30% do total recolhido pela cooperativa é perdido, sendo 25% encaminhado para incineração e 5% para o aterro, o destino correto de parte dos materiais enviados à cooperativa.
Assim que realizam a triagem, Dirceu explica que cada cooperativa é responsável por criar contatos com outras empresas que levarão os resíduos ao destino final. No caso da Corbélia, entre os principais parceiros estão:
- Votorantim, empresa de cimentos responsável por incinerar o material não reutilizado;
- Santa Luzia, empresa responsável pela compra do isopor coletado, na maior parte, a partir das marmitas recolhidas em presídios de Curitiba e que irá ser transformado em rodapé, por exemplo;
- Lagrisul, empresa especializada no comércio atacadista responsável pela compra de papel;
- Capital, empresa responsável pela compra de plástico e sucata;
- Ambipar, empresa responsável pela compra de cacos de vidro;
De acordo com o Atlas Brasileiro da Reciclagem de 2023, a remuneração média dos catadores associados/cooperados em Curitiba foi de R$1,4 mil em 2022. Na época, o salário mínimo era de R$ 1,2 mil. Atualmente, o salário destes profissionais gira em torno de R$ 1,8 mil.
A prefeitura contribui com a remuneração das cooperativas que fazem parte do projeto Ecocidadão conforme a quantidade de material recebido. Esse valor é utilizado apenas para cobrir as despesas do barracão, o valor para a remuneração dos associados vem todo da venda dos materiais separados por cada cooperativa, explica Dirceu.
Conforme dados do Atlas da Reciclagem, há uma variação de preços dos materiais coletados pelas cooperativas ao longo do ano e entre as regiões do Brasil. Em 2022, os preços médios variavam de R$ 0,28 para o vidro até R$ 6,45 para o alumínio. A Região Norte do país é a que registra os menores preços para a maioria dos materiais.
Segundo Dirceu, não dá para reclamar, pois o dinheiro ajuda a sobreviver.
“A gente queria mais, né? Mas, em vista de muitas empresas que você tem que ir longe, às vezes, tem que pegar dois, três ônibus para trabalhar, aqui nós estamos do lado de casa, então está bom assim”, explica.



