A defesa do presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta terça-feira (22), pedindo que os votos de 279 mil urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno das eleições deste ano sejam invalidados. Isso corresponde a 59,2% das máquinas utilizadas na votação.

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Segundo o documento, uma auditoria independente realizada a pedido do Partido Liberal constatou que urnas de modelos antigos apresentaram um número idêntico de LOG – arquivo que registra todas as atividades durante o funcionamento da urna – quando cada máquina deveria apresentar um número individualizado de identificação.

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A ação diz que os modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 das urnas apresentaram “problemas insanáveis de funcionamento, com destaque à gravíssima falha na individualização de cada arquivo LOG de urna e sua repercussão nas etapas posteriores, tais como o Registro Digital do Voto (RDV) e a emissão do Boletim de Urna (BU), e, consequentemente, na ausência de certeza quanto à autenticidade do resultado da votação”.

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“Imaginem um diário, em que cada linha registra uma atividade. O programa que constrói esse LOG lê dois dados, duas informações, direto do hardware, a estampa de tempo, data, hora e segundo, e também o código de identificação da urna. É importante que essas informações estejam todas corretas”, disse em entrevista à imprensa o engenheiro Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), que fez o trabalho de auditoria contratado pelo partido.

Ele ainda disse que a análise dos arquivos de votação identificou outro problema que, segundo ele, representa uma violação ao sigilo do voto. Durante a votação, várias urnas teriam travado e tiveram de ser religadas pelos mesários. Segundo Carlos Rocha, nessas urnas, os LOGs acabaram registrando o número do título ou o nome do eleitor que estava votando no momento do travamento. “É um ponto muito sensível, porque o sigilo do voto é um direito constitucional. Quando encontra ocorrência que viola o sigilo, é um ponto de preocupação”, disse o engenheiro.

Na entrevista à imprensa para anunciar o teor da ação e os resultados da auditoria, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, disse que o objetivo é o “fortalecimento da democracia em nosso país”. Ele, no entanto, buscou tirar as credenciais do partido das conclusões da auditoria, feita pelo IVL.

“Nós do PL não somos especialistas em segurança de dados, por isso fomos atrás de técnicos que fizessem esse trabalho para garantir a transparência do processo eleitoral”, afirmou aos jornalistas. “Esse relatório não expressa a opinião do Partido Liberal. Deve ser analisado pelos especialistas do TSE, de forma que seja assegurada e resguardada a integridade do processo eleitoral, com o único intuito, de fortalecer a democracia doo Brasil”, afirmou o cacique.

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Logo após a entrevista, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes despachou na ação, afirmando que as urnas utilizadas no segundo turno foram as mesmas do primeiro. Por isso, disse que o PL deve ajustar a ação para que o pedido de invalidação dos votos abranja também o primeiro turno, quando foram eleitos também deputados, senadores e parte dos governadores. No despacho, ele disse que essa alteração na ação deve ser feita em 24 horas, “sob pena de indeferimento da inicial”, ou seja, de arquivamento do processo.

Auditoria do PL começou em julho e apontou problemas nas urnas

A auditoria do PL foi iniciada em julho, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, e tinha como objetivo inicial verificar se procedimentos de segurança e a gestão da área de tecnologia do TSE seguem as normas vigentes e as melhores práticas da área. Em setembro um resumo de duas páginas, com as conclusões do trabalho, foi divulgado por parlamentares do partido. Apontava 24 falhas, como descumprimento de regras oficiais, tecnologias deficientes para certificação digital dos votos, risco de quebra do sigilo, além de problemas de governança.

De forma mais concreta, o documento apontou, por exemplo, que havia um “poder absoluto” de alguns técnicos da Corte para “manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro”. “Somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais […] sem qualquer controle externo”, dizia o resumo.

“Não foram encontrados os procedimentos necessários para proteger estas pessoas expostas politicamente (PEP) contra a coação irresistível, gerando outro risco elevado”. Divulgado na semana anterior ao primeiro turno, o documento também afirmou haver risco de invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, “com grave impacto nos resultados das eleições de outubro”. Ainda falava em “quadro de atraso” na implantação de medidas “mínimas necessárias” na segurança da informação.

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No mesmo dia, o TSE emitiu nota classificando de “falsas e mentirosas” as conclusões da auditoria, “reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral”.

O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, mandou que os responsáveis fossem investigados no inquérito das fake news, que ele mesmo conduz no Supremo Tribunal Federal (STF). O TSE também passou a apurar se recursos públicos do fundo partidário foram usados para pagar o Instituto Voto Legal (IVL), responsável pela auditoria.

Além da auditoria do PL, Bolsonaro também cobrou do Ministério da Defesa uma fiscalização mais profunda das urnas eletrônicas. Esse trabalho foi iniciado no ano passado, quando as Forças Armadas passaram a integrar o grupo de entidades fiscalizadoras do sistema. No último dia 9, após o segundo turno, a pasta divulgou um relatório sobre o trabalho. Não apontou fraude na votação, mas não excluiu essa possibilidade e fez várias críticas ao sistema.

O principal problema estaria no acesso à rede de computadores que fazem a compilação do código-fonte, ou seja, a conversão dos algoritmos em programas executáveis pelas urnas. “A ocorrência de acesso à rede durante a compilação pode configurar relevante risco de segurança ao processo”, disse a pasta. O TSE esclareceu depois à Gazeta do Povo que trata-se de uma rede segura, sem permanente conexão à internet. “Trata-se de um ambiente com controle totalmente diferenciado e com segurança superior aos ambientes de desenvolvimento de sistemas comuns nas demais organizações mundo afora, onde os ambientes de compilação não possuem restrições nesses níveis”, afirmou o TSE.

Tanto o IVL quanto a Defesa defenderam, na auditoria e na fiscalização, aprimoramentos no teste público de segurança, no qual urnas são retiradas dos locais de votação, na véspera da eleição, para verificar se registram corretamente os votos. Por sugestão dos militares, parte das máquinas passou a ser testada dentro ou perto da seção eleitoral com a biometria de eleitores voluntários – em geral, o teste é feito nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) por servidores e acompanhado por representantes de partidos e outras entidades fiscalizadoras. O objetivo da mudança – acolhida em parte pelo TSE – era aproximar o teste ao máximo de uma votação real, de modo a reduzir o risco de que a urna identificasse que estava sendo testada. Ao divulgar o resultado do teste, o tribunal afirmou que não houve discrepância entre os resultados da votação digital e aquela inscrita em cédulas.

A Defesa, porém, disse que “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”. Os militares consideraram baixa a participação de eleitores voluntários, de modo que o número de votos no teste ficou muito aquém da quantidade normal numa seção eleitoral – seria mais uma brecha para a urna perceber que seria testada e assim se comportar de forma diferente de uma eleição real. O TSE diz que não é possível obrigar eleitores a participar.

No último dia 15 de novembro, em meio a protestos em frente aos quartéis contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, veio à tona um novo documento, com timbre do PL, apontando outro problema nos arquivos da votação publicados pelo TSE após o pleito. Os “logs”– arquivo que registra todas as atividades de um equipamento – das urnas de modelos antigos seriam inválidos, porque apresentariam o mesmo número de identificação.

No mesmo dia da publicação do relatório na imprensa, o engenheiro Carlos Rocha, presidente do IVL e responsável pela auditoria do PL, declarou em nota que se tratava de uma “versão obsoleta e não está assinada por ninguém”. No último sábado (19), porém, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, durante um evento partidário no interior de São Paulo, disse numa entrevista informal que o partido pediria ao TSE uma revisão de cerca de 250 mil urnas que estariam com o mesmo número de patrimônio.

Afirmou que a intenção não seria pedir uma nova eleição. Mas disse que essas urnas “não podem ser consideradas” e que o TSE teria de dar uma resposta ao problema. “Não tem como controlar a urna. Você vai checar a urna antes da eleição e são todas com o mesmo número. Temos a prova e vamos mostrar que essas urnas não podem ser consideradas. Vamos ver o que o TSE vai resolver, vai decidir”, disse Costa Neto.