Caldeirão étnico reconstrói Brasil dos cortiços

O fator ambiente ajuda a contar a saga de um grupo do cortiço.

Baseada em uma extensa pesquisa sobre o processo de higienização do Brasil, a peça Hygiene, montagem do grupo paulista XIX de Teatro, estreou anteontem pela mostra contemporânea do Festival de Teatro. O que poderia se tornar monótono e auto-explicativo, ganha uma abordagem criativa e calorosa com a direção de Luiz Fernando Marques e o esforço e confiança nas atuações de Janaína Leite, Gisela Millás, Juliana Sanches, Paulo Celestino, Rodolfo Amorim, Ronaldo Serruya e Sara Antunes. O fator ambiente, que ajuda a contar a saga de um grupo que habita um cortiço, no fim de século XIX, é positivo até onde acaba a disposição do público.

Ao chegar no local de exibição do espetáculo (Casa Vermelha Largo da Ordem), o espectador é convidado a comparecer na frente da Igreja do Rosário – aproximadamente 400 metros da Casa Vermelha local onde Hygiene começa. O desenrolar do enredo passa pela igreja, segue pelas calçadas do Largo e faz diversas pausas pelo caminho como em uma galeria ao lado do Restaurante Memorial, até seguir para o espaço onde o público comprou o ingresso. O trajeto dura cerca de uma hora; o público tem que acompanhar os atores de perto, o que cria uma sensação de interatividade, inclusive levando o espectador para o universo do drama. Para quem tem disposição de acompanhar a procissão, vale a pena. Os personagens convencem, divertem e chocam ao contar suas pobres vidas a céu aberto e regozijar lamentos a plenos pulmões.

Como 70% das moradias das grandes cidades brasileiras (final do século XIX) são os cortiços, e o País vive um processo de remodelação – as habitações coletivas tinham seus dias contados para a vida no modelo que conhecemos hoje: casas familiares – os moradores do cortiço estão prestes a serem higienizados e um pequeno grupo resiste em abandonar o local. Uma prostituta, uma jornaleira. Janaina Leite (Dalva, Maria João) é alegria e liberdade. Uma jovem italiana sonhadora; Paulo Celestino, um português desbocado que derrama lágrimas com o lamuriar do fado, e Ronaldo Serruya, um italiano contente vive Giuseppe, Eugênio e Chico das Ora. Ainda sobrevive a Noiva Amarela, calada, que espera, que sofre e morre. Carmela, Flausina, Isaura. Um universo pobre, sujo, triste e que luta e sonha – sem futuro, labuta e ajuda construir com tijolos o que hoje é o Brasil.

Um drama cheio de pequenos momentos felizes que guardam uma esperança, antes que o destino se cumpra, essa é Hygiene. Desigualdades sociais e manifestações que pairam como uma poeira em meio a sociedade até os dias de hoje. A peça se prolonga até 110 min com um desfecho dramático bem realizado. O espaço da Casa Vermelha deixa um pouco a desejar, inclusive para quem ficou uma hora de pé.

Serviço:

Hygiene, do Grupo XIX de Teatro fica em cartaz na Casa Vermelha todos os dias, às 16h30, até o final do festival, dia 26 de março. Ingressos a R$ 24 inteira e R$ 12 meia.

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