Crise da abundância?

O presidente Lula precisa ouvir o que seu ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, está dizendo. Fazendeiro bem sucedido e com larga experiência no setor, ele adverte para duas ameaças que rondam a agricultura e que podem acabar com a euforia do governo de um momento para outro nesse setor de vital importância para a economia brasileira: a falta de uma estrutura adequada de armazéns para guardar o que a terra generosamente dá, e a ação impertinente do MST – Movimento dos Sem Terra, a criar tensão e conflitos no campo, de norte a sul.

No primeiro caso, o problema tem a ver – e se agrava -com a precária situação do sistema de escoamento das safras, seja pela via ferroviária, seja pela rodoviária ou fluvial. Enquanto faltam-nos trens, nossas estradas continuam mais parecendo picadas, sem que o governo demonstre preocupação ou interesse na solução urgente do problema. No segundo caso, a ação invasiva do MST já está produzindo – mais que incertezas – medo nos grandes produtores. O próprio ministro é quem pergunta: “Será que com a tensão no campo vamos conseguir atrair capitais?”.

Mais que as restrições orçamentárias que atingem todo o governo, a preocupação com o que fazer com as próximas safras está tirando o sono do ministro. Ele teme, por exemplo, o que chama de “crise da abundância” – uma crise decorrente da falta de valorização adequada dos produtos que, muitas vezes, apodrecem na roça ante a inviabilidade econômica da colheita e distribuição. Essa crise na agricultura – adverte ele -é muito grave. Desestimula o produtor e a conseqüência, no ano seguinte, geralmente, é o desestímulo e o abandono.

Esse fator, aliado à insegurança gerada pelo Movimento dos Sem Terra, constituem os dois gargalos que ameaçam a perspectiva de uma safra superior a 120 milhões de toneladas em 2004 – um marco já cantado por antecipação pelo governo Lula, ante a verificação do incremento nos índices de compra de insumos, sementes e tratores. O ministro preconiza a necessidade de um acordo entre o governo e os movimentos sociais para o encaminhamento definitivo da questão da reforma agrária. Neste acordo entraria a definição de tempo para que as reivindicações possam ser atendidas, uma vez que atualmente não existe dinheiro para realizar os assentamentos reivindicados. O ministro é pragmático: se não tem dinheiro, não adianta espernear. “Vale a máxima: quando o problema não tem solução, ele já está resolvido”.

Se o acordo é coisa possível (mas pouco provável, ante o rumo dos últimos acontecimentos), dependendo mais de vontade e de articulação política do governo, o problema relacionado ao escoamento e à silagem dos produtos requer maiores recursos e planejamento a longo prazo. A movimentação de cargas no Brasil depende basicamente das rodovias – em contraposição à ferrovia e às hidrovias, a opção mais onerosa, que mais aumenta os custos e também de mais custosa manutenção. Grandes investimentos são necessários, não apenas para consertar o que existe, mas também para a construção de novas estradas, em áreas onde a fronteira agrícola se alargou nos últimos anos. Para esses investimentos, o governo tem a esperança de contar com a participação de recursos externos. Estes dependem, por sua vez, da estabilidade política, ou da “paz no campo” – coisa que não está na pauta das lideranças do MST, mais preocupadas com o feijão no prato que com a safra de soja no porto.

Tem-se, assim, a repetição dos fatos que notabilizaram o setor agrícola brasileiro nas últimas décadas: a produção, na parte que depende dos produtores, vai bem, obrigado. O que vai mal é a parte que toca ao governo: política de silagem, de escoamento, obras de infra-estrutura que precisam ser pensadas a longo prazo. Louve-se a preocupação do ministro Roberto Rodrigues. Mas aqui é preciso mais que se preocupar. É preciso agir antes que São Pedro se zangue e negue ao Brasil inclusive a chance de uma… “crise da abundância”.

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