Acidente com Airbus desperta dúvidas sobre manutenção

O acidente com o Airbus A320 da TAM no dia 17 de julho no aeroporto de Congonhas reacendeu as dúvidas dos usuários do transporte aéreo sobre os cuidados das companhias com a manutenção dos aviões. O jato, de prefixo MBK, havia apresentado um problema no reversor direito quatro dias antes do acidente. Trata-se do mesmo equipamento que foi apontado como principal causa para a tragédia com um Fokker-100, que também pertencia à TAM, no mesmo aeroporto de Congonhas, em 1996.

A série de coincidências desperta naturalmente um questionamento sobre o estado de manutenção das aeronaves, especialmente hoje, com o uso intenso dos aviões, que chegam a voar 15 horas por dia e com a necessidade constante das empresas de reduzir custos diante de um ambiente competitivo.

"Segurança é uma coisa que não aparece", observa Élnio Borges, presidente da Associação dos Pilotos da Varig (Apvar) e também diretor do Sindicato Nacional dos Aeronautas. "A situação vem se tornando crítica devido à aceleração que as companhias aéreas foram obrigadas a imprimir aos seus negócios, por causa do crescimento da demanda e também pela crise da Varig, que tirou quase 80 aviões de circulação. Esse número ainda não foi completamente reposto pelas outras empresas", avalia o comandante.

Questão cultural

Além disso, Borges ressalta que o País tem perdido muitos pilotos experientes, a grande maioria ex-trabalhadores da Varig, que estão se transferindo para o exterior, seja por falta de mercado aqui, seja em busca de melhores condições de trabalho. "A crise da Varig provocou para o Brasil uma perda inestimável de capital humano", alerta.

Ferrenho defensor da antiga Varig, Borges afirma que existe uma "questão cultural" em torno de cada empresa, que influi fortemente no comportamento dos pilotos e no tratamento dispensado à manutenção dos aviões. "Na Varig tínhamos total liberdade para manter um avião no chão se considerássemos que não havia segurança suficiente. Nosso mote sempre foi a segurança", lembra o comandante, que trabalhou durante 27 anos na companhia.

Segundo ele, essa cultura também valia para as decisões dos pilotos durante o vôo. "Se durante um pouso eu decidisse arremeter por alguma razão, ninguém me questionava depois. Hoje, se você se recusar a pousar em determinado aeroporto, dependendo da empresa, o patrão te demite.

Custo

O economista Paulo Rabello de Castro ressalta em seu artigo "Pane do reversor ou colapso sistêmico", publicado em 20 de julho, que qualquer procedimento para atenuar riscos (como a fiscalização das companhias, o treinamento dos pilotos e os cuidados com a manutenção) tem um custo econômico, "razão pela qual um juízo de equilíbrio deve ser emitido pelos responsáveis da atividade" para controlar tanto os riscos como os custos, de modo a mantê-los em "níveis considerados aceitáveis, tanto em termos de vidas em jogo, quanto de custos operacionais".

Rabello de Castro foi consultor econômico dos pilotos da Varig durante a crise financeira da companhia, acumulando conhecimento sobre o funcionamento do setor aéreo e sobre a estrutura de custos das empresas. "A segurança de vôo está umbilicalmente ligada à qualidade e nível de manutenção dos equipamentos, como também aos apoios de infra-estrutura em terra, mas principalmente, e antes de tudo, à qualidade técnica e ao nível de treinamento do pessoal envolvido na operação, a começar pelos pilotos e co-pilotos em cada vôo, e à capacidade e experiência das empresas aéreas", afirma o economista em seu artigo.

Ética

"O apagão geral é, sim, de responsabilidades, de planejamento inteligente, de antecipação de situações. Trata-se, sobretudo, de uma pane da legalidade e de um colapso da ética no trato dos interesses da sociedade brasileira. Suscita, portanto, nos foros adequados, a discussão da cadeia de responsabilidades, legais e judiciais, associada ao sinistro de 17 de julho", conclui Rabello de Castro.

Questionadas sobre os cuidados com a manutenção, as empresas sempre afirmam que a segurança está em primeiro lugar, mas não revelam detalhes dos procedimentos adotados. Fontes do setor sugerem que as companhias aéreas podem estar adiando alguns procedimentos por conta da necessidade de manter todos os aviões em operação diante da forte demanda de passageiros. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foi procurada, mas não se pronunciou sobre como é feita a fiscalização dos serviços de manutenção executados pelas empresas.

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