Uma caixinha de amoxicilina sem receita. Aquela azitromicina que sobrou do tratamento anterior. O antibiótico que o vizinho indicou para “curar logo” a infecção. Práticas como essas, tão comuns no dia a dia, estão contribuindo para uma das maiores ameaças à saúde global: a resistência antimicrobiana.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1,27 milhão de pessoas morrem anualmente por causa de bactérias resistentes aos antibióticos. E o cenário pode ficar ainda mais assustador: se continuar nesse ritmo, até 2050 esse número pode explodir para 10 milhões de mortes por ano. Isso significa que a resistência bacteriana vai matar mais que o câncer.
No Brasil, a situação é ainda mais preocupante. Um estudo recente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) revelou que um terço dos brasileiros toma antibióticos sem prescrição médica. Mesmo com a Anvisa exigindo receita para a venda, aquela farmacinha de bairro que “quebra o galho” é responsável por 27% das vendas irregulares.
Os números são impressionantes: só no primeiro semestre de 2025, foram vendidas mais de 21 milhões de unidades de Azitromicina no país, um aumento de 5% em relação ao mesmo período de 2024. Já a Cefalexina teve uma pequena queda de 4,5%, com quase 20 milhões de unidades comercializadas.
“Os antibióticos têm papel fundamental para o tratamento de infecções bacterianas específicas. O uso desnecessário, especialmente em infecções virais, além de ineficaz, favorece o surgimento de bactérias resistentes”, explica Claudia Vidal, infectologista e membro da SOBRASP – Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente.
Azitromicina e cefalexina são os antibióticos mais consumidos pelos brasileiros, geralmente indicados para infecções respiratórias, de pele, urinárias e algumas DSTs. Mas lembre-se: eles só devem ser usados com prescrição médica!
Riscos além da resistência
Além de contribuir para o surgimento de superbactérias, o uso incorreto de antibióticos pode trazer uma série de problemas para quem os consome. Reações alérgicas, danos aos rins e ao fígado, interações com outros medicamentos e até infecções secundárias, como diarreias graves, são alguns dos riscos.
O uso prolongado também afeta as bactérias boas do nosso corpo, alterando a microbiota intestinal e vaginal, o que pode resultar em candidíase, náuseas, vômitos e problemas digestivos.
“Quando o antibiótico é utilizado na dose errada ou por tempo insuficiente, o tratamento da infecção pode ser ineficaz, podendo implicar em complicações e agravamento do quadro clínico do paciente, com surgimento de bactérias resistentes e necessidade de antibióticos de maior custo. Em algumas situações de infecções por bactérias multirresistentes, às vezes não se dispõe de antibióticos ativos para o tratamento dessas infecções, o que aumenta a chance de morte associada à infecção”, explica Claudia Vidal, médica e membro da SOBRASP – Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente.
Tomar antibiótico para gripe? Nem pensar!
Um dos erros mais comuns é usar antibióticos para tratar viroses como gripes e resfriados. Além de não funcionar (afinal, antibióticos combatem bactérias, não vírus), essa prática aumenta o risco de resistência bacteriana e pode causar disbiose intestinal – um desequilíbrio que elimina bactérias benéficas, aumentando a chance de infecções recorrentes, alergias e doenças autoimunes.
Problema global
A OMS já colocou a resistência antimicrobiana entre as dez maiores ameaças à saúde pública mundial. O problema não afeta apenas o tratamento de infecções, mas compromete avanços médicos como cirurgias, quimioterapias e transplantes, que dependem da eficácia dos antibióticos para prevenir complicações.
Um relatório recente da OMS mostrou que uma em cada seis infecções bacterianas apresenta resistência a antibióticos. Entre 2018 e 2023, a resistência aumentou mais de 40% entre os medicamentos monitorados, com crescimento anual de 5% a 15%.
O estudo analisou 22 antibióticos usados em infecções comuns e avaliou a resistência de oito patógenos bacterianos, incluindo E. coli, Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus aureus.
A resistência antimicrobiana também ameaça a segurança alimentar, já que o uso de antibióticos em animais de produção contribui para a disseminação de bactérias resistentes.
Hospitais brasileiros enfrentam desafios
Nos hospitais brasileiros, a situação também preocupa. Um levantamento da SBI revela que um em cada cinco hospitais não ajusta corretamente a dosagem de antibióticos. Pior ainda: 87,7% das unidades prescrevem esses medicamentos sem exames laboratoriais detalhados, aumentando o risco de erros.
Pacientes com infecções por bactérias resistentes precisam de tratamentos mais complexos e internações mais longas, o que eleva significativamente os custos da saúde.
Para enfrentar esses problemas, especialistas recomendam programas de gerenciamento de antimicrobianos, auditorias regulares, investimento em exames laboratoriais, treinamentos contínuos e protocolos claros de descarte de medicamentos.
Como diz a Dra. Claudia Vidal, “a educação e o uso racional dos antibióticos são fundamentais para prevenir infecções resistentes e proteger os pacientes”, finaliza.
