Processo de Dirceu abre crise entre Legislativo e STF

Os integrantes do Conselho de Ética da Câmara rebelaram-se ontem contra as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que têm beneficiado o deputado José Dirceu (PT-SP). Durante a sessão para leitura da nova versão do parecer que pede a cassação do mandato do ex-chefe da Casa Civil, o relator do processo, Júlio Delgado (PSB-MG), até agora comedido nos comentários sobre as decisões do Judiciário, foi o mais contundente. Considerou a determinação do ministro do STF Eros Grau de que o relatório fosse reescrito mais uma vez e lido em sessão do Conselho ?apenas uma encenação enfadonha e quase teatral?. O relator chegou a pôr em dúvida os critérios para escolha dos ministros do Supremo e a imparcialidade dos magistrados. No centro da discórdia, estão os insistentes recursos feitos ao Supremo pelo advogado de defesa de Dirceu, José Luis de Oliveira Lima.

Para Delgado, a ?decisão monocrática? de Eros Grau contrariando decisão coletiva do Conselho de Ética ?faz ruir a harmonia? entre os Poderes Legislativo e Judiciário. Antes da longa leitura de seu parecer, Júlio Delgado prosseguiu nas críticas ao ministro do Supremo e aos advogados de defesa. ?Ao dar prazo a estas manobras meramente protelatórias, o ministro do Supremo agrada sim a uma minoria de procedimentalistas autistas, mas, de outro lado, frustra os princípios da celeridade e economia processual e deixa em desalento a sociedade brasileira.? Disse ainda que a decisão ?traz à tona velhas discussões a respeito do critério constitucional de investidura no cargo de ministro da Suprema Corte e a suposta parcialidade que dele pode advir nas decisões de cunho político-ideológico?.

Em tom dramático, Delgado disse que não ousaria descumprir a determinação judicial ?por vaidade pessoal ou outro valor desta estirpe?, sustentou que os dados sigilosos retirados do relatório final ?permanecem nas mentes e nos corações desiludidos dos senhores (integrantes do conselho) e de grande parte do povo brasileiro? e encerrou: ?Nenhuma forma de censura, nem mesmo o poder irresistível da toga, é capaz de fazer dobrar a verdade.?

Eros Grau foi relator de um mandado de segurança e de um embargo declaratório (pedido de esclarecimento de decisão judicial) feitos pela defesa de Dirceu semana passada, no Supremo. No primeiro, Dirceu conseguiu a retirada de dados sigilosos do parecer de Júlio Delgado. No segundo, o deputado obteve a anulação da sessão da última quinta-feira, em que o Conselho impôs fragorosa derrota a Dirceu, com aprovação da recomendação de cassação do mandato por 13 votos a 1.

O presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), fez coro aos protestos de Júlio Delgado, ao anunciar sua ?revolta? com os erros apontados pelo Supremo. ?Há uma interferência indevida no Poder Legislativo. Uma coisa que revolta é que estamos trabalhando há muitos meses, nos empenhando, e vem gente dizer que houve erro. Não houve erro nenhum. Seguimos as normas da Casa e a Constituição. O deputado José Dirceu tenta se salvar mas é nosso papel sermos rígidos?, insistiu Izar.

Os deputados Jairo Carneiro (PFL-BA) e Edmar Moreira (PFL-MG) cobraram uma reação do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), em defesa do Poder Legislativo. ?Está faltando ao presidente da Casa e do Legislativo como um todo um protesto, a demonstração do inconformismo diante da interferência indevida do Judiciário no Legislativo. Somos quase perfeitos idiotas, só os do lado de lá têm razão?, bradou Moreira.

Jairo Carneiro sugeriu que seja apresentada uma emenda constitucional proibindo que uma decisão colegiada da Câmara seja anulada pelo voto de apenas um ministro do Judiciário. ?A concessão de liminar com referência a decisões coletivas de qualquer órgão do Legislativo não poderá ser monocrática. O peso da deliberação de um Poder da República não pode estar sujeito à manifestação isolada, por mais sábio que seja o juiz?, disse Jairo Carneiro, relator do processo que resultou na cassação do mandato do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).

Conselho de Ética pede prorrogação de 45 dias

Brasília (ABr) – O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara aprovou ontem requerimento do presidente Ricardo Izar (PTB-SP) pedindo prorrogação, por 45 dias, dos trabalhos do colegiado para apreciar os processos que pedem a cassação dos deputados José Dirceu (PT-SP), Sandro Mabel (PL-GO) e Romeu Queiroz (PTB-MG). O prazo para apreciação dos processos pelo conselho terminaria em 8 de novembro. A prorrogação precisa ser aprovada em plenário, por maioria simples, isto é, voto favorável de metade dos presentes mais um, desde que estejam na sessão pelo menos 257 deputados.

Segundo Ricardo Izar, o pedido é preventivo, já que os parlamentares que integram o Conselho de Ética pretendem concluir os trabalhos até essa data. ?Apesar de tais processos já se encontrarem em fase de finalização no âmbito do conselho, eles põem em risco a possibilidade de conseguirmos concluir os trabalhos dentro do prazo original, uma vez que eventuais pedidos de vista dos pareceres apresentados deverão adiar a apreciação para depois dessa data?, explicou Izar.

Manobra dá prazo de mais duas sessões para deputado

Brasília (AE) – O deputado José Dirceu (PT-SP) ganhou ontem, no Conselho de Ética, o prazo de mais duas sessões ordinárias da Câmara antes da votação do parecer do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que recomenda a cassação do mandato do ex-ministro por quebra de decoro parlamentar. O presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP) atendeu pedido de vista (prazo para análise) da deputada petista Angela Guadagnin (SP), única aliada de Dirceu no conselho. Izar disse que pretende pôr em votação o parecer de Delgado na manhã de sexta-feira. Para isso, será preciso que haja quórum mínimo de 52 deputados nas sessões ordinárias de hoje e de quinta-feira.

Izar apelou a todos os conselheiros que estejam na Câmara nestes dois dias. Pediu ainda aos líderes de partidos que mobilizem pelo menos parte de suas bancadas, evitando que não haja sessão na quinta-feira, dia seguinte ao feriado. O parecer de Delgado foi lido ontem pela segunda vez. Ao final da leitura, a deputada petista pediu vista e foi atendida. Mesmo assim a data da votação em plenário da eventual cassação está mantida para 9 de novembro. Serão necessários pelo menos 257 votos para cassar o mandato do ex-ministro e torná-lo inelegível por oito anos.

 

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