CPMF não é indispensável para saúde e programas sociais

São Paulo – A Contribuição Provisória Sobre a Movimentação Financeira (CPMF) expira este ano. O governo defende a continuidade da contribuição que arrecadou, no ano passado, recursos da ordem de R$ 32 bilhões, mas sua prorrogação precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que a votação da prorrogação da CPMF até 2011 deve ser concluída até o fim deste mês. Segundo ele, a oposição tem feito obstruções em protesto contra a continuidade do imposto do cheque, mas alguns acordos já permitiram avanços para destrancar a pauta do plenário.

A CPMF surgiu inicialmente em julho de 1993, sob o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), com a finalidade de custear a saúde pública brasileira. Em 24 de outubro de 1996, já sob a sigla de CPMF, foi instituída pela Lei nº 9.311, sancionada por Fernando Henrique Cardoso e tem sido mantida desde então. Modificada por sucessivas leis, teve sua alíquota inicial (0,25%) elevada para 0,38%.

O governo federal tem defendido a manutenção da cobrança do tributo alegando que o dinheiro arrecadado é servido para programas sociais e para custear a saúde pública, mas entidades como a Federação das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp), a Ordem dos Advogados do Brasil paulista (OAB-SP), o Centro das Indústrias do estado de São Paulo (Ciesp), entre outras, têm feito campanhas nacionais pelo fim da CPMF.

O advogado e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-SP, Walter Carlos Cardoso Henrique, em entrevista à Agência Brasil, defende o fim da cobrança da CPMF e diz que o dinheiro que o governo arrecada, independente da CPMF, já seria suficiente para cobrir os gastos sociais e com a saúde. ?O que o governo federal já arrecada é mais do que suficiente para qualquer tipo de medida bem feita. O que não dá mais para aceitar é a tributação exagerada sem retorno algum?, avalia.

Confira trechos da entrevista:

Agência Brasil: Por que a OAB defende a extinção da cobrança da CPMF?
Walter Carlos Cardoso Henrique: A tributação é um ato de cidadania, não é um ato unilateral do governo que procura apenas se enriquecer. Através da tributação, o cidadão contribui individualmente para com a coletividade. A CPMF é um tributo como outro qualquer e com efeitos duvidosos com relação à economia. O Brasil não tem a titularidade, a autoria desse imposto sobre a movimentação financeira. A Austrália já instituiu e extinguiu. A Inglaterra já teve algo similar e outros países também. Todos os países que tiveram experiências similares cancelaram esse tipo de tributação. E o Brasil passa por um momento interessante. A Receita Federal do Brasil vem acumulando, ano após ano, recorde de arrecadação. O quanto é arrecadado com a CPMF não é totalmente utilizado em saúde. O ganho vegetativo da arrecadação já é superior ao que é arrecadado com a CPMF. O governo diz que a CPMF é importante para a saúde, para os gastos sociais… Acho que é algo sem fundamento porque, mesmo com ganhos de arrecadação fantásticos e com a arrecadação mantida da CPMF, o Brasil vem registrando recordes em déficit de saúde. É só se verificar a situação da dengue que agora está ganhando um ar mais perigoso, uma situação mais grave. Então é muito difícil aceitar uma tributação sob a desculpa de que o dinheiro vá para a saúde no momento em que a arrecadação é marcada por recordes e o dinheiro é, efetivamente, mal utilizado.

ABr: O ministro da Fazenda Guido Mantega vem dizendo que é necessário se manter a cobrança da CPMF porque, do contrário, se diminuiriam os investimentos com saúde e com os programas sociais. Como o senhor analisa esse argumento do ministro?
Henrique: O que se defende é uma gestão efetiva, uma gestão transparente. Arrecada-se muito. E como se arrecada muito e de qualquer jeito, o dinheiro é gasto de maneira desrespeitosa, de uma maneira desenfreada e é mal utilizado. O problema da saúde não se resolve com a CPMF. Quanto mais dinheiro for dado ao governo, mais dinheiro vai ser gasto e efetivamente nós não temos retorno algum. Então, qualquer político ou auto-executivo do governo brasileiro que venha justificar a manutenção da CPMF como uma coisa essencial para a saúde, para a seguridade social, etc., está agindo e defendendo a posição do governo, não do estado brasileiro. O governo é composto por nossos representantes e eles já vêm, dia após dia, dando demonstrações de que o nosso dinheiro é mal utilizado. A Receita Federal do Brasil registra recordes em cima de recordes com relação à arrecadação. O dinheiro da CPMF é mal utilizado do mesmo jeito. Se o dinheiro da CPMF fosse tão essencial, nós não teríamos tantas crises como nós estamos vendo diariamente na saúde do país.

ABr: Quer dizer: o senhor defende que a própria arrecadação do governo, independente da cobrança da CPMF, deveria contribuir para financiar a saúde e os programas sociais?
Henrique: Sem dúvida. O que o governo federal já arrecada é mais do que suficiente para qualquer tipo de medida bem feita. O que não dá mais para aceitar é a tributação exagerada sem retorno algum. Tributação é cidadania. Eu pago, você paga, todos nós pagamos e todos nós estamos tendo retorno. Não é possível que todo mundo continue pagando e continuemos não tenho nenhum retorno. Discurso envolvendo CPMF à saúde é mais um discurso de caráter econômico do que social.

ABr: Quem sairia prejudicado com a manutenção da CPMF?
Henrique: Todos, até o próprio governo, porque os juros com a rolagem da dívida pública têm a CPMF no meio. Todos nós contribuímos e não temos retorno. A situação é muito curiosa porque, estudos feitos pela Fiesp (Federação das Indústrias do estado de São Paulo), pela OAB e pelas entidades que fazem parte do Fórum Permanente de Defesa do Empreendedor apontam para um custo mais elevado da CPMF nas classes inferiores, menos afortunadas, do que nas classes mais abastadas. Em outras palavras: quem mais paga CPMF no país é a classe assalariada, menos afortunada. E isso é um descompasso inaceitável.

ABr: O governo deveria criar um novo tributo para substituir a CPMF?
Henrique: A saída não está em nova tributação. A saída está em gestão. Mais importante do que sabermos de cor o nome do secretário da Receita Federal é sabermos o nome do ministro do Planejamento, que nem todos sabem. O que importa é gestão. Dinheiro há, dinheiro existe. Tem que ser bem utilizado.

ABr: O Presidente Lula defendeu hoje (06) a cobrança da CPMF, dizendo que ela é um imposto que fiscaliza e que as pessoas que pensam em extingui-lo deveriam propor um novo tributo para colocar no lugar. O que o senhor pensa a respeito das declarações do presidente?
Henrique: A sociedade brasileira, quando aceitou a CPMF como tributo provisório, aceitou a tributação como algo passageiro. Algo aceito como passageiro não pode ser perene. Se o governo não fez a lição de casa, até quando nós, do povo, vamos ter que fazer, por eles, o que eles não fazem por nós? É difícil. Acho que é o peso do custo político: vazio de conteúdo.

ABr: A CPMF, que foi criada em 1996, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já cumpriu o seu papel?
Henrique: Exatamente. A CPMF, se não me engano, tem 11 anos e se cogita a prorrogação por mais dez (anos). Para algo que surgiu como provisório, completar a maioridade após 21 anos é algo sem sentido. Volto a falar e insisto: a tributação é algo sério: é o particular colaborando para o dinheirinho do bolso da coletividade. A CPMF teve uma função importante quando surgiu lá atrás com a desculpa e o fundamento do dinheiro ser destinado à saúde. O que não dá mais para aceitar é ver o dinheiro não ser utilizado integralmente na saúde, o governo federal ter recorde de arrecadação em valores superiores ao quanto é arrecadado com a CPMF e, mesmo assim, dizer que esse tributo é essencial para a saúde. Todos nós acompanhamos a situação do povo brasileiro. Todos nós passamos por isso ou temos alguém próximo que não tenha (direito à) saúde como teria que ter. É uma situação muito cômoda falar em tributação, em trocar a CPMF por outro tributo. Tributação já há em índices e cargas mais do que suficientes.

Voltar ao topo