Relator pede a cassação de José Dirceu

Brasília (AE) – O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) recomendou ontem ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara a cassação do deputado José Dirceu (PT-SP). Ao longo da leitura das 62 páginas do parecer, Delgado afirmou que o "mensalão" existiu e atribuiu a Dirceu responsabilidade política pelo esquema organizado pelo ex-secretário nacional de Finanças e Planejamento do partido Delúbio Soares e pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Uma nova manobra – protagonizada pela deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), que pediu vistas do texto logo depois da apresentação – adiou para sexta-feira (21) a votação do documento.

"Não é eticamente concebível e muito menos crível que um parlamentar com tamanho poder de decisão e capacidade de articulação em seu partido e no governo tenha permitido que o maior esquema de corrupção do sistema político pelo sistema econômico de que o País tem notícia tenha sido idealizado e praticado por correligionários seus e pessoas de seu relacionamento sem que ele (Dirceu) soubesse, controlasse e coibisse", diz Delgado no voto.

A cassação de Dirceu, que acompanhou tenso as três horas de sessão do conselho, "se impõe como meio de restaurar a dignidade e a credibilidade" da Câmara, sustenta Delgado. Segundo o presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), apenas o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje, de um mandado de segurança apresentado pelos advogados do ex-ministro da Casa Civil, pode impedir a votação do pedido de cassação, na sexta-feira. "Espero que o STF não interfira, indevidamente, no processo legislativo", declarou Izar, que definiu o parecer de Delgado como "muito consistente". Segundo Izar, "não há dúvida" de que Dirceu quebrou o decoro parlamentar. O futuro do ex-ministro pode ser decidido em votação secreta do plenário da Câmara na próxima semana.

No STF, Dirceu argumenta que não pode ser processado porque não exercia o mandato parlamentar no período em que ocorreram as irregularidades. Mesmo licenciado do mandato, no exercício do ministério, o relator sustenta que Dirceu está sujeito às normas do decoro e as violou ao "fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação", entre outras razões, como tráfico de influência.

Delgado cruzou as datas de votações importantes na Câmara com os saques efetuados nas contas de Valério, os empréstimos concedidos ao PT e dados da quebra dos sigilos telefônicos dos investigados. O deputado destaca que, entre janeiro e maio de 2004, foram sacados R$ 9.622.806,94 do "valerioduto"; em junho do mesmo ano, o empresário bancou R$ 247 mil para o PT. "Nesse período, foram votadas no Congresso medidas provisórias (MPs) que enfrentavam muitas resistências, como a do PIS-Pasep, do Cofins, a da Biossegurança, a da antecipação da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico)", informa o documento, que ainda relaciona a aprovação da MP 113, que liberava a comercialização da safra de 2003, com transgênicos, à atuação de Valério, em maio de 2003.

Delgado também destacou o empréstimo cedido pelo Banco Rural à ex-mulher de Dirceu, Ângela Saragoça, bem como o emprego que ela conseguiu no Banco BMG por interferência de Valério. "Bastou que a senhora Angela Saragoça pedisse ajuda ao ex-marido o então todo poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu para que em aproximadamente três meses sua vida desse uma volta de 180 graus, ficando, pelo menos financeiramente, resolvida. Diante da participação do senhor Marcos Valério nesses episódios da vida particular de José Dirceu, é inconteste a proximidade entre ambos", afirma trecho do parecer.

Para o relator, o aparecimento do nome de Roberto Marques, "assessor informal" como beneficiário de saques nas contas de Valério – mesmo que o dinheiro não tenha sido sacado por ele – é outra prova do envolvimento entre Dirceu e o empresário. Delgado ressalta a troca de telefonemas entre Delúbio e Marques, assim como entre o ex-ministro e o assessor informal no período em que ele foi autorizado a sacar R$ 50 mil das contas da agência de publicidade SMP&B, em meados de junho.

Delgado cita no relatório trechos do depoimento de Dirceu no qual aponta as contradições no relacionamento entre o ex-ministro e Valério, bem como a concessão de benefícios para bancos ligados ao PT. Para ele, os Bancos Rural e BMG tiveram pontuais benefícios no governo Lula. Por exemplo: logo depois de emprestar dinheiro para o PT, o BMG passou a liderar o empréstimo consignado de aposentados, graças a uma medida provisória e cresceu 233%, sendo hoje um dos 50 maiores bancos do País. "O histórico dessa operação deixa algumas dúvidas quanto à lisura do processo." O Rural, que também emprestou ao PT, por sua vez, passou a receber aplicações do Petros, o fundo de pensão da Petrobras.

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