Filme ‘Memórias do Subdesenvolvimento’ volta na hora certa

Com sentido de tempo e oportunidade, mas não oportunismo, o Instituto Moreira Salles resgata, em DVD, um duplo clássico – do cinema político e do latino-americano. Em 1968, o ano que, segundo Zuenir Ventura, não termina nunca, o escritor Edmundo Desnoes viu seu livro Memórias do Subdesenvolvimento ser transformado num grande filme pelo maior diretor cubano, Tomás Gutiérrez Alea. Anos mais tarde, numa outra etapa de sua história, Desnoes, exilado nos EUA, escreveu Memórias do Desenvolvimento, que também virou filme (de Miguel Coyula).

Desnoes não gostou muito de Memórias do Desenvolvimento. Através de Sergio, o personagem de Memorias del Subdesarollo, ele também nunca conseguiu se definir com ardor se era contra ou a favor dos revolucionários de Fidel Castro. Sergio é o protótipo do homem dividido. Não entende o sentido da revolução, mas não quer deixar Cuba. Sergio, maduro, deixou Cuba em Memórias do Desenvolvimento. Foi ser professor em Manhattan e, sem nunca ter estado em paz consigo mesmo e com a revolução de Fidel, confronta uma nova geração de cubanos que não viveram a revolução e também não se identificam com ela. Num certo sentido, a ruína de Cuba, mais que de Sergio, é o tema de Memórias do Desenvolvimento.

O sentido de oportunidade do IMS deve-se ao fato de que Memórias, de Alea, chega num momento muito especial – da história de Cuba e do mundo.

Circularam intensos rumores esta semana sobre a morte de Fidel Castro. Chegou um momento em que só o que se esperava era o anúncio oficial, mas ele não veio e o que o mundo, atônito, acompanhou foi o ataque a Charlie Hébdo em Paris. O mundo está cada vez mais complicado. Os terroristas que tomaram conta do Islã querem colocar o Ocidente de joelhos. Do lado de cá do hemisfério, o presidente Barack Obama rompe o isolamento e retoma o diálogo com Cuba. É um bom momento para se repensar o filme – e o cinema – de Alea.

Alea, respeitado por Fidel, não foi o único e com Humberto Solás e Júlio García Espinoza, fez um cinema cubano crítico em relação à História e inovador pelo conteúdo. Glauber fez um grande filme político – Terra em Transe, de 1967 -, mas Memórias do Desenvolvimento, no ano seguinte, talvez seja o maior filme político produzido na América Latina, por mais importantes que sejam contribuições do chileno Miguel Littín, em seu único bom, filme, El Chacal del Nahueltoro, ou o militante La Hora de los Hornos, dos argentinos Fernando Solonas e Octavio Getino. Historias de la Revolución, de 1960, foi o primeiro longa produzido em Cuba depois que Castro e seus barbudos chegaram ao poder. Pode ser um filme de celebração, mas com La Muerte de Un Burocrata, em 1966. Alea mostrou a crise do poder, a paralisia institucional. Dois anos mais tarde, foi ainda mais longe com Memórias do Subdesenvolvimento. E, em 1993, em codireção com Juan Carlos Tabío, enfrentou um tema tabu – a homossexualidade.

Nos anos 1960, outro escritor, Reynaldo Arenas, deu testemunho das tentativas do regime de corrigir desvios de sexualidade como de ideologia. Alea, ele próprio homossexual, e Tabio fizeram grande sucesso – o maior do cinema cubano – com Morango e Chocolate. Agora, Memórias do Subdesenvolvimento volta numa nova fase de Cuba e seu cinema. Um escritor como Leonardo Padura Fuentes, como Sergio em Subdesarollo, pode ser crítico, mas também não deixa a ilha, que se abre. Essa mistura de olhar de dentro e de olhar estrangeiro já produziu um grande filme – Retorno a Ítaca, do francês Laurent Cantet.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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