Curitiba

De casa pra rua

Escrito por Paula Weidlich

‘Viver na rua é frio, chuva, fome e se a gente não pedir ajuda para as pessoas, nas casas ou no sinaleiro, não conseguimos nem para o almoço‘. Assim o curitibano Cristiano Rosa Gonçalves, 25 anos, resume sua vida. Segundo ele, problemas de relacionamento com a família e o envolvimento com as drogas estão entre os motivos que o fizeram deixar seu lar há mais de 10 anos. ‘As drogas foram o principal. Também me afastei da família, meu irmão faleceu e eu tinha que conviver com um padrasto com quem não me dou bem. Para não ficar brigando com ele dentro de casa, preferi vir pra rua‘, diz.

Sem um teto, ele conta que são muitas as dificuldades diárias. ‘O pessoal tem medo da gente, sofremos preconceito e até violência. Por isso andamos em grupo, para ficarmos mais protegidos. Dormimos perto de módulos policiais ou onde têm câmeras, para não ter perigo ou filmarem quem faz mal pra gente. Os cachorros também cuidam da gente. Tenho vontade de sair da rua, de ter uma casa. O duro é conseguir. Faz sete meses que deixei as drogas, usava crack e hoje trabalho com recicláveis. Se Deus quiser, devo sair das ruas‘, explica.

Cobranças

Foto: Lineu Filho
Cristiano: “O pessoal tem medo da gente, sofremos preconceito e até violência”. Foto: Lineu Filho

Nascido em Londrina, Admílson Pereira, 27, vive há seis anos nas ruas de Curitiba e acredita que atualmente, o maior problema é conseguir uma vaga nos serviços de acolhimento. ‘Esperamos que mais vagas sejam criadas. Acredito que somos em mais de cinco mil pessoas vivendo nas ruas e não têm vagas para todos. Essa população cresceu nos últimos anos, a demanda aumentou muito. Lugares como o condomínio social são bons, mas são de acesso difícil e burocrático. E é ainda pior para quem é de outra cidade ou da região metropolitana. Para estas pessoas é mais difícil conseguir vaga nos albergues e centros de atendimento, por mais de algumas noites. Fiquei dois meses em um albergue e saí, prefiro viver na rua sem passar por humilhações‘, reclama.

Moradores de rua ouvidos pela Tribuna também reclamam que não podem conviver com seus cônjuges ou animais de estimação nos centros e albergues. Mas elogiam o serviço municipal “Consultório na Rua”, que presta atendimento médico na Praça Rui Barbosa todas as quartas-feiras.

Tem vagas pra todos, diz FAS

Segundo a Fundação de Ação Social (FAS), nenhuma pessoa em situação de rua que busca o serviço deixa de ser atendida em Curitiba. “Em um universo de mais de 1.000 vagas de acolhimento para população de rua existentes hoje, a taxa de ocupação nunca passa de 85%”, informa, em nota. Em momentos de urgência, como na Operação Inverno, a prefeitura abre vagas emergenciais. Até 2012, eram 615 vagas e uma única unidade própria de acolhimento. Hoje, são 1.115 vagas distribuídas em nove unidades próprias e oito instituições conveniadas.

Há regras de convivência nestes espaços, horários e proibição de uso de álcool e de qualquer substância ilícita. O período de permanência é analisado caso a caso. Além da albergagem, um dos serviços disponíveis é o retorno familiar. Quem mora na rua mas tem família ou domicílio é incentivado pelo serviço social a recuperar seus vínculos familiares e comunitários. “A albergagem é apenas o primeiro passo do atendimento, emergencial”. O Condomínio Social atende o público que está em vias de recuperar sua autonomia.

A FAS foi o primeiro órgão de assistência social do país a acolher moradores de rua com seus animais de companhia, em 2013. “Não são todas as unidades de atendimento que dispõem desse serviço, mas o acolhimento nunca é negado ao morador de rua que não quer se separar de seu animal de companhia”, explica. A FAS discute a possibilidade de abrir uma unidade de atendimento para casais.

Motivos bem variados

Foto: Lineu Filho
Moradores de rua reclamam do preconceito e da violência. Foto: Lineu Filho

O último Censo aponta que há cerca de 2 mil moradores de rua em Curitiba. Segundo a prefeitura, atualmente, este número é de aproximadamente 1.200 pessoas, que não saem das ruas por motivos como o medo de perder a liberdade, falta de contato com a família, desemprego, dependência de álcool e drogas, apego aos animais de estimação com quem convivem nas ruas, entre outros.

Sozinhos ou em grupos, eles ocupam espaços públicos e privados e há tempos dividem opiniões: são vistos por parte da sociedade como um problema ou como gente que precisa de apoio e oportunidade, segundo os grupos de defesa dos direitos humanos.

Em janeiro deste ano, a Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) e a Associação Comercial do Paraná (ACP) cobraram ações da prefeitura. Nas redes sociais, a Abrabar afirmou que Curitiba é hoje um albergue a céu a aberto e que o poder público assiste a isto passivamente. Segundo a associação, a saída seria ‘cercar as marquises, recolher as camas e oferecer dignidade e alojamento ao povo desfavorecido, seja por bem e espontânea vontade, ou por força de ato de ordem pública e social‘.

Dignidade e respeito

Foto: Lineu Filho
Moradores reclamam que é difícil conviver com suas mulheres e animais de estimação em alguns centros e albergues. Foto: Lineu Filho

No entanto, para o militante do Movimento Nacional da População de Rua Maurício Pereira, a questão deve ser tratada com dignidade e respeito à Política Nacional para População em Situação de Rua. ‘Pedidos como este, que desejam retirar as pessoas das ruas à força, são um contrassenso. São ideias sem responsabilidade com as questões sociais. Os empresários poderiam fazer parcerias com o município, para ajudar a resolver o problema. Temos exemplos bem-sucedidos na cidade, de comerciantes que contam com o apoio de quem vive na rua, tratando bem estas pessoas para que cuidem de suas lojas enquanto permanecem no espaço, geralmente, durante a noite‘, aponta.

‘A gente compreende o lado dos comerciantes e da população, mas a retirada brusca destas pessoas é uma ação que não traz resultados.  Curitiba avançou nas últimas décadas, diversificando as casas de apoio, mas ainda há muito a ser feito para reconstruir a vida e a confiança destas pessoas. Muitos são os motivos que levam alguém para as ruas, por isso a solução deve ser integrada e multidisciplinar, com tratamento de saúde e ações de reconstrução do ser social e de inclusão‘, observa o professor do curso de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Lindomar Boneti.

Leia também: Projeto pioneiro tira moradores das ruas de Curitiba

 

 

Sobre o autor

Paula Weidlich

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