Como vamos nos comportar na mesa da flexibilização?

Esta a questão lançada pelo advogado Nilton Correia, que tem intensa atuação no Tribunal Superior do Trabalho, durante o Fórum Internacional realizado por aquele Tribunal no início de abril. Presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT – e conselheiro da Associação Latino-Americana de Advogados Laboristas, Nilton Correia tem se notabilizado pelo firme posicionamento diante dos principais problemas enfrentados pela categoria, em especial diante do desmonte da legislação do trabalho. Eis alguns pontos da palestra do eminente advogado sobre flexibilização.

Flexibilização:

“E isto para nós é importante, temos de entender essa mecânica da reserva de mão-de-obra, porque temos de saber como vamos nos comportar na mesa de flexibilização. Se vamos ser passageiros desse novo navio negreiro, se vamos ser tripulantes, globalizantes ou globalizados. Qual será nossa postura diante da Mesa de negociação de flexibilização? O Presidente desta Corte, Ministro Francisco Fausto, tem uma expressão de acerto invejável, quando S. Ex.” diz que o Brasil foi globalizado. É verdade, globalizaram o Brasil. Isso é absoluta correção. E isto está acontecendo com diversos países. O segundo elemento fundamental está no fato de que, ao contrário do que antes acontecia, hoje a dominação de países por outro é mais asséptica, o que é permitido e facilitado pela mídia, e multiplica o processo de aculturação. Talvez, uma das maiores autoridades sobre isso, Marshall McLoran, diz que, hoje, invadimos culturas inteiras com pacotes de informações. Essa questão é de fundamental importância, porque estamos gerando seres homogeneizados, legiões de operários robotizados. A introdução de elementos culturais pode gerar danos severos e seguidos, para nossa apreciação de flexibilização”.

Modalidades de flexibilização:

“E são duas as modalidades de flexibilização apresentadas na prática: uma, a flexibilização real – esta no sentido de promover a atualização das normas, o rejuvenescimento das normas, a adequação das normas aos novos e atuais sistemas de produção, de tecnologia etc., ou seja, é o encontro entre a lei e as atuais ferramentas lato sensu. Nunca ouvi qualquer crítica a esse tipo de flexibilização, até porque é da dinâmica do Direito do Trabalho essa alternabilidade, essa sua adaptação, essa sua correção de rumo – sempre foi -, é da dialética do Direito do Trabalho. A segunda é a flexibilização irreal. Temos de considerar, ainda considerando a flexibilização efetiva, que é da adaptação, que hoje, talvez, metade desse auditório não sabe o que é uma mesa telefônica. É uma coisa horrorosa. Parecia um armário em cima da mesa, com uma colméia, cheia de fios, uma coisa pavorosa, um monstrengo com o qual a tecnologia acabou. Mas a telefonista não tinha direito ao adicional de periculosidade pela feiura, não era um adicional contra a poluição visual daquele aparelho, era pelos danos causados à sua audição. Isso mudou? O aparelho hoje é muito melhor, muito mais eficiente, muito mais bonito, mas há algum laudo médico afirmando que não causa danos? Então, nessa adaptação que tem de ser feita, tem de ser considerada, sempre, a saúde do trabalhador humano. A segunda flexibilização é a irreal ou predatória – esta expressão já foi usada aqui hoje – porque, embora mantendo a mesma denominação, tem por objetivo a supressão de direitos assegurados e, é claro, sempre tem feito isso contra os trabalhadores. Essa segunda modalidade de flexibilização supressora ou redutora de direitos, no Brasil, até agora, vem sendo realizada por três vias: a legislativa, a judiciária e a via negocial”.

Flexibilização e CLT:

“À flexibilização legislativa, ontem, o Dr. Arnaldo Süssekind fez uma menção com relação a diversas normas. Nesses últimos e derradeiros anos do Fernando Henrique Cardoso houve uma carga avassaladora e destruidora de direitos. Toda a tese dessa flexibilização apóia-se sempre na falsa notícia de que a CLT é um texto antigo, que estará fazendo 60 anos no próximo mês, e muito descritivo. A referência à data de aniversário da CLT visa distrair os incautos e tentar passar a idéia de que as alterações projetadas teriam por finalidade não a supressão, mas a atualização chamada com glamour de modernização, que assim traz um discurso mais acessível. Provavelmente, entre os diplomas codificados, a CLT é o que mais detém mudanças. O ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Benedito Calheiros Bonfim, recentemente, Ministro Francisco Fausto, fez um levantamento e assustou-se ao deparar com quase novecentas alterações, o que é capaz de desfigurar qualquer diploma legal. Novecentas alterações da CLT até hoje é muita coisa. Todo o corpo da CLT, que partiu de um eixo central, que era o da estabilidade, foi impiedosamente destruído, como já se falou aqui, com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A CLT foi tão deformada e aviltada que já não tem mais número de artigos a serem encaixados, passou-se a repetir números com letras, parecendo uma placa de automóvel agora. São tantas siglas que equivaleria a uma quantidade de cirurgias plásticas tantas vezes repetidas que permitiria a uma pessoa sorrir pelo umbigo. Seria impossível declinar, nesse espaço, a relação de normas que praticaram isso. A flexibilização pela via jurisprudencial é, igualmente, muito vasta. Vem de todos os Tribunais indistintamente. Nosso TST também é um exemplo de flexibilização, de produtor de uma gama de respeitáveis precedentes que marcam o avanço da flexibilização e redutora de direitos”.

Flexibilização negocial:

“Por fim, a flexibilização pela via negocial. Aqui, indiscutivelmente, está o grande debate a ser travado e, às vezes, algumas divergências, com alguns companheiros. Percebo que essa flexibilização no campo jurisprudencial e no campo legislativo sempre parte do pressuposto do acolhimento e da validação de ajustes coletivos. Portanto, o foco da comunidade jurídica está para eles. Temos de, por primeiro, definir se o Direito do Trabalho mantém ou não o caráter publicista que sempre o caracterizou, e, por segundo, caso tenha perdido seu caráter de ordem pública, teremos de estabelecer o que pode ser regulado no campo da contratualidade pelas partes. Quanto à liberdade de contratualizar – o Dr. Maurício foi muitíssimo feliz nesse ponto, quando disse que não podemos permitir, em uma luta de boxe, que alguém entre com o braço e o outro apenas com o rosto -, já foi referido por Calheiros Bonfim, que, por sua vez, se reportou a Sandro Pertini, que disse que um homem não pode ser considerado livre, se é mantido escravo de suas necessidades, o que ocorre diuturnamente aqui no Brasil. Quando nos introduzimos na legislação trabalhista, logo no art. 8.º, a CLT deposita sua afirmativa no sentido de que o interesse que deverá ser preservado e protegido é o público. O art. 9.º declina como nula qualquer alteração que prejudique os princípios da CLT. Temos a impressão de que a questão que é colocada para nós busca saber da possibilidade de ser criado ou alterado Direito trabalhista por ato de vontade”.

A grande flexibilização:

“A grande flexibilização que temos de produzir hoje é nos reinventarmos e retomarmos o projeto de crescimento nacional como tem repetido o Ministro José Dirceu. A grande flexibilização será investir maciçamente na educação como apontou o ex-Primeiro-Ministro da Holanda ao indicar que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social na Holanda deu certo, a partir do momento em que foi praticado durante cinqüenta anos, não havendo um único analfabeto na Holanda. Flexibilizar é humanizar a globalização e reumanizar o próprio homem. Flexibilizar é reincluir o ser humano em todos os projetos. O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, disse aqui, neste salão, em evento concorrido, que “os homens não foram feitos para as leis. As leis é que foram feitas para os homens”. Quando, nas eleições presidenciais do ano passado, a sociedade optou por mudar os paradigmas, escolheu que as leis servissem aos homens, escolheu fechar as cortinas do individualismo e retomar o caminho do coletivismo, de onde nunca deveríamos ter saído. Como diz Oliver Holmes, “o mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direção para qual nos movemos.” E a flexibilização do Brasil, sobretudo considerando o estágio sócio, econômico e cultural em que nos encontramos, tende a nos mover para o caminho que nos conduza não apenas a um estado de direito, porque todos, em princípio, são, mas a um estado democrático de direito, que é um estado social, o qual, por sua vez, poderá nos conduzir, em comunhão, à concretização do sonho de realizar e viver uma sociedade justa e solidária e viver nela. Essa é a flexibilização que ABRAT almeja e pretende” (A íntegra da palestra está no site da ABRAT – www.abrat.adv.br).

Edésio Passos

é advogado, ex-deputado federal, membro fundador da ABRAT. E.mail:
edesiopassos@terra.com.br

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