Curitiba

Culpa sua!

Foto: Pixabay
Escrito por Maria Luiza Piccoli

Fake News desmotivam pais a vacinar os filhos. Autoridades de saúde alertam para os riscos da não imunização. O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a vacinação é obrigatória e quem desobedecer pode ser multado e até preso

Duzentos mil compartilhamentos em dez dias. Essa foi a velocidade com que um texto falso, disseminado como rastro de pólvora, ganhou as redes sociais há alguns meses. Além de deixar muita gente com a pulga atrás da orelha, a mensagem trouxe dor de cabeça para o Ministério da Saúde, que teve de desmentir o boato que afirmava que a fórmula da vacina contra o Papiloma Vírus Humano (HPV), disponibilizada nos postos de saúde de todo o Brasil, continha metais pesados, vírus transgênicos e conservantes, podendo levar à morte.

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Se você achava que a moda das “fake news” só pegou no cenário político, atenção. Tão contagiosas quanto as próprias doenças, mensagens mentirosas pondo em descrédito as campanhas de imunização se tornaram verdadeira epidemia e preocupam as autoridades de saúde, principalmente com a proximidade de ações importantes como a vacinação contra a Poliomielite, que acontece em agosto, em todo país.

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

O alerta já foi dado. Depois do surto recente de sarampo registrado no norte do Brasil, entidades de saúde voltam a se preocupar com doenças que, há muito tempo, não davam as caras no território nacional. Entre as principais, poliomelite, rubéola e difteria eliminadas há décadas. A preocupação tem motivo. Dados divulgados recentemente pelo Ministério da Saúde apontam que a taxa de imunização é a pior dos últimos 12 anos no país: 84% – sendo que a meta recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 95% da população.

No Paraná não é diferente. De acordo com a Secretaria da Saúde (Sesa), desde 2016, somente 87% da população do estado tem mantido a carteirinha de vacinação em dia: número considerado baixo e que, segundo a própria Sesa, caiu ainda mais em 2018 quando comparado ao mesmo período dos últimos anos. Mas afinal, o que estaria por trás dessa queda? Talvez uma das respostas esteja na palma da sua mão, mais precisamente no seu celular. É que por meio de aplicativos de conversa e das redes sociais, como Whatsapp e Facebook, mensagens falsas propagadas pelos chamados “grupos antivacinação” têm ganhado força e deixado muita gente em dúvida com relação a eficácia das vacinas.

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É o caso da dona de casa Ana Cláudia Matos, 35, que preferiu não tomar a vacina da gripe esse ano depois de receber uma corrente pela internet, afirmando que a imunização, na verdade, agravaria a doença. “Eu já vinha ouvindo muitos relatos de gente reclamando da vacina mas aí, depois que recebi a mensagem, decidi que não tomaria de vez”, afirmou. Assim como Ana Cláudia, muita gente acaba acreditando nos boatos e colocando em risco não somente a própria saúde, mas também a dos filhos, que muitas vezes acabam não sendo imunizados.

Para o chefe da Divisão de Vigilância das Doenças Transmissíveis da Sesa, Renato Lopes, a situação é preocupante, já que os movimentos contrários à vacinação costumam embasar os argumentos com justificativas como possíveis reações colaterais e a pressão da indústria farmacêutica. “Isso está virando um problema difícil de controlar porque essas mentiras circulam rápido e muita gente acaba acreditando. Isso é perigoso, porque à medida que as pessoas não se vacinam, ficam vulneráveis, favorecendo a disseminação da doença em caso de contágio”, explica.

De acordo com Lopes, mesmo que não seja possível mensurar em números o risco de reincidência das enfermidades já erradicadas no país, a questão merece a máxima atenção. Segundo o especialista, o foco das autoridades agora é a Poliomielite, ou paralisia infantil, cujo último registro feito no estado foi em 1986 e, mesmo controlada, corre risco de voltar caso a população não se atente à imunização. “Pelo fato de não existirem mais tantos casos à vista das pessoas, muitos perderam o medo da doença, principalmente os mais jovens. Além disso a nova geração de profissionais de saúde também não conhece essas enfermidades, demorando para fazer os diagnósticos. Por isso a única forma de evitar que a poliomielite volte à cena é a vacinação”, ressalta.

“Sofri tanta discriminação que não consigo entender como as pessoas escolhem negligenciar a saúde", disse Cinira, portadora de poliomielite. Foto: Felipe Rosa.
“Sofri tanta discriminação que não consigo entender como as pessoas escolhem negligenciar a saúde”, disse Cinira, portadora de poliomielite. Foto: Felipe Rosa.

Para quem conviveu a vida toda com a doença, saber que muita gente tem deixado de proteger os filhos por opção própria, se não traz revolta, provoca no mínimo perplexidade. É o caso de Cinira Pereira de Azevedo, 57, portadora de poliomielite desde os 3 meses de vida. “Sofri tanta discriminação que não consigo entender como as pessoas escolhem negligenciar a saúde e não se incomodar com a possibilidade de ver os filhos passando por isso”, afirma a funcionária pública, que já chegou a ouvir de um empregador da área privada que não seria contrataria pelo fato de ser portadora da doença. “As pessoas ignoram os riscos por não saberem das dificuldades que os portadores enfrentam. A vacina não é uma experiência, mas uma medida de saúde pública fundamental desenvolvida há muitos anos. É preciso que os pais se informem antes de acreditar em boatos”, desabafa.

É obrigação!

Obrigatória desde a década de 70, a vacinação infantil é garantida, no Brasil, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo parágrafo 1º do artigo 14, determina que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Aos pais ou responsáveis que, mesmo assim, optam por não vacinar os filhos, o Estatuto prevê punições que vão desde a aplicação de multas à prisão, passando pela destituição da tutela e até mesmo perda da guarda.

O que dizem os especialistas

Por meio de nota enviada à Tribuna, a Sociedade Paranaense de Pediatria recomenda aos pais e responsáveis que levem os filhos para serem vacinados. A entidade alerta: “Não se deixe levar por boatos ou falsas informações”, e esclarece que a vacinação do calendário brasileiro é feita gratuitamente nas unidades de saúde e está disponível para a faixa etária de 1 (um) até 49 anos de idade.

Uma nota conjunta emitida dia 16 de julho de 2018 pelas Sociedades Brasileiras de Pediatria (SBP), de Imunizações (SBIM) e de Infectologia (SBI) orienta os médicos quanto aos procedimentos e exames necessários frente a possíveis casos suspeitos de sarampo, que tem assustado grande parte da população. A sociedade ainda reitera que todos os cidadãos devem estar alertas e participar das ações para prevenir a entrada não só do sarampo, mas de todas as doenças nos demais estados brasileiros. Para tanto, segundo a entidade, “é importante que todo brasileiro faça a sua parte, isto é: esteja informado e tenha em dia todas as suas vacinas”, finaliza a nota.

Sobre a Poliomielite

Controlada há mais de 22 anos no Brasil, a poliomielite é uma doença viral e infecciosa transmitida por meio do consumo de água e alimentos contaminados. A transmissão também pode acontecer pela fala, espirro ou tosse do indivíduo infectado, sendo o contágio mais provável entre crianças em idade escolar.

Os principais sintomas da doença são diarreia, febre, dores musculares e vômito, com posterior enfraquecimento e paralisia dos membros inferiores, sempre de um só lado do corpo. Nos casos mais graves a doença pode paralisar outros grupos musculares. A poliomielite, uma vez adquirida, não tem cura.

Campanha 2018

De 6 a 31 de agosto acontece em todo Brasil a Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite e Sarampo. A campanha é voltada exclusivamente às crianças com idade entre 12 meses e menores de 5 anos, incluindo as que já receberam as vacinas anteriormente. O Dia D da campanha está marcado para 18 de agosto. A meta é vacinar ao menos 95% das crianças dessa faixa etária.

A vacina é administrada via injeção e gratuitamente nas unidades de saúde em todo o estado e território nacional.

Agora vai?

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

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