‘O Destino Bate à Sua Porta’, agora em Blu-Ray

O Destino Bate à Sua Porta, de James M. Cain, prova que tamanho não é documento. Poucas vezes um livrinho (135 páginas, em formato bolso, pela Companhia das Letras) foi tão influente. Escrito em 1934, esse clássico do realismo americano ganhou duas adaptações em Hollywood – a de 1946, de Tay Garnett, e a de 1981, de Bob Rafelson. Isto é, duas adaptações oficiais. Antes delas, houve a não creditada, Obsessão (1942), do mestre italiano Luchino Visconti, objeto de disputa judicial por parte dos editores de Cain. O filme italiano só foi lançado nos Estados Unidos nos anos 1970. Além disso, pelo enredo, pode-se inferir que, mesmo não citado, o pequeno romance de Cain teve influência sobre filmes como Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan (1981), e Porto das Caixas (1962), do nosso Paulo César Saraceni.

Quem quiser conhecer a história imaginada por Cain tem a oportunidade de ver agora em Blu-Ray aquela que talvez seja a versão mais fiel, a de Garnett, com John Garfield e Lana Turner nos papéis principais. A trama é aquela que aparece em todos os filmes e variações – a mulher mais jovem, casada com o homem mais velho, arruma um amante e lhe pede ajuda para livrar-se do marido. Em torno dessa linha básica, muitas reviravoltas. E, na adaptação de Garnett, todas elas aparecem. A versão em Blu-Ray contém também muitos extras, inclusive um longo documentário sobre a trajetória de Garfield (1913-1952), ator muito famoso em sua época, perseguido pelo macarthismo, e hoje um tanto esquecido. Garfield morreu aos 39, diz-se que por conta dos desgostos sofridos pela perseguição política.

O Destino Bate à Porta é tido como um dos exemplares canônicos do noir. E, de fato, o clima opressivo, o preto e branco inspirado no expressionismo alemão, o tipo de narrativa (em geral na primeira pessoa) o incluem nessa categoria. Além disso, há o tipo de personagem moralmente dúbio, a femme fatale, o ambiente sórdido e a desesperança. Bem, era o ambiente de Cain, cujo outro romance, Indenização em Dobro (Companhia das Letras), deu origem a Pacto de Sangue, um dos grandes filmes de Billy Wilder.

Cain era boa inspiração, assim como eram autores como Dos Passos, Faulkner e Hemingway. Forneciam a matriz dura e realista ao cinema, ou, pelo menos, a cineastas pouco dispostos a conformar-se a uma visão rósea do mundo. Estes eram autores duros, másculos, de pouca concessão. Viam a sociedade norte-americana como ela era – uma competição feroz, na qual a ética maior era não perder; a força do dinheiro, que motivava os atos mais vis; e, por fim, o destaque de uma certa zona cinzenta, em que misturam de maneira promíscua os bons e os maus. Se o crime é o centro da trama, existe sempre uma discreta alusão no horizonte a sugerir que o ato criminoso não se distingue com tanta facilidade daqueles considerados lícitos pela sociedade. Por isso, esses filmes enfrentaram tantos problemas com a censura, muito mais rígida em sua época do que agora.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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