Covardia

O dia era o mesmo – 11 – também pela manhã, horário de grande movimentação de pessoas que se dirigiam ao trabalho. De repente, explosões, confusão, dor e mortes. Muitas mortes entre os ferros retorcidos dos trens e das estações de Madri, casa de Guernica. E a mesma interrogação na cabeça das pessoas: Quem tem coragem para fazer isso? A quem interessa? Qual o motivo? E por que não mostram o rosto feio que envergonha a condição humana?

No Velho Mundo massacrado por tantas guerras, a Espanha vive o pior ataque do terror sem rosto que inaugurou este milênio, num 11 de setembro, destruindo espetacularmente as torres gêmeas de Nova York. Lá como cá, líderes conhecidos manifestam-se indignados com a atrocidade e juram unidade na ação contra tanta covardia. Mas o medo cresce junto ao desespero. E a sensação de impotência também. Pouco importa a interrogação inicial – se foram islâmicos, se foram separatistas bascos. São loucos, isso sim. Quem fez, merece ser caçado até a última célula. A lei de talião (olho por olho, dente por dente) passa a ser invocada pelas nações, institucionalmente, já não pelas pessoas.

Por causa do terror, já tivemos guerra. E a guerra – filosofam alguns ensandecidos – justifica o terror. Nessa discussão sobre quem atirou a primeira pedra, a humanidade se afunda no caos. Até quando?

O Parlamento Europeu aprovou, horas depois do massacre de Madri, resolução estabelecendo o 11 de março como o Dia Europeu das Vítimas do Terrorismo. A Europa unida, assim como já fizeram os Estados Unidos, considera o terrorismo um ato criminoso e não político. Palavra de Romano Prodi, o presidente da Comissão Européia. Uma carnificina sem sentido. O terrorismo – disse o presidente do Parlamento, Pat Cox – é um câncer e necessita de uma resposta conjunta. Não haverá nenhum canto da Europa para o refúgio de terroristas. Todo dia é dia de caça a terroristas e ao terrorismo.

Levanta-se outra vez a voz de Bush, o senhor da guerra, para dizer que nenhum pretexto político pode justificar esse assassinato premeditado de inocentes. O mundo inteiro chora com a Espanha, mas também se pergunta: Quem será amanhã? E como será? Tal é a certeza de que a condenação não terá o efeito de colocar fim à loucura. Talvez a Itália, a França, talvez a Alemanha? No metrô, na embaixada, na praça? No supermercado? Ou na igreja? Quem sabe, no museu. Precisamos chorar pela humanidade assim encurralada pelas suas próprias contradições.

A Organização das Nações Unidas, certamente a máxima expressão do consenso mundial em casos como esse, vê no terror uma “ameaça à paz e à segurança”, e pede que os autores dos atentados sejam levados à Justiça. Mas onde estão? E quem são? Bin Laden faz escola também na sensacional fuga das potestades. Os outros, seus aprendizes, seguem-lhe com a face encapuzada. A ONU anunciou que está iniciando uma revisão de suas atividades para montar uma nova tática sobre como planejar, coordenador e executar futuras ações conjuntas para evitar novos ataques. Sabe-se que é quase uma missão impossível. Mas fazer alguma coisa é preciso. Assim como o navegar do poeta.

Em seu caminhar pelo tempo, o homem sente saudade da época em que, olho no olho, combinava com o adversário o dia, o local, as armas, a hora e as honras do combate. Cavalheirescamente morriam enobrecidos. Hoje a morte trivial desce de avião, anda de trem, sobe dos esconderijos e explode nas mochilas de passageiros cruéis. Ou vem amarrada à cintura de um viandante qualquer. Em qualquer lugar. Gastam-se fortunas pesquisando vestígios de vida em Marte, mas falece totalmente a capacidade de preservar a vida que existe aqui, já por um fio. Pobre homem, covarde e insensato.

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