A terceira agenda

O ministro Antônio Palocci, da Fazenda, acaba de dar partida na retomada de um velho debate que promete um bom combate entre os que se alinham a favor e os que são contra só de ouvir falar: o fim da vinculação orçamentária. O ministro raciocina que essa mudança decorre da necessidade impostergável de ampliação dos investimentos públicos que não podem depender, entretanto, do aumento da carga tributária sob pena de suicídio político do governo. Não havendo novas fontes de recursos à vista, o jeito seria facilitar as coisas, desengessando o orçamento existente de obrigações constitucionais como educação, saúde e quejandos. Grosso modo, o governo quer ficar livre para gastar como bem entender o dinheiro que toma dos contribuintes.

Na área econômica, a proposta já foi batizada, segundo conta a crônica brasiliense, de “terceira agenda de reformas”. Está embasada numa realidade catastrófica: um ano antes da promulgação da Constituição cidadã, isto é, em 1987, o governo conseguia reservar 16% de suas receitas para fazer investimentos em áreas consideradas prioritárias; no ano passado, apesar do aumento da carga tributária registrado nesse período, a gastança engessada, aliada ao aumento das despesas do governo, deixava apenas 2,2% dos recursos para obras. Estradas com a aparência de picadas constituem apenas uma das partes mais visíveis desse sucateamento que atravessa o País, muito embora o chamado imposto sobre os combustíveis (Cide) se enquadre na categoria das receitas vinculadas.

É certo que, enquanto falta dinheiro para algumas coisas básicas, em outras, por conta de imposição constitucional, há recurso sobrando ou sendo empregado em perfumarias. Mas daí a admitir a desvinculação pretendida vai um abismo, em cujas profundidades o Congresso tem se esquivado de navegar sempre que alguém de plantão no Executivo levanta a tese. Um dos líderes da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Rafael Guerra, por exemplo, admite a observação de que o “engessamento” dos gastos do governo chega a ser um problema para o Executivo, mas entende que a dívida social, principalmente com as camadas mais pobres da população, “é justificativa suficiente para manter as vinculações com saúde e educação por, pelo menos, mais vinte anos”.

Como reagiriam prefeitos, governadores e a própria União diante de uma situação em que se lhes fosse desobrigada a aplicação de recursos em áreas de pouco retorno eleitoral? Por outra, como confiar na equipe econômica (o raciocínio é de integrantes de outra frente parlamentar) quando se trata de abrir o cofre para a educação, que geralmente produz resultados muito a longo prazo?

Na área do governo, tenta-se usar o argumento segundo o qual a mudança pretendida é indispensável ao almejado (e também prometido) crescimento econômico. De quebra, sugere-se que, mexendo na estrutura de gastos, o governo teria espaço até para reduzir a carga tributária, coisa que todo mundo tem como necessário para… iniciar a crescer.

A grande verdade é que nenhum governo gosta de amarras e, sempre que pode, some com o dinheiro dos contribuintes de forma a satisfazer seus objetivos imediatos, normalmente ligados às questões de poder. Com o governo do PT não seria diferente. As chamadas “verbas carimbadas” já obtiveram do Congresso o máximo de elasticidade: 20% na prorrogação da DRU – Desvinculação de Receitas da União.

Vai daí que, estando no limite mínimo das possibilidades de realizar investimentos, o governo pode estar apenas usando o bode da fábula para, não sendo possível convencer o Parlamento a desengessar o orçamento, abrir caminho para aumentar o orçamento. Outra vez pela via de aumento dos tributos – o verdadeiro endereço da terceira agenda das reformas no País, onde muito se cobra e pouco se faz em benefício dos contribuintes.

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