Mostra no CCBB reúne filmes do casal Straub-Hiillet

“Crônica de Anna Magdalena Bach” (1967) talvez seja a obra mais reconhecida de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet. Foi elogiada por Glauber Rocha, numa época em que o cinema tinha prazer em reinventar-se. Esse processo de criação contínua pode ser conferido na Mostra “Straub-Huillet”, que o CCBB realiza de hoje a 29 de janeiro. É composta de filmes dirigidos pela dupla, com exceção de alguns assinados apenas por Straub, como o episódio “Streghe” (Bruxas), do longa “Entre Mulheres”, o longa-metragem “Joachim Gatti” e mais alguns curtas como “Um Herdeiro”, “Chacais e Árabes” e “O Inconsolável”. Os outros todos são codirigidos. A parceria entre os dois vai de 1963, com o curta “Machorka Muff”, até “Esses Encontros com Eles” (Quei Loro Incontri), de 2006. Casaram-se em 1959 e ficaram juntos até a morte de Danièle, em 2006.

Estabeleceram uma parceria bastante assimétrica e pouco nítida em termos da divisão do trabalho. No mundo do cinema dizia-se que Jean-Marie se ocupava da produção e da filmagem, enquanto Danièle ficava com a montagem e a pós-produção. No entanto, tudo indica que colaboravam em todas as fases da filmagem, num verdadeiro processo de troca e simbiose artística.

Parte do processo de criação desse dueto pode ser visto no documentário “Onde Jaz o Teu Sorriso?”, do português Pedro Costa, que acompanha o casal durante a edição de “Gente da Sicília”, inspirado no romance de Elio Vitorini. Nele, vemos que a sintonia do casal era conseguida à custa de várias desafinadas conjuntas. Nenhuma surpresa: discordâncias e visões contraditórias sobre a obra podem beneficiá-la, no final.

De qualquer forma, o casal Straub-Huillet desenvolveu um estilo muito marcante de fazer cinema, diferente de todos os outros. Trata-se de uma verdadeira assinatura autoral. Em geral descrita por adjetivos como “austera”, “rigorosa”, “despojada”. Tudo isso faz sentido. Usam planos longos, muitas vezes estáticos. Não há um movimento de câmera que não seja justificado pela concepção geral da linguagem cinematográfica escolhida. Ou seja, não dão passos em falso e buscam a depuração contínua do processo, em direção à simplicidade.

Trabalham muitas vezes com material literário e procuram levar à tela o próprio corpo dessa linguagem da literatura. Como? Fazendo os atores (muitas vezes não profissionais) escandir as palavras como se estivessem medindo as sílabas num poema. É assim, por exemplo, em “Gente da Sicília”, de Vitorini, mas também nas sucessivas visitas que fizeram aos “Diálogos com Leucó”, de Cesare Pavese. Em “Da Nuvem à Resistência” (1980) a “Esses Encontros com Eles” (2006), Straub e Huillet foram estabelecendo a relação entre o cinema e esses misteriosos relatos propostos por Pavese em 1947.

Numa época em que o discurso neorrealista, de forte cunho social, se impunha como dominante na Itália do pós-guerra, Pavese fazia, na contracorrente, sua releitura da mitologia, com personagens como Édipo e Tirésias, que refletem sobre a sexualidade, a vida, o destino e a morte. Há uma excelente edição dos “Diálogos com Leucó” em português, editado pela CosacNaify, com tradução de Maurício Santana Dias.

Straub e Huillet dialogaram com escritores como Vitorini, Heinrich Boll, Corneille, Brecht, Pavese e Kafka, e músicos como Bach e Arnold Schoenberg. O que fazem com essas obras alheias é menos encontrar uma correspondência entre elas e o cinema e mais estabelecer um diálogo fértil entre as linguagens irredutíveis da literatura e do cinema. Vale a pena conhecer ou rever esses filmes que resistem a qualquer classificação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Mostra Straub-Hiillet – CCBB (Rua Álvares Penteado 112, Centro). Telefone (011) 3113-3651. De 3ª a domingo. R$ 4. Até 29/1 – bb.com.br/cultura

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