Milton Gonçalves homenageado com o troféu Oscarito

Gramado

– É difícil que outra noite venha a oferecer mais emoções do que a de terça no 31.º Festival do Cinema Latino e Brasileiro. Começou com o filme do argentino Adolfo Aristarain, Lugares Comunes, e prosseguiu com a homenagem a Milton Gonçalves, que recebeu, aplaudido de pé, o troféu Oscarito, dedicado a personalidades que contribuíram para o desenvolvimento do cinema no País.

Tudo isso ocorreu antes das 23h. Aí, começou a baixaria. Paulo Sacramento apresentou à tarde o seu documentário fortíssimo sobre o Carandiru, O Prisioneiro da Grade de Ferro, no qual dá câmera para os presidiários e cria um exercício de autoridade, de dar voz ao outro, único na história do cinema brasileiro. À noite, ele bancou Gerald Thomas, fazendo um gesto obsceno e mandando a platéia de Gramado àquele lugar que você sabe onde.

Sacramento respondia a uma vaia alheia, porque seu filme foi muito aplaudido à tarde. Ele tomou as dores do curta Amor só de Mãe, de Dennison Ramalho, que faz uma releitura trash do velho êxito musical de Vicente Celestino, Coração Materno. Dennison subiu ao palco e despejou um monte de palavrões, dizendo que o cinema brasileiro está impotente – na verdade, ele usou uma expressão mais chula – e acrescentou que ele, Sacramento e Cláudio Assis, de Amarelo Manga, são “o Viagra do cinema nacional”.

Agora mesmo é que não levanta. Muita gente lembrou outras ofensas à moral e aos bons costumes aqui em Gramado, em plena era da ditadura ou da luta por liberdades democráticas. Naquela época era preciso ser muito macho para fazer essas provocações. O que Dennison conseguiu foi um riso de condescendência para o seu filme, que quer ser agressivo e consegue ser no máximo primário.

Elegância

Milton Gonçalves, ao contrário, foi só elegância no palco do palácio do festival. Lembrou amigos – Jardel Filho, Sérgio Cardoso, Leon Hirszman -, definiu-se como um guerreiro que luta por sua gente. Pouco antes, passaram no telão as imagens de sua carreira, num documentário com a grife do Canal Brasil. A Rainha Diaba, Eles não Usam Black-Tie, Natal da Portela. E as novelas: Irmãos Coragem, O Bem-Amado, Roque Santeiro. Milton é grande, grande Milton, como disse Werner Schünneman, apresentador da festa.

No começo da tarde, fora exibido o novo filme de Rogério Sganzerla. É um autor que merece respeito, mas o título do filme O Signo do Caos tem valor de advertência. À noite passou o magnífico filme argentino Lugares Comunes. Um professor aposentado compulsoriamente, diz duras verdades sobre a Argentina e o mundo atual, que não é sombra daquele pelo qual lutou nos anos 60. Ele tem problemas com o filho, uma mulher que é uma fortaleza moral. Federico Luppi, Mercedes Sanpietro e Carlos Santamaria são excepcionais. Ela é desde logo candidata ao prêmio de melhor atriz. Luppi terá um forte concorrente no Javier Barden de Segunda-Feira ao Sol. E o curioso é que o filme, que fala de dificuldades materiais, aponta para uma solução na Espanha, que como se viu justamente em Segunda-Feira ao Sol, também atravessa uma crise de desemprego.

A pedradas

Um escândalo que o pobre Dennison Ramalho tentou, em vão, provocar foi garantido por Moacyr Góes. O diretor de teatro estréia na direção de cinema com Dom, transposição moderna de Dom Casmurro, de Machado de Assis. O filme foi recebido a pedradas pelos críticos e colegas do cineasta estreante. Cada um mais disposto a fazer piadas ofensivas sobre a incompetência de Góes. Por mais discutível que seja, é um fato que Góes dirige bem os seus atores. É o que se espera de um diretor de teatro. Vejam-se os casos de Luchino Visconti, Elia Kazan e Patrice Chéreau. Maria Fernanda Cândido terminou sendo a grande sensação da noite em Gramado. E escândalo mesmo provocou o diretor que, com esse mulherão em cena, preferiu tirar a roupa e mostrar o bumbum de Marcos Palmeira. Como uma mulher tão bonita ainda pode ser tão talentosa como atriz? É mais um mistério do cinema. Maria Fernanda nunca mereceu tanto a definição de Sophia Loren brasileira.

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