Ex-contador da Apaf acusa entidade de lavagem de dinheiro

?Lavagem de dinheiro, evasão fiscal e sonegação de impostos.? Segundo o contador Airton Nardelli, estas são as marcas da gestão de Nelson Orlando Lehmkuhl à frente da Associação Profissional dos Árbitros de Futebol do Paraná (Apaf). Nardelli, que já foi contador da Apaf e atualmente é tesoureiro do Sindicato dos Árbitros do Paraná, depôs ontem ao Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), no inquérito que investiga a corrupção na arbitragem do Estado.

Segundo Nardelli, todas as acusações estão atestadas em sete volumes de documentos entregues ao auditor Paulo César Gradela Filho, que comanda a comissão do TJD que investiga o caso. Os balanços, extratos, notas fiscais

e livros-caixas apontariam um rombo de R$ 367.744,29 nas contas da Apaf entre 1997 e 2000, durante a gestão de Lehmkuhl. ?São desvios gritantes, de divisas que tomaram rumos ignorados. É caso de polícia?, acusou Nardelli.

O contador afirmou também que o presidente da Federação Paranaense de Futebol, Onaireves Moura, não apenas sabia das irregularidades, como pressionou para que o conselho fiscal da Apaf aprovasse as contas de Lehmkuhl na entidade. ?É certo e notório que o Moura tinha conhecimento de tudo. Ele era o padrinho de Lehmkuhl na Apaf?, afirmou.

Pressão

O depoimento de Nardelli confirma a versão apresentada ao TJD na semana passada pelo presidente do Sindicato, Amoreti Carlos da Cruz. As contas da Apaf, rejeitadas em assembléia, teriam sido aprovadas pelo conselho fiscal da entidade por pressão de Moura. ?O Rogério Carlos Rolim (árbitro e membro do conselho) falou para todo mundo que o Moura disse para ele que se as contas não fossem aprovadas, os membros do conselho seriam afastados dos jogos da CBF?, afirmou Nardelli.

Esta versão é contestada por Rolim, que em reportagem publicada ontem pela Tribuna negou qualquer ingerência de Moura nas atividades da Apaf. Porém, Nardelli foi taxativo no depoimento. ?Todo mundo sabia disso. O Rolim falava isso para todos, aqui na federação, no bar do Amoreti…?

Segundo Nardelli, com a pressão pela aprovação, o presidente da FPF pretendia desviar a atenção dos árbitros sobre as contas, que vinham sendo seguidamente contestadas, além de afastar cada vez mais a possibilidade de os árbitros se filiarem ao sindicato da categoria. ?Quando ele viu que a lama estava chegando à porta da Federação, chamou o Rolim para pressionar pela aprovação?, disse.

Nardelli diz que foi contratado pela Apaf, mas se recusou a apresentar um parecer favorável sobre as contas. ?Faltavam vários documentos, as contas não batiam. O Lehmkuhl disse para colocar qualquer valor lá, que os árbitros não iriam questionar. Como não aceitei, o Rolim chamou outro contador e pediu um parecer simbólico, que encaminhou aos outros membros do conselho fiscal. Eles assinaram sem conferir nada. Foi uma falcatrua. Colocaram valores aleatórios e assinaram?, afirmou.

Apesar de terem recebido parecer favorável do conselho fiscal, as contas seguem sem aprovação formal. Apenas uma assembléia geral da Apaf tem poder legal para aprová-las.

E agora?

As denúncias feitas por Amoreti e Nardelli acabaram desviando o foco das investigações, já que o inquérito em andamento investiga o suposto esquema de manipulação de resultados no futebol paranaense, e não as contas da Apaf. Segundo Paulo César Gradela Filho, a comissão de inquérito vai repassar os documentos apresentados por Nardelli ao presidente do TJD, Bôrtolo Escorssim, que irá decidir se abre ou não um novo inquérito para apurar as denúncias.

Gradela diz que enviará uma cópia dos documentos e do depoimento de Nardelli também para a Procuradoria de Investigação Criminal (PIC), que investiga, na esfera da Justiça comum, a corrupção na arbitragem no Estado.

?Festival de prêmios? seria mais um golpe

A atuação de Nelson Orlando Lehmkuhl na Escola de Árbitros da Federação Paranaense de Futebol (FPF) também foi alvo de fortes denúncias de Airton Nardelli ao TJD. O contador apresentou ao tribunal dez cartelas do ?2.º Festival de Prêmios?, realizado pela Apaf e que, segundo Nardelli, configura crime de estelionato.

Nas cartelas levadas por Nardelli ao tribunal, está clara a alteração da data do sorteio dos prêmios. O principal deles é um automóvel Fiat Uno. ?A Apaf faz esse tipo de promoção sistematicamente. Se for analisado e apurado, percebe-se que esse sorteio é um golpe.? Nardelli diz que os sorteios jamais eram realizados e que os prêmios nunca existiram. Além disso, os responsáveis pelo bingo não teriam autorização do governo para realizar o sorteio.

O contador afirmou também que os alunos da Escola de Árbitros eram coagidos a vender as cartelas. ?Eles eram coagidos a adquirir 200 cartelas, que custavam R$ 10 cada. Ou seja, cada um tinha que gastar R$ 2 mil. Quem comprava e pagava a vista, já tinha garantido o diploma do curso de árbitro e participava por mais dois anos sem nenhum custo?, disse Nardelli ao TJD.

Ele apontou também quem seriam os responsáveis pelo sorteio. ?A coordenação geral era do Moura e do Lehmkuhl. No Sudoeste do Estado, era dos árbitros Valdir de Souza e Antônio Carvalho. No Oeste, do árbitro Evandro Rogério Roman?, afirmou Nardelli, que prometeu entregar as cartelas ao Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), da Polícia Civil.

Ausência

Outro depoimento previsto para ontem não aconteceu. O ex-presidente do Departamento de Árbitros da FPF, Fernando Luiz Homann, não compareceu ontem ao TJD. ?O Homann veio aqui ontem (quinta-feira) e disse que não tinha nada a falar e não tinha conhecimento de nada?, disse o auditor Paulo César Gradela Filho. Homann também é acusado de participar do esquema, através da manipulação das escalas de arbitragem.

?Bons tempos da Cobra?

Tchê Casagrande trabalha hoje como empresário do setor de hotelaria, em Cascavel. Natural de Erechim (RS), Tchê jogou no Ypiranga de Erechim nos anos 60/70, ao lado de Borjão e Paulo César Carpegiani. Depois de deixar os gramados, Tchê veio para Cascavel, onde voltou a trabalhar no futebol, desta vez como dirigente. Nos anos 80 foi diretor de futebol do Cascavel. ?Fomos campeões em 1980 (título dividido com o extinto Colorado), e por quatro anos naquela década terminamos como o melhor time do interior do Estado?, lembra Tchê, que se não trabalha mais no futebol, mantém laços com o esporte através do sobrinho, o ex-jogador e técnico Caio Júnior (hoje comentarista esportivo), e o filho Preto Casagrande, jogando atualmente no meio-de-campo do Fluminense.

Bruxos do Paraná na tela da ESPN

O final de semana promete apimentar ainda mais o caldeirão de acusações contra a Federação Paranaense de Futebol (FPF). A rede de televisão a cabo ESPN Brasil dá continuidade hoje, às 23h30, à série de denúncias envolvendo irregularidades na arbitragem em partidas da Série Prata, a segunda divisão do Campeonato Estadual.

Desta vez o assunto ganhou o espaço no programa Histórias do Esporte – Especial: Apito corrupto. A reportagem vai mostrar hoje, mais um capítulo do escândalo envolvendo o futebol paranaense. ?Depois de denunciar a máfia do apito na federação comandada há muitos anos por Onaireves Moura, provocando a queda de juízes e cartolas, um grupo de árbitros corajosos estende o mar de lama a alguns técnicos, num grande esquema de corrupção que invade as séries B e C do Brasileiro?, diz a chamada do programa que será reprisado na segunda-feira, às 20h30.

A equipe da ESPN passou as últimas três semanas coletando informações e viajando pelo interior do Estado. Além de novas declarações dos árbitros José Francisco de Oliveira, o Cidão, e de Evandro Rogério Roman, o ex-vice diretor de futebol do Cascavel Esporte Clube, Tchê Casagrande também é um dos entrevistados do programa especial. ?Só reafirmei o que já havia dito. Estou afastado do futebol há mais de 10 anos. Esse esquema já acontecia no meu tempo?, disse de Cascavel, por telefone, à Tribuna.

?Tem árbitro, auxiliar que é ?vendido? para os dois times. Tem atleta na Segunda Divisão que atua de forma irregular, sem comprovação de documentos para pode jogar?, diz Tchê, afirmando que esses problemas ainda continuam existindo.

Sobre as punições já feitas no caso dos bruxos da arbitragem paranaense (veja quadro) o ex-diretor do Cascavel disse que isso é apenas um começo. Tchê vai mais além. ?É só pegar quem manda no futebol paranaense. Tem que mudar muita coisa. O estatuto tá errado. O Moura (Onaireves Moura, presidente da FPF) tá lá a quanto tempo? E ele só irá sair quando quiser. Precisa mudar o estatuto?, argumentando que na eleição da federação, o presidente de uma liga de um município do interior tem o mesmo peso do Gionédis (presidente do Coritiba), do professor Miranda (do Paraná), do presidente do Atlético. ?Vê se o Moura, se o Delfim Peixoto (presidente da Federação Catarinense de Futebol) querem deixar o cargo?, alfineta Tchê. Moura foi eleito pela primeira vez em 1985. Seu companheiro catarinense, Delfim Peixoto, em 1986.

O ex-dirigente do Cascavel aproveita para cutucar também os chamados clubes de aluguel e os novos ?empresários? do futebol. ?Tem time que nem sede possui e só serve para negociar jogador. O Império Toledo é um exemplo. Jogou onde no último Estadual? Aqui mesmo temos agora o exemplo do Cascavel, que já mudou de nome várias vezes, para não pagar as dívidas.?

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