Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial: um capolavoro

Este caderno Direito e Justiça do jornal O Estado do Paraná anunciou, na edição de 27 de março de 2005, o lançamento da 2.ª edição do Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Poderia ser tão-só mais uma obra, mas não é. A aquisição e leitura dela não permita que se fique passível. É compreensível!

Afinal, tem-se, no Brasil, uma pequena tradição de que códigos sejam (seriamente) comentados. Tal fato não é novidade: nasce uma nova lei, surgem novos comentários, disponíveis no dia seguinte à promulgação (já não se espera a vigência mais) para o público consumidor, supostamente ávido para resolver seus problemas, decorrentes da falta de propedêutica e dogmática sérias nas academias e faculdades. É o já famoso prêt-à-porter jurídico, nada a dever e tudo a ver! com a proliferação indiscriminada de indústrias estudantis, como se o mercado fosse um grande preceptor e a necessidade tão grande.

Há, contudo, honrosas exceções, obras pensadas e, mais que isto, maturadas ao longo do tempo, cujo motor de arranque é a pesquisa, corretamente entendida em seu sentido acadêmico. Como exemplo, no Brasil, podem-se citar os célebres comentários de Hungria e Eduardo Espínola. Depois disso, perdoem os autores, não se consegue lembrar de outras obras que dedicassem um espaço para a análise percuciente e detida sobre temas tão complexos que afetem irreversivelmente a liberdade dos outros, sem embargo da praticidade do Código Penal Comentado de Celso Delmanto.

Com os avanços da Internet, tornou-se possível acrescentar à análise doutrinária e crítica se feita de forma inteligente, naturalmente , um ingrediente explosivo: as decisões jurisprudenciais. Afinal de contas, todos sabem ou deveriam saber que a prática, infelizmente, é um pouco diferente da teoria. Basta ver que da tese de livre-docência de Heleno Fragoso (A conduta punível, de 1961, inteligentemente seguida por Alcides Munhoz Netto, Luiz Alberto Machado, Luiz Luisi e outros), sobre o finalismo até sua suposta adoção pelo Código se foram alguns anos; aliás, vão-se, como se pode perceber de algumas decisões que hesitam em reconhecer o caráter pretensamente ontológico da ação e suas conseqüências na prática forense. Há, nas terras pátrias, uma falta de debate prático sobre questões teóricas. Culpa de todos, um pouco por falta daquelas exceções (Hungria, Espínola etc.) e pelo excesso das regras (em verdade marcadas por uma inegável falta de qualidade) nos comentários.

Para tais honrosas exceções diriam os americanos: para o hall of fame, e não para o hall of shame , faz-se necessário, sobretudo, tempo e estudo. E foi assim que em 1997 um grupo de pesquisadores se reuniu para se dedicar à análise doutrinária e jurisprudencial do CPP. Aquele, de 1941, fascista, mas a grande vedete do dia, ainda em uso e com pequenas plásticas aqui e algum botox acolá, com as indesejadas e inúteis reformas parciais, que nada resolvem e a poucos acomodam.

A coisa não é por aí e eles provaram seu ponto. Em 1997, Alberto Silva Franco e Rui Stoco coordenaram Carlos Vico Mañas, Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, Fauzi Hassan Choukr, José Silva Júnior, Luiz Carlos Betanho, Márcio Lauria Filho, Maria Fernanda Podval, Maurício Zanoide de Moraes, Roberto Podval, Sebastião Oscar Feltrin, Sérgio Mazina Martins, Tatiana Viggiani Bicudo e Wilson Ninno. Nasceu a obra CPP e sua Interpretação Jurisprudencial, editada pela RT.

Na ante-sala estava a seriedade e dedicação científica de Alberto Silva Franco, este monumento democrático que sempre honrou a magistratura e hoje dá a vida pelo IBCCrim Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ao qual todos deveriam se filiar. Ali está, por exemplo, a melhor biblioteca de livros novos da área criminal do país, aos filiados plenamente acessível online: consulta-se pela Internet, escolhe-se o que se quer e imediatamente o texto é fotocopiado e remetido por correio, para qualquer lugar ao custo das fotocópias e postagem. Pois bem, desde sempre este gentleman que é Alberto ficha sentenças e acórdãos, glosando-os sobre o mais interessante. É deste arsenal, assim, que surgiu a base para o CPP e sua Interpretação Jurisprudencial, obra única e indispensável para quem não se contenta com o novo verniz das coisas.

Logo se provou para os saudosistas que algo de novo poderia nascer e ser bem-vindo. No horizonte há esperança, diriam. O caráter criterioso da obra é indispensável a qualquer um que deseje se enveredar pela área que é responsável por colocar os seres humanos em jaulas, como diria Binder. Quem nunca se utilizou dela para fundamentar alguma apelação, razões ou recurso especial e extraordinário está andando pelo caminho errado.

E a 1.ª edição se esgotou. A procura pela obra era inútil, pois não se conseguia a achar em nenhuma livraria e quem a tinha não a cedia, porque sabia de seu valor. Começou-se a aventar a possibilidade de uma nova edição, revigorada pela experiência e acrescida de valorosas contribuições, que só o tempo pode trazer.

Prova de que se não trata de algo comercial, mas, sim, pensado e refletido, é o tempo que trás: foram-se 7 (sete!) anos desde a primeira edição. O que eram dois volumes, tornaram-se cinco, densamente compilados e organizados pelos mesmos reitores de antes, agora regendo uma renovada orquestra: Carlos Vico Mañas, Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, Jefferson Ninno, José Silva Júnior, Luiz Carlos Betanho, Maria Fernanda Podval, Maria Theresa Rocha de Assis Moura, Maurício Zanoide de Moraes, Roberto Podval, Sebastião Oscar Feltrin, Sérgio Mazina Martins e Tatiana Viggiani Bicudo.

A orquestra, por sinal, vem acompanhada de um CD-ROM, pelo qual se pode navegar e encontrar facilmente o assunto desejado, com as análises preliminares doutrinárias e, em seguida, as decisões dos tribunais sobre o tema.

Até que enfim, presenteou-se (e o presente não é de grego!) o público brasileiro com algo de qualidade, digno de registro nas páginas históricas do processo penal nacional.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é advogado, professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da UFPR, doutor (Università Degli Studi di Roma La Sapienza), chefe do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da Faculdade de Direito da UFPR, representante da área de Direito junto à Capes.

Edward Rocha de Carvalho é advogado, professor de Direito Penal na Faculdade de Direito da UFPR, mestrando (UFPR), membro da AIDP – Associação Internacional de Direito Penal. 

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