Amor sem fim

Amor por Athletico, Coritiba e Paraná Clube aproxima torcedores com Síndrome de Down

Vinícius, Henrique e Danilo: unidos pelo amor ao futebol. Dificuldades ficam para trás, principalmente quando assunto é o Trio de Ferro. Foto: Marco Charneski

“Se quiser ver como as pessoas são de verdade, tudo o que você precisa fazer é olhar”. A frase do filme Extraordinário descreve Vinícius, Henrique e Danilo. Três garotos comuns que, de acordo com suas idades, estudam, trabalham, têm amigos e se divertem. Porém há um detalhe sobre os três que os tornam especiais: eles são apaixonados por seus times de futebol.

Henrique, 9 anos, aprendeu a amar o Athletico com o pai e tem uma grande admiração pelo meia Lucho González. Vinícius, 26, viaja sempre que pode para acompanhar o Coritiba em outras cidades, mas onde se sente em casa é na arquibancada do Couto Pereira, com o barulho forte da bateria da torcida organizada. Danilo, 33 anos, é paranista, não perde um jogo sequer do Paraná Clube na Vila Capanema e se orgulha de ter acompanhado desde pequeno a trajetória do time.

Paixão sem explicação

“É meu orgulho, minha paixão, tenho amor pelo Paraná Clube. Minha escolha foi essa, esse time é muito querido”, contou Danilo, que sem influência alguma de ninguém da família escolheu torcer pelo Tricolor. O pai, Luiz Fernando Rigoni, 65, é torcedor do Coritiba, mas sabendo da importância que o time paranista tem para o filho, faz questão de acompanhá-lo em todos os jogos.

Danilo é paranista fanático e coleciona diversos objetos do Tricolor. Foto: Marco Charneski
Danilo é paranista fanático e coleciona diversos objetos do Tricolor. Foto: Marco Charneski

“Ele não foi influenciado. Por si só desde pequeno decidiu torcer pelo Paraná. Eu não forcei na escolha. Nem eu sei como começou. Ele um dia pediu uma camisa do Paraná e não largou mais o time”, contou o pai.

Danilo coleciona vários objetos do clube do coração e, como qualquer fã, não dispensa ter várias camisas na coleção. Quando mais novo, o torcedor entrava em campo com os jogadores e, por isso, começou a pedir as camisas dos atletas. Apaixonado por futebol, ele também queria guardar de recordação os mantos de outras equipes. Hoje, ele tem uma coleção com mais de 100 camisas de futebol, que inclui times nacionais e internacionais.

Quando não está nos jogos do Tricolor, Danilo tem uma vida agitada. Ele estuda, trabalha, faz natação, e adora praticar esportes. “Ele já fez capoeira e dança, está sempre fazendo alguma atividade. Quando vamos para a praia ele pega a bicicleta, vai passear sozinho e faz também travessia no mar. Já tem sete medalhas”, contou o pai.

O rapaz é auxiliar administrativo e namora Karina, de 38 anos, há 11 meses. O casal adora passear, ir ao cinema, mas quando o assunto é futebol, não existe acordo. Ela é atleticana e disse que só vai ao jogo do Paraná Clube caso Danilo a acompanhe na Arena da Baixada. O paranista não quer ceder, mas para que a namorada aceite um pedido especial que fez, ele está disposto a negociar.

“Pedi ela em casamento e ela aceitou. Se ela for comigo ver o Paraná eu vou com ela no jogo do Athletico‘”, contou.

Amor de pai para filho

Muito falante e sempre com um sorriso no rosto, o pequeno Henrique herdou o amor pelo Rubro-Negro do pai, Marco Tuoto, 44 anos. “Ele tinha duas opções: ou ser atleticano ou ser atleticano”, brincou Tuoto.

Henrique já é figurinha carimbada na Arena da Baixada. Foto: Marco Charneski
Henrique já é figurinha carimbada na Arena da Baixada. Foto: Marco Charneski

O menino, inclusive, tem uma admiração em especial por um jogador: Lucho González. “Lucho é craque de bola, faz muitos gols. Quando ele está no jogo eu grito ’vem Lucho, faz o gol!’. O Athletico é minha paixão”, contou, empolgado, o garoto, que decidiu escrever uma carta para o ídolo e a entregou em uma sessão de autógrafos.

O jogador recebeu o presente do menino com muito carinho e, devido à sua desenvoltura, Henrique já foi convidado pelo canal oficial do clube a entrevistar alguns atletas do time. Além de poder reencontrar e entrevistar Lucho, o garoto também gravou com os atacantes Pablo e Bergson. Apesar de se sair muito bem diante das câmeras como repórter, o menino quer seguir outro caminho no futuro.

“Sabe qual é meu sonho? Ser um jogador do Athletico Paranaense e fazer muitos gols”, contou o fã do Furacão.

O pai não esconde o orgulho de ver Henrique vestir o manto atleticano com tanta paixão. “O mais legal de tudo isso é poder passar essa paixão que você tem pelo teu time para seu filho. Quando seu filho começa a absorver e entender tudo isso, e passa a ter a essa paixão e você poder ir junto com ele aos jogos, é algo inexplicável, que vem do coração, Ver seu filho torcer, curtir, para o pai é muito gratificante”, disse Marco, que revelou que o garoto já é ‘figurinha carimbada‘ nas arquibancadas da Arena.

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“Quando os jogos são muito tarde, o Henrique não vai porque acorda cedo para ir para a escola. Se vou sozinho as pessoas me abordam e perguntam: ‘cadê o Henrique, o Henrique não veio hoje?’ Teve um caso muito engraçado, estava em um bar em frente ao estádio e duas pessoas vieram falar comigo. Eu não fazia ideia de quem eram elas e me perguntaram: cadê o Henrique?”, lembrou.

Muito ativo, o menino está na quarta-série e tem uma rotina repleta de atividades. Faz natação, judô, futebol e joga tênis. “Acreditamos no esporte como forma de interação com as outras pessoas. E ele está feliz…”, contou o pai, interrompido pelo garoto.

“Sou feliz igual ao meu pai”, disse o pequeno.

No ritmo do coração

Vinicius ama tanto o Coritiba que até já viajou para acompanhar jogos do time em outras cidades, como Maringá, Paranaguá e até São Paulo.

Vinícius faz questão de usar a peruca verde e acompanhar as partidas ao lado da bateria da Imperío. Foto: Marco Charneski
Vinícius faz questão de usar a peruca verde e acompanhar as partidas ao lado da bateria da Imperío. Foto: Marco Charneski

“Quando ele era pequeninho, ganhou uma camisa do Athletico. Nunca quis influenciá-lo, mas como nunca ninguém o incentivou a torcer pelo Athletico. Levei ele para o Couto Pereira quando tinha oito anos. Depois disso, ele quer sempre estar lá. Virou fã incondicional do Coxa e não tem acordo. Todo jogo ele tem que estar lá, senão não sossega”, contou o pai, Arnaldo Colombo, 59 anos, que por acaso fez com que o filho encontrasse seu lugar preferido nas arquibancadas do Alto da Glória.

“Eu sempre assistia aos jogos na Mauá, um dia decidi mudar de lugar e ir ao lado da bateria da torcida. O Vinicius ficou louco por causa da bateria, agora todo jogo tem que ir e estar na bateria. Ele gosta da batida, se sente bem lá”, contou o pai.

Vinicius é tão querido dentro da torcida organizada Império Alviverde que foi homenageado em seu último aniversário. “Cantaram parabéns para mim tocando bateria. Eu fiquei muito feliz”, lembrou, emocionado. O pai agradece o carinho da torcida com o filho.

“O tratamento que ele tem dentro da torcida é fora de série. Todos tratam ele muito bem”, comentou.

Assim como seus amigos, o rapaz também ama praticar esportes. Ele compete em provas de corrida, arremesso de peso, arremesso de dardo e disco e joga futsal. Ao todo, tem mais de 50 medalhas.

“A Síndrome de down é um amor verdadeiro”

Os três personagens desta reportagem são portadores da Síndrome de Down, um mero detalhe em relação ao amor que sentem pelo futebol.

Pais e filhos unidos e com disposição de sobra. O que era para ser uma dificuldade uniu ainda mais a família. Foto: Marco Charneski
Pais e filhos unidos e com disposição de sobra. O que era para ser uma dificuldade uniu ainda mais a família. Foto: Marco Charneski

Hoje, dia 21 de março, é o Dia Internacional da Síndrome de Down, data mundialmente celebrada a fim de conscientizar sobre o assunto. A data foi estabelecida pela Unesco pela combinação entre os números 21/03, que descrevem a mutação presente nos genes de quem tem a síndrome: um cromossomo a mais no par 21, mutação chamada de trissomia. Quem não nasce com down tem 23 pares de cromossomos,ou seja, 46 cromossomos, enquanto uma com Síndrome de Down tem 47.

De acordo com a Associação Reviver Down, no Brasil existem cerca de 300.000 pessoas com a Síndrome. Luiz Fernando e Arnaldo só souberam que os filhos eram portadores da Síndrome de Down no dia do nascimento dos meninos.

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“Foi um susto, porque não sabíamos o que fazer e como agir, naquele tempo não tinham muitas informações sobre o assunto, mas, aos poucos, fomos aprendendo como deveríamos cuidar do Vinicius”, contou Arnaldo.

Para Marco, a descoberta foi diferente. Quando a esposa estava no terceiro mês de gestação, o diagnóstico já foi dado. Ele diz que sempre faz uma comparação para explicar como foi o processo.

“Você tem um sonho de ir a Paris. Mas aí o avião pousa e você está em Amsterdã. Você precisa entender que Amsterdã é muito bacana também. Não tem a Torre Eiffel que você tinha o sonho de conhecer, mas tem as tulipas, os canais e vários museus interessantes. Com o Henrique foi assim, a gente esperava uma coisa, aconteceu outra. Mas nós aprendemos a lidar com isso e somos felizes”, exemplificou Marco, que vê como fundamental o tratamento igual com os portadores da Síndrome de Down.

Incentivo

“Os pais têm um papel preponderante nisso. Se você não levar no jogo porque acha que tem algum tipo de preconceito, você está sendo conivente com isso. Eu tenho dois filhos, levo os dois aos jogos, eles vão do mesmo jeito, é tudo igual, a não ser porque o Henrique é mais aficionado pelo Athletico. Ele é um exemplo para o irmão mais novo”, disse orgulhoso o pai, que garante que o filho nunca sofreu nenhum tipo de preconceito.

Arnaldo também faz questão de incentivar Vinicius a, dentro das limitações, ser independente.

“Uma vez estava no Couto Pereira e o Vinicius saiu e foi ao banheiro. Aí uma mãe que também tem um filho especial olhou assustada e perguntou: cadê ele? Eu disse: “Foi ao banheiro”. E ela ficou impressionada que ele foi sozinho. Ele foi e voltou, como qualquer pessoa. Lógico que tenho cuidados, mas é algo normal, como com qualquer outro filho”, contou.

“Uma pessoa com síndrome de down pode fazer tudo. São pessoas com uma vantagem importante perante as outras: a felicidade! O Henrique sempre está de bem, sempre está feliz e gosta de todo mundo”, disse Marco.

Edla Marília Rigoni, mãe do paranista Danilo, se emocionou ao descrever a importância do filho na vida da família. “Quando o Danilo nasceu, a gente não sabia o que fazer com ele. Hoje, a gente não sabe o que fazer sem ele. Os portadores de Down colorem e dão sentido à vida”, declarou.

“O amor verdadeiro está na síndrome de down. Eles fazem tudo com amor e verdade. Eles nunca estão chorando, nunca reclamam, estão sempre felizes e contentes. A única coisa que eles exigem é o amor que você tem por ele‘, finalizou o pai do coxa-branca.

Foto: Marcio Charneski
Foto: Marcio Charneski