O segredo de Brokeback Mountain vai além do homossexualismo

São Paulo (AE) – Indicado para oito Oscars, incluindo melhor filme, diretor (Ang Lee), roteiro adaptado (Larry McMurtry e Diana Ossana), ator (Heath Ledger) e ator coadjuvante (Jake Gyllenhaal), O segredo de Brokeback Mountain estréia amanhã (3) nos cinemas brasileiros, escorado na condição de favorito na edição deste ano dos prêmios que a Academia de Hollywood vai outorgar aos melhores de 2005. Somando-se a isso a aura de escândalo que lhe garante a reputação de western gay, Brokeback Mountain antecipa-se como um sucesso de público e crítica. É merecido. Por mais que se possa achar excessiva a valorização do filme, ele é bom, muito bom.

No começo de sua carreira, em filmes como A arte de viver, Banquete de casamento e Comer, beber e viver, produzidos em Taiwan, Ang Lee tratou do homossexualismo e das possibilidades de integração social de personagens culturalmente condenados à condição de outsiders. Mais tarde, quando começou a filmar em língua inglesa, ele disse que encontrou seu verdadeiro tema – Razão e sensibilidade não fornece só o título para um de seus filmes mais prestigiados. É a própria súmula do conflito que vivem os personagens de Ang Lee (e o próprio autor). Os filmes orientais podem tratar de temas barra-pesada, mas são leves, divertidos. Com todas as dificuldades que enfrentam seus personagens, Ang Lee acredita na ironia como uma chave para a integração. O tom ficou mais sombrio quando ele fez seu primeiro filme americano, Tempestade de gelo, e mais recentemente Hulk, sobre o qual os críticos caíram matando, mas, claro, eles não entenderam nada.

Sempre houve sugestões de homossexualismo enrustidas no western – o jogo das pistolas de Montgomery Clift e John Ireland em Rio Vermelho, de Howard Hawks, a muito mais explícita ligação de Henry Fonda e Anthony Quinn em Minha vontade é lei, de Edward Dmytryk, são dois exemplos. O segredo de Brokeback Mountain não é um western, embora trabalhe sobre elementos dessa cultura, exatamente como Cavalgada com o diabo, que o próprio Ang Lee realizou em 1999 e no qual a amizade de Tobey Maguire e Skeet Ulrich se refere obviamente ao afeto de dois caras que não saem do armário. (Os críticos também não entenderam.) Ang Lee teve problemas com seus produtores em Cavalgada e Hulk. Vai agora à forra e deve receber o Oscar que não lhe foi dado quando Comer, beber e viver foi indicado para a estatueta de melhor filme estrangeiro de 1994.

Rótulo

O rótulo de western gay aplicado a Brokeback Mountain é simplificador e não abarca a complexidade do filme. O contexto não é o do Velho Oeste, os caras não são pistoleiros, mas pastores de ovelhas. Não são nem mesmo gays, pelo menos na definição que normalmente se aplica a pessoas com preferências sexuais homo. Há mais bissexuais no mundo do que sonha a vã filosofia dos que só vêem a vida em branco-e-preto. Paul Newman pode querer pedalar com Robert Redford em Butch Cassidy, mas isso não o impede de andar naquela bicicleta com a deliciosa Katherine Ross. Seja como for, os dois pastores de Brokeback Mountain embarcam numa viagem que não conseguem administrar. Estão ali na montanha, na barraca, de noite. De repente, estão enlaçados para toda a vida. Amam-se, mas não podem viver juntos. Constroem famílias, mas permanece sempre o vazio, que é o tema de Ang Lee.

A impossibilidade de compreender o que ocorre com eles está na base da tragédia dos personagens de Brokeback Mountain. Pertencem a um mundo rústico que não lhes fornece instrumental para entender suas necessidades. Neste sentido, é até curioso comparar o filme de Ang Lee com a comédia Tudo em família, em cartaz nos cinemas. A cena em que Sarah Jessica Parker expõe o estranhamento do personagem hetero diante do par gay não é mera exposição do preconceito, da mesma forma que o comportamento da mãe interpretada por Diane Keaton não é natural quando ela diz que rezava para ter um filho homossexual. A própria montanha amplia a tragédia, como espaço da memória e da elevação impossível. Ninguém consegue ser feliz em Brokeback Mountain. Pense: – você acredita que, se aqueles caras realizassem o sonho de tocar um rancho juntos, seriam completos? Há o condicionamento social, o preconceito que pesa sobre os gays e o personagem de Ledger carrega pela vida a imagem daquele caubói carbonizado que seu pai lhe mostrou, queimado por ser diferente (e que ele suspeita que foi o próprio pai que cometeu o ato bárbaro).

Mas é simplificador achar que eles se ligam a mulheres simplesmente como fachadas. A mulher, de qualquer maneira, a de Heath Ledger, a extraordinária Michelle Williams, não sofre menos em Brokeback Mountain. Também não sabe administrar esse conflito entre amor e sexo, entre razão e sensibilidade tornado monstruoso pelas convenções sociais.

Você pode considerar que o filme não abre frestas – sair ou não do armário é a mesma coisa. Não há felicidade nem redenção possível. O personagem de Jake Gyllenhaal termina caçando amantes no submundo de um vilarejo na fronteira mexicana. É uma sutileza de Ang Lee – o México possui uma cultura tão machista quanto a do western, mas é aí, no contexto de uma sociedade mais primitiva, que não é a do Primeiro Mundo, que o homem carente vai satisfazer suas necessidades animais.

Serviço: O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, EUA/2005, 134 min). Drama. Dir: Ang Lee. 16 anos. Em grande circuito. Cotação: Bom.

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