Poema sujo completa 30 anos

Há 30 anos, Ferreira Gullar terminava de escrever seu Poema sujo (maio-outubro de 1975), obra que Vinicius de Moares considerou "o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas". E foi o próprio Vinicius quem trouxe do exílio de Gullar, na Argentina, ao Brasil  a fita em que o poeta declamava seu longo poema. No ano que vem, a obra faz 30 anos de publicação e a editora José Olympio lança uma edição comemorativa do livro, acompanhado de um CD com o áudio de Gullar lendo o Poema sujo. Não se trata da gravação histórica, que foi perdida, mas de uma nova leitura. Em 2006, ainda, Ferreira Gullar completa 55 anos de atividade poética e entrega à editora os originais de seu próximo livro seis anos após o premiado Muitas vozes (Jabuti 2000, Alphonsus de Guimaraens-Biblioteca Nacional). Apesar de a nova e aguardada obra ainda não ter chegado, em 2005, lançou Dr. Urubu e outra histórias, seu primeiro livro escrito especialmente para crianças. O ano também foi de importantes prêmios pelo conjunto as obra: o Conrad Wessel de Ciência e Cultura, na categoria Literatura, e o Machado de Assis, maior honraria da Academia Brasileira de Letras. Em entrevista, Ferreira Gullar conta sobre seus poemas, seu processo criativo e o novo livro.

JO – Como você vê hoje, 30 anos depois, o Poema sujo? Por ter se tornado um marco, ele hoje significa algo de diferente?

FG – Eu não vou dizer que ele é o melhor poema que já escrevi. Ele é o mais longo. Nasceu de uma situação muito especial, muito dramática, do exílio, uma situação limite. Há uma série de características que dão a ele um relevo maior dentro da minha obra. Eu nunca escrevi um poema de 70, quase 80 páginas, nunca tinha pensado em escrever algo assim. Por todas as circunstâncias em que surgiu e o fato de ele ser um poema que buscava resgatar toda a vida, tanto pessoal, quanto literária, isto é, minha carreira, meu próprio trabalho poético anterior, por tudo isso, ele tem uma marca muito especial.

JO – Mas como ele mudou nesses 30 anos? A memória que ele evoca mudou para você?

FG – O Poema sujo não é um poema de memória, de evocação da infância. É um poema de resgate do tempo vivido. Mas para mim ele não mudou. Não há diferença nenhuma. O que aconteceu é que ele foi se tornando mais conhecido, foi ganhando uma presença cada vez maior. Aliás, de saída, na primeira divulgação dele, por meio de um fita gravada, que o Vinicius [de Moraes] trouxe, desde então, o poema já conquistou um interesse inusitado. Ele despertava um interesse diferente do público, interesse maior. Publicado, ele entrou em lista de mais vendidos, o que não é comum para um poema. E, a partir daí, ele continua a ser um poema muito presente, muito traduzido até.

JO – Como você lida com as traduções? Pergunto isso porque você também é tradutor. Você traduziria seus próprios poemas?

FG – Não traduziria, jamais. O Poema sujo foi traduzido em seis ou sete países e agora está saindo a tradução dele em Paris. Mas eu nunca fiz nenhuma gestão, nunca mexi um dedo para traduzi-lo. As traduções aconteceram pelo próprio poema, pelo interesse que desperta nas pessoas. A primeira foi feita na Alemanha, a segunda foi americana.

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