Último assistente do ‘pai da mímica moderna’, Steven Wasson volta ao País

Tal qual a linguagem falada, com seu vocabulário próprio, formas e construções específicas, a mímica pode expressar da mesma maneira uma ideia. Sua força garante que há um caminho além das palavras ditas. É o que defendia o mímico Etienne Decroux (1898-1991). O método desenvolvido pelo artista sofisticou a mímica corporal dramática e deu a ela autonomia e alfabeto particulares. O rigor com o corpo era redentor para Decroux. Ele dizia que quando via um corpo se levantar era como se a humanidade também estivesse se levantando.

É dessa fonte que o diretor Steven Wasson se nutriu durante o período em que foi assistente do artista. Atualmente, ele dá continuidade aos estudos da mímica na sua companhia Theatre de l’Ange Fou. Na última semana, ele esteve no Brasil para preparar o espetáculo A Melancolia de Pandora, que estreia no dia 15, no Sesc Belenzinho. As asas do anjo louco que inspiram o nome da companhia estarão presentes no palco, como ocorre, tradicionalmente, desde a primeira montagem.

Desta vez, a figura mitológica de Pandora ganha asas e conduz uma mulher sem nome ao reencontro de suas memórias perdidas. Anjo e mulher são interpretados por Djin Sganzerla e Bete Coelho. Ela é paciente de um estranho médico, vivido por André Guerreiro Lopes. Wasson conta que o doutor Rudolph Ahriman habita o mais alto posto dos deuses alienistas. Ser especialista em doenças mentais, entretanto, faz com que ele esteja só no panteão. “Ele é o guia da mulher durante sua jornada. Ao mesmo tempo que representa um lado escuro, ele também parece habitar a cabeça dela”, explica. Com função de reconduzir a mulher ao encontro de suas lembranças, o médico vai se movimentar pelo o submundo da psique humana.

A parceria entre Guerreiro e Wasson se deu em Londres, quando o ator da Cia Lusco-Fusco integrou a companhia do diretor ainda em Londres. Desde 1995, ele e sua mulher Corinne Soum se estabeleceram em Wisconsin, nos EUA. Em 2005, ambos estiveram em São Paulo com o espetáculo The Orpheus Complex, que resgatou o mito do filho de Apolo, que vai até o Hades salvar seu amor Eurídice. Em 2010, a companhia estreou uma montagem sobre o complexo de Penélope, figura que aguardou por anos a chegada de seu amado Ulisses. “Os mitos são fascinantes e sempre têm algo a dizer sobre nós.”

O cenário de A Melancolia de Pandora dá conta dessa ideia. Um quadrado sobre rodas ambienta a sala onde essa mulher está. “É a cabeça dela”, diz o diretor. A construção com janelas e portas vai deslizar pelo palco. “O doutor pensa ser um grande libertador da mente, mas sua ambiguidade faz dele o maior inimigo pessoal de Deus. Inclusive, ele acredita que Deus tem medo dele. Para o doutor, o divino não existe, é como um mito”, explica Wasson. Essa perturbação guia o tratamento da mulher. “Ele é conhecido pela destruição dos mitos, como se fosse um calmante psicológico que serve para tratar a humanidade mitologicamente perturbada”, ressalta ainda.

Os delírios se completam com a presença do mordomo (Ricardo Bittencourt) do doutor. “Ele funciona como um alter ego do médico”, aponta Steven Wasson. Além da sala que dança sob o palco, o espetáculo vai criar imagens e ilusões de ótica. Capacetes antigos e máscaras de gás se misturam com cabeças de rato. Sobre esse conjunto, ainda são projetadas imagens de paisagens que aumentam o desvario da mulher.

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