A vida de outro ângulo

Até quinta-feira, quem passar pelo piso G1 do Shopping Mueller terá a oportunidade de apreciar uma exposição com 21 belas imagens, de autoria do fotógrafo paranaense Leonardo Rodrigues da Silva, especialista em fotografia submarina.

Seria assunto para uma nota ilustrada, não fosse por um detalhe: quando tinha 24 anos, Leonardo (hoje com 30) perdeu os movimentos dos cotovelos para baixo, depois de sofrer um acidente de mergulho em Bertioga (SP).

Ele utiliza uma máquina especial, que regula o foco pelo olhar, equipada com um disparador externo acionado com a boca. O Almanaque viu suas fotos e teve acesso a algumas imagens de Leonardo em ação, em diversos cenários. Impressiona a sua expressão descontraída, a fisionomia serena de quem está de bem com a vida.

“A primeira coisa que fiz, já no hospital e consciente da gravidade do meu problema, foi um balanço da minha vida. E cheguei à conclusão de que eu tinha aproveitado tudo o que eu podia até aquele momento. Sempre fui de viver cada dia como se fosse o último, e parecia que esse dia tinha chegado naquele 24 de novembro de 1996”, conta Leonardo com naturalidade.

Ele se acidentou por um erro de cálculo: estava com alguns amigos fotografando em Bertioga, numa praia que abriga a foz de um rio. Correu para dar o primeiro mergulho, mas o local era mais raso do que ele imaginara. “Bati a cabeça na areia, fraturando as vértebras C5 e C6”, relembra. Ele ainda teve consciência e sangue frio para orientar o próprio resgate, e foi levado às pressas para o hospital.

“Depois desse “balanço?, uma das primeiras preocupações foi pensar como eu poderia voltar a fotografar”, relata. “Lembrei inclusive de um artigo que tinha lido um tempo antes, sobre uma máquina que fazia o foco onde a pessoa estava olhando, e fiquei mais sossegado, pois havia uma luz no fim do túnel. Pensei que, como ela podia reconhecer o movimento do olho, talvez tivesse alguma maneira de disparar também, pois como eu não tenho o movimento dos dedos, não teria como apertar o botão do disparador. Comecei a pesquisar os modelos existentes, seus preços e facilidades, e acabei decidindo por uma Canon equipada com o disparador externo (controle remoto com o fio), que eu pressiono usando a boca”.

Outro ângulo

Habituado com a sua nova condição, o fotógrafo decidiu mostrar o mundo do seu ângulo, a partir da cadeira de rodas. “Aproveitei a oportunidade de ter uma máquina fotográfica comigo também para mostrar que um deficiente pode fazer muitas coisas, viajar para muitos lugares e aproveitar a vida, mesmo com as limitações. Elas podem atrapalhar, mas não inviabilizam a maioria das ações.”

Leonardo enumera os principais desafios de se fotografar sendo tetraplégico: “Chegar ao local onde se obtém o melhor ângulo, e posicionar corretamente a máquina. A falta de estabilidade do meu corpo é outro agravante, pois, como não tenho equilíbrio no tronco, o posicionamento às vezes fica prejudicado”.

Olhando as fotos ninguém diz. Parecem capturadas por um profissional criativo e de posse de todas as habilidades físico-motoras. “Acho que isso acontece porque eu nunca deixei de fazer as coisas que eu gosto. Pelo contrário, sempre encarei e procurei alargar os limites, exatamente para que as pessoas vejam e tenham consciência da nossa capacidade. A vida anterior ficou para trás, agora esta é a minha vida. Se ficarmos nos lamentando em casa, ninguém vai nos ver produzindo, trabalhando ou se divertindo, e as coisas vão ficar mais difíceis.”

No ano passado, Leonardo concluiu o mestrado em Engenharia Biomédica, tendo desenvolvido um sistema de controle para um eletroestimulador. É casado há um ano e meio, e trabalha como analista e programador numa empresa de informática. Dirige (graças a um carro adaptado), faz natação (“me dou melhor na água do que em terra”), vai ao cinema, teatro, bares, casas noturnas…. “Faço quase tudo o que as pessoas “comuns? fazem. A única coisa que eu gostaria de fazer, mas sei que não vai ter jeito mesmo, por causa da aterrissagem, é pular de pára-quedas”, arremata.

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Depois do Shopping Mueller, a exposição de Leonardo Rodrigues da Silva vai para o Hospital Vita, também em Curitiba.

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