Ainda bem

“Embora se cuide de decisão singular ainda sujeita ao referendo do tribunal, convém levá-la na devida consideração, em prol da segurança jurídica e para preservar a regularidade da ação governamental.”

Assim o consultor-geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, escreveu a respeito da momentosa decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Sepúlveda Pertence, que na semana passada proibiu qualquer repasse de verbas para obras ainda não iniciadas nos municípios até a data da próxima eleição, em outubro. Com Castilho concordou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinando que as torneiras se fechem imediatamente. Ainda bem. Apenas obras já fisicamente em andamento terão dinheiro garantido. Os projetos, por melhor que sejam, continuam projetos até o pronunciamento dos eleitores no próximo pleito.

O recuo de Lula é sinal de bom senso. A Advocacia Geral da União, no parecer em que se baseava o Planalto para liberar generosos recursos, entendia que o nascimento de uma obra se dá bem antes, já nas tratativas, acordos e projetos. Assim, desde que alguém provasse o esboço de alguma intenção havida antes de 3 de julho poderia requerer – e, havendo “vontade política”, obter – dinheiro para realizar obras às vésperas da eleição, tentando assim conquistar a simpatia dos eleitores e influenciando diretamente na escolha.

Dizia o Planalto que a regra não podia ser confundida com o uso da poderosa máquina administrativa da União em benefício de candidatos alinhados, pois a regra valia para todos. Na prática, a gramática é outra, como se sabe. Principalmente em política. Coube a um deputado paranaense, Luiz Carlos Hauly, tomar a iniciativa de provocar o pronunciamento da mais alta corte de Justiça do País. Perguntou ao TSE se eram ou não legais as transferências para obras ainda não iniciadas. A resposta dada por Pertence contém o ensinamento segundo o qual o que dá visibilidade a qualquer obra é seu início físico, sendo este o responsável pelo impacto eleitoral – exatamente o que a lei veda seja propiciado, na antevéspera das eleições, através transferências de verbas públicas. Seria de acrescentar a pergunta: se não foram iniciadas antes, por qual motivo exatamente agora?

Num primeiro tempo, o Executivo reagiu e, através de agentes seus, demonstrou a intenção de discutir a questão até o julgamento pelo plenário do Supremo, mês que vem. Falou-se até em mudar a lei. Mas o governo rendeu-se aos bons argumentos e acatou, pelo menos no caso, a medida moralizadora.

É um importante passo na luta contra o uso e abuso da máquina administrativa em períodos eleitorais. Isso não significa, entretanto, isenção absoluta. Ainda na terça-feira, ao tomar posse na Agência Brasileira de Inteligência, o delegado Mauro Marcelo Lima e Silva escorregou feio – pior ainda pelo órgão que dirige – e fez um discurso cujo conteúdo foi imediata e duramente criticado. Inicialmente ele definiu a Abin como um órgão de Estado cujas atividades não podem ser confundidas com ações de governo mas, ao final, colocou o órgão de “beque central” do time do governo e fez votos de que “no final da partida” a torcida grite “é campeão” e, quem sabe, “peça bis”. “Não será surpresa para mim se, no final do jogo, essa torcida pedir bis”, assegurou o delegado, que também descreveu a tática em que baseará seu importante trabalho: “Antecipar as jogadas, evitar as jogadas adversárias, e jogar a bola nos pés do capitão do time para fazer o gol”.

Como se vê, não precisa forma mais clara para dizer que o setor de inteligência do governo está a serviço da campanha da reeleição de Lula, já bem antes da largada. É uso explícito da máquina. E desbota completamente o discurso presidencial feito na mesma ocasião para condenar o que chamou de “denuncismo” da imprensa, com base em “arapongagens” atribuídas a agentes da própria Abin…

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