Curitiba

Isso que é ir“mãe”!

O que você se imagina fazendo se estivesse com 21 anos de idade? Cursando uma faculdade? Saindo para baladas ou viajando com amigos? Pensando em diversão ou no futuro profissional? A assistente comercial Cristina Pinheiro, 30 anos, bem que gostaria de ter passado por tudo isto aos 21 anos. Mas deixou de lado as “des”preocupações da juventude para criar os quatro irmãos mais novos, depois de conseguir na Justiça a guarda deles. A mãe e a avó de Cristina faleceram neste decorrer de tempo, o pai das crianças nunca foi presente e ela decidiu que não queria ver os irmãos separados, recolhidos pelo Conselho Tutelar.

Cristina, ao centro, com Aline, 20 anos, Alechandre, 18, e Anderson, 21. Foto: Gerson Klaina.
Cristina, ao centro, com Aline, 20 anos, Alechandre, 18, e Anderson, 21. Foto: Gerson Klaina.

A mãe de Cristina, que era professora da rede estadual de ensino, morreu em 2004 de câncer. A avó assumiu a guarda dos netos, mas faleceu dois anos depois. O caçula tinha apenas sete anos. “O pai deles (que não é o mesmo de Cristina) queria ficar só com o mais velho e com a pensão da minha mãe. Não aceitei e assumi os quatro”, diz, orgulhosa. Ela deu desde os conselhos e a educação que se dá em casa, a roupa e a comida, até o acompanhamento na escola. Ia nas reuniões de pais, buscava boletins, checava as lições todos os dias, conversava com as pedagogas, repreendia más atitudes e até hoje não deixa ninguém ficar até tarde na rua, sem avisar onde está, com quem e o que está fazendo. “Se passa do horário combinado pra voltar eu vou lá buscar”, conta.

A assistente comecial acredita que a educação que deu aos irmãos é melhor do que a que sua mãe teria dado. “Mãe cede muito. Eu sou mais autoritária”, revela Cristina, que por causa da rigidez, ganhou dos irmãos o apelido de “coronel”. Ela não gosta muito, mas o fato de nenhum dos quatro ter se envolvido com coisas erradas nestes 11 anos, em plena adolescência, a deixa conformada com o apelido. “Eu fico 24 horas em cima deles. Tenho medo de perdê-los para mãos erradas. Mesmo eles não tendo mãe, alguém tem que mostrar autoridade na casa”, afirma ela, que controla as amizades e namoros.

E as preocupações de Cristina não se resumem a ela e mais quatro irmãos. Na casa moram nove pessoas, já que ela tem outras duas irmãs (uma mais velha e outra mais nova) e as duas sobrinhas, de 2 e 10 anos.

Uma guerra todo dia

Cristina era muito jovem quando conseguiu a guarda dos irmãos. Administrar a casa, as contas e as vidas dos outros lhe renderam dias cheios de problemas para resolver, intercalados com as obrigações profissionais. Hoje, montou uma escala de trabalho doméstico e cada um cumpre a sua parte. Mas houve épocas em que ela fazia tudo sozinha e ainda trabalhava fora, para complementar a pensão que os mais novos recebiam e poder sustentar a casa. Cada centavo era contado. Nesta época, todos moravam numa casa com apenas duas peças. Com o esforço da jovem, hoje a residência tem cinco quartos, ampliada aos poucos a cada ano. “Mesmo assim ainda fico sentida de não conseguir ajudá-los mais. Dar um tênis, um presente extra”, lamenta.

Foto: Gerson Klaina.
Cristina era muito jovem quando conseguiu a guarda dos irmãos. Foto: Gerson Klaina.

Uma das piores fases que passou foi quando pensou que perderia um dos irmãos para as drogas. “De repente ele começou a ficar rebelde, fumar e descobri que não estava indo à aula. Eu o deixava na porta da escola, mas ele esperava eu dar as costas pra sair e ficar vagando no terminal”, recorda Cristina, que buscou conselhos com a pedagoga da escola e ajuda psicológica gratuita numa universidade. Tudo isto ajudou, mas o que fez seu irmão resgatar a vida “normal” foi o carinho e atenção triplicados que ela dedicou ao jovem. “Consegui trazer ele de volta”, orgulha-se.

Ser mãe? Acho que sim!

Cristina parece ter dúvidas se quer ter um filho. “Antes mesmo da minha mãe falecer, eu ajudava cuidando de todos pra ela poder trabalhar. Dava mamá desde bebê, troquei fralda, orientava. Fiz isso até com minhas duas sobrinhas. Já conheço todas as fases, já sei tudo o que vou passar. Não é mais novidade”, comenta.

“Mas amor de mãe é bem diferente. O que eu tenho pelos quatro é amor de irmã. Quero experimentar o que é dar amor de mãe, ter alguém que cuide de mim no futuro. Mas por causa de toda a experiência que já passei, acho que precisarei de um tratamento psicológico antes de engravidar”, avalia.

Foto: Gerson Klaina.
Foto: Gerson Klaina.

Além disso, a assistente acredita que mãe tem que ter tempo para os filhos. “Eu vejo que as mães de hoje não têm paciência, não observam os filhos, não ajudam com a lição, não colocam pra dormir. É uma criação baseada em berros”, opina ela, que para poder se dedicar à maternidade, antes quer concluir os estudos, terminar a construção da casa que está erguendo ao lado da que mora hoje e casar com o namorado, com quem está há sete anos. “Mas vou fazer uma sacadinha do lado e ficar lá sentada com a espingarda na mão, controlando todos como sempre fiz”, brinca.

Enfim, estudando

Por vários anos depois que sua mãe faleceu, Cristina tentou fazer cursinhos pré-vestibular. Tentava concursos, mas não passava. Chegou a conseguir cursinhos gratuitos, mas suas preocupações não a deixavam se concentrar nas aulas. A nota no Enem foi insuficiente para conseguir uma bolsa de estudos na faculdade onde sonhava fazer o ensino superior. Até conseguiu disputar uma bolsa, mas não foi aprovada. Insistiu, estudou e como viu que a bolsa seria difícil, reorganizou todo o orçamento da casa para pagar a faculdade. O salário vai quase todo na mensalidade. Mas no fim deste ano ela se forma tecnóloga em Gestão Financeira. E Cristina já pretende emendar uma pós graduação. “Estudo porque quero crescer, ganhar mais, ser um talento que a empresa brigue por mim”, afirma.

Dica da Cris

“Eu não sou de ficar contando a minha história. Mas aceitei falar (com a Tribuna) porque acho que é uma lição para as outras pessoas. Valorize seus pais e cada coisa que eles fazem por você. Eu não tinha pai e mãe pra pedir um conselho, compartilhar os acontecimentos do dia, chegar em casa tarde e cansada e ter um pratinho pronto de comida me esperando no microondas. Eu tinha que fazer tudo pra mim e pelos meus irmãos, decidir sozinha e sem ajuda. O que eu mais senti falta é da minha liberdade, de estar numa fase que eu poderia estar começando a seguir a minha vida, decidindo o que queria do meu futuro. Não espere perder para dar valor ao que você tinha antes”, aconselha.

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Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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