Crise de alimentos

De 3 a 5 de junho, em Roma, a FAO, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação, reunirá seus membros, chefes de Estado e de governo de 191 países, numa conferência sobre a segurança alimentícia mundial.

Jacques Diouf, diretor-geral da organização, considera que a alta no preço dos produtos alimentícios possui um impacto devastador na segurança de muitos povos e fere os direitos humanos. Ele se refere a inúmeros países onde a alta de preço do pão já provocou distúrbios, dentre eles Haiti, Mauritânia, Camarões, Burkina Faso, Etiópia, Indonésia, Egito, Marrocos, Costa do Marfim, Senegal, Madagascar e Filipinas. Forças armadas vigiam os cultivos e depósitos de alimentos no Paquistão e na Tailândia.

Na conferência de Roma, pretende a FAO arrecadar entre US$ 1,2 e 1,7 bilhão para a causa alimentar de povos pobres e em crise. No ano passado, as importações de cereais por países mais pobres aumentou 37%. Este ano estima-se que atingirá 56%.

Buscando uma causa para a crise, Robert Zoel-lick, presidente do Banco Mundial (Bird), considera que o forte aumento da produção de biocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa é um fator importante na disparada de preços dos alimentos no mundo. ?Os biocombustíveis são, sem dúvida, um dos responsáveis pelo aumento da demanda de produtos alimentares?, disse Zoellick em entrevista nos Estados Unidos. E acrescentou: ?Está claro que os programas públicos na Europa e nos Estados Unidos acarretam um aumento da produção de biocombustíveis, o que provocou a intensificação da demanda em produtos alimentares?.

Um exemplo é o preço do milho utilizado na produção de álcool. Ele dobrou nos dois últimos anos devido à forte demanda. As conseqüências ocorrem em cadeia, pois o milho serve para alimentação humana, animal e muitos outros estágios da cadeia alimentar.

Estas análises e posicionamentos da FAO e do Banco Mundial chocam-se com as declarações feitas na Holanda pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, a crise deve-se ao fato de que os pobres estão comendo mais no mundo. Nega que a produção de biocombustíveis tenha alguma coisa a ver com a crise e exemplifica com o Brasil, onde existem muitas terras ainda aproveitáveis, situação que, vamos convir, não é a de todos os países do mundo engolfados nesta crise alimentar. A própria Holanda é um exemplo eloqüente.

Também há de se distinguir a posição brasileira no campo dos biocombustíveis e a mundial. Aqui temos terras de sobra, se bem que não é só plantar e colher, pois diversos outros fatores influem na produção, inclusive a produtividade. Também é no Brasil onde o programa de biocombustíveis praticamente nasceu e onde parece estar mais adiantado. O problema, numa escala brasileira, talvez permita análises simplistas como a feita por Lula. Mas não parece adequada num exame da situação alimentar internacional.

A palavra fácil do nosso presidente tem o condão de encantar as massas que se reúnem nos seus comícios e têm acesso às suas entrevistas dentro do território nacional. Mas o exame de assuntos como o dos biocombustíveis, o uso de terras destinadas à produção de alimentos pelo milho, cana e outros insumos para a sua produção; as elevações de preços dos alimentos e sua escassez e outros problemas dessa ordem que estão ocasionando revoltas populares em tantos países pobres, merecem exames de maior seriedade.

Parece evidente que o que se apresenta como problema de somenos para o governo brasileiro é, na verdade, um problema de dimensões mundiais a ponto de preocupar o Banco Mundial e a FAO. E é indispensável que nesse quadro se insira, com seriedade, o nosso País, um dos maiores e mais importantes entre os em desenvolvimento e, não só para nós, mas para o mundo, o país do futuro.

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